A DIREITA APRUME-SE...
A direita venceu uma eleição e perdeu todas as outras
batalhas. Não conquistou um canal de televisão. Não fundou uma universidade.
Não formou um corpo de juristas capaz de fazer frente ao ativismo judicial. Não
ocupou uma única cadeira relevante no sistema que realmente governa o país. E
quando o governo acabou, acabou junto qualquer vestígio institucional da sua
passagem.
O que restou? Um ex-presidente inelegível, presos políticos
esquecidos nos calabouços da República e uma direita fragmentada que gasta mais
energia criticando Bolsonaro do que combatendo o sistema que o destruiu.
Os críticos da cereja
Existe hoje um gênero curioso de comentarista político.
Apresenta-se como direitista, mas sua principal atividade é criticar a direita.
Não a esquerda no poder, não o sistema hegemônico, não os juízes que legislam,
não os burocratas que sabotam, não os jornalistas que mentem. Critica
Bolsonaro. Critica a “falta de articulação”. A “retórica polarizadora”. A
“incapacidade de dialogar”. A “ausência de um projeto”.
É uma crítica que soa sofisticada nos salões, mas revela uma
incompreensão fundamental do problema. Ou pior: revela a recusa deliberada de
compreendê-lo.
Criticar Bolsonaro por não ter conseguido reformar o sistema
é como criticar um náufrago por não ter construído um transatlântico com os
destroços. Ele tinha o quê? Um mandato de quatro anos, um Congresso hostil, um
Judiciário francamente inimigo, uma mídia dedicada à sua destruição vinte e
quatro horas por dia, uma burocracia que sabotava cada decreto, cada nomeação,
cada iniciativa. Tinha generais que acreditavam em “pacificação” enquanto o
inimigo acreditava em aniquilação. Tinha aliados que o abandonaram na primeira
dificuldade, assessores que vazavam informações para a imprensa, ministros que
conspiravam nos bastidores.
E tinha, sobretudo, uma direita que nunca se deu ao trabalho
de construir as bases institucionais que permitiriam a qualquer governo de
direita sobreviver.
Onde estavam, durante os quarenta anos de marcha gramsciana,
os intelectuais conservadores que deveriam ter disputado as universidades? Onde
estavam os empresários que deveriam ter financiado jornais, revistas, think
tanks, centros de formação? Onde estavam os juristas que deveriam ter criado
uma doutrina capaz de fazer frente ao progressismo togado? Onde estavam os
artistas, os cineastas, os romancistas, os dramaturgos? Onde estão os
estudantes de universidades públicas de direita conquistando diretórios
acadêmicos?
Estavam, na melhor das hipóteses, ganhando dinheiro. Na
pior, financiando a esquerda em troca de paz social e de isenções fiscais.
Quando acordaram, era tarde. E agora querem cobrar de Bolsonaro a conta de
décadas de omissão.
O paradoxo da civilidade
Há algo de profundamente desonesto na exigência de
“civilidade” que essa direita faz ao bolsonarismo. É como exigir boas maneiras
de quem está sendo espancado.
O sistema não opera com civilidade. O sistema opera com
inquéritos sigilosos, prisões preventivas por tempo indeterminado, quebras de
sigilo bancário e telefônico sem fundamentação, buscas e apreensões que mais
parecem invasões militares, censura prévia a jornalistas e parlamentares,
cassação de mandatos por “abuso de direito”, inelegibilidade retroativa por
“atos antidemocráticos”. O sistema persegue, prende, exila, destrói reputações
e carreiras. O sistema usa a lei como arma e o Direito como disfarce.
Mas a direita civilizada quer que Bolsonaro seja “moderado”.
Que fale baixo. Que respeite as instituições que o perseguem. Que dialogue com
quem quer destruí-lo. Que aceite as regras de um jogo em que só um dos lados
pode jogar.
É a mesma direita que, diante do lawfare sistemático,
pondera sobre “excessos de ambos os lados”. Que, diante de presos políticos sem
julgamento, preocupa-se com o “discurso de vitimização”. Que, diante da censura
explícita, lamenta “a polarização que impede o debate”. Uma direita que quer
ser aceita pelo sistema que deveria combater. Que busca respeitabilidade nos
mesmos salões onde se decide a sua destruição.
QUEM CRITICA
BOLSONARO CRITICA A CEREJA, NÃO O BOLO
A profecia ignorada de Olavo de Carvalho e a cegueira
voluntária de uma direita que prefere mirar no sintoma a enfrentar a doença
Há um tipo peculiar de cegueira que acomete certas
inteligências. Não é a cegueira do ignorante, que desconhece por falta de
acesso à informação. É a cegueira do homem que, diante de um incêndio, critica
o bombeiro por ter molhado o tapete. Enxerga o detalhe, ignora a catástrofe. Vê
a cereja, mas finge não ver o bolo.
Em 29 de novembro de 2016, quando os gritos de “Bolsonaro
2018” já ecoavam pelas ruas de um Brasil exausto do lulopetismo, Olavo de Carvalho
publicou um texto que deveria ter sido lido, relido e memorizado por todo
aquele que se pretendia de direita. Não foi. O texto dizia:
“Tantos, hoje, dizem querer o Brasil de volta, e, em vista
disso, gritam: ‘Bolsonaro 2018’. Não quero ser estraga-prazeres, mas os
comunistas não começaram a nos tomar o Brasil pela Presidência da República.
Tomaram primeiro as universidades, depois a Igreja Católica e várias das
protestantes, depois os sindicatos, especialmente de funcionários públicos,
depois a grande mídia, depois o sistema nacional de ensino, depois o sistema
judiciário, depois os partidos políticos todos, e por fim, depois de quarenta anos
de esforços, a cereja do bolo: a Presidência da República.”
E concluía com a pergunta que ninguém quis responder: “Vocês
acham REALMENTE que, tomando a cereja de volta, o bolo inteiro virá junto?”
A resposta veio da história. E foi negativa.
O bolo que ninguém quer ver
Antes de criticar a cereja, convém examinar o bolo. Ele tem
103 anos de preparo.
Começa em março de 1922, quando 73 militantes fundaram o
Partido Comunista Brasileiro num congresso clandestino em Niterói. Setenta e
três pessoas. Cem anos depois, a esquerda controla as principais universidades
do país, a maior parte do Judiciário, a quase totalidade da grande imprensa, o
aparelho sindical, as burocracias estatais, as ONGs bilionárias, os organismos
internacionais que pautam nossas políticas públicas e, naturalmente, a
Presidência da República. De 73 militantes reunidos num porão a um sistema
hegemônico que atravessa gerações e sobrevive a qualquer alternância eleitoral.
Isso é o bolo.
A esquerda não chegou ao poder pela via eleitoral. Chegou às
eleições pelo poder. Primeiro conquistou mentes, depois votos. Primeiro ocupou
redações, cátedras, púlpitos e tribunais, depois ocupou ministérios. O
gramscismo não é teoria conspiratória de manual mimeografado. É o método que
está documentado nas atas do Foro de São Paulo, nos currículos das faculdades
de humanas, nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, nas pautas editoriais
da Folha de S. Paulo. Basta olhar.
Quando Jair Bolsonaro assumiu a Presidência em janeiro de
2019, encontrou um Estado aparelhado por quatro décadas de ocupação
sistemática. Treze ministros do STF haviam sido indicados pelo PT. Lula nomeou
oito, Dilma nomeou cinco. Os concursos públicos selecionaram gerações de
burocratas formados por professores marxistas. As agências reguladoras
respondiam a interesses que nada tinham a ver com o interesse nacional. A
Polícia Federal investigava segundo critérios que pareciam obedecer a uma
hierarquia paralela. Os generais que cercavam o presidente tinham sido
treinados para manter a ordem, não para fazer revolução. E as revoluções, como
Olavo nunca cansou de repetir, não se fazem de cima para baixo.
Era um homem só contra um sistema. A cereja contra o bolo.
A profecia cumprida
Seis meses depois da posse de Bolsonaro, em 26 de junho de
2019, Olavo voltou ao tema. O tom já não era de advertência, mas de constatação
melancólica:
“Eleger um presidente sem levar isso em conta é o mesmo que
puxar a cereja na esperança de, com isso, trazer o bolo junto.”
E acrescentou a sentença que resume toda a tragédia: “Se
você vence uma eleição, mas não conquista um único lugarzinho na mídia ou no
sistema universitário, você garante que essa vitória será provavelmente a
última.”
Foi exatamente o que aconteceu.
Sem comentários:
Enviar um comentário