quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

POEMA DE NATAL

 

 

FAROFA FILOSÓFICA

 “Poema de Natal” por Vinícius de Moraes

Vinicius de Moraes (1913–1980) nunca entendeu a poesia como algo distante da vida. Poeta, diplomata, dramaturgo e compositor, ele escreveu a partir da experiência — do amor vivido, da amizade concreta, do tempo que passa e da morte que ronda. Sua obra dissolve fronteiras: entre literatura e música, entre lirismo e pensamento, entre emoção e lucidez. Vinicius não escreveu para explicar o mundo, mas para habitá-lo com intensidade.

 

Essa postura faz de sua poesia uma espécie de filosofia prática. Não há nela sistemas nem teorias, mas uma ética do viver: amar sabendo que passa, esperar sem negar a finitude, encontrar sentido mesmo onde não há promessa de conforto.

Publicado em meados da década de 1940 e incorporado posteriormente a antologias, o Poema de Natal talvez seja um dos textos mais radicais de Vinicius sobre o tema. Aqui, o Natal não aparece como festa, mas como pausa. Não há alegria obrigatória nem redenção fácil. O poema fala de memória, despedida, silêncio e atenção — como se o nascimento celebrado no Natal exigisse, antes de tudo, consciência da finitude.

 

Vinícius de Moraes via

Poema de Natal

 

Para isso fomos feitos

Para lembrar e ser lembrados

Para chorar e fazer chorar

Para enterrar os nossos mortos

Por isso temos braços longos para os adeuses

Mãos para colher o que foi dado

Dedos para cavar a terra.

 

Assim será a nossa vida

Uma tarde sempre a esquecer

Uma estrela a se apagar na treva

Um caminho entre dois túmulos

Por isso precisamos velar

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio.

 

Não há muito o que dizer

Uma canção sobre um berço

Um verso, talvez, de amor

Uma prece por quem se vai

Mas que essa hora não esqueça

E por ela os nossos corações

Se deixem, graves e simples.

 

Pois para isso fomos feitos

Para a esperança no milagre

Para a participação da poesia

Para ver a face da morte

De repente nunca mais esperaremos…

Hoje a noite é jovem; da morte, apenas

Nascemos imensamente.

 

Vinícius de Moraes. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Companhia José Aguilar Editora, 1974, p. 223 Via viniciusdemoraes.com

 

Vinicius transforma o Natal em metáfora da condição humana: somos feitos para lembrar e ser lembrados, para perder, para velar, para falar baixo diante do mistério. O poema não promete consolo; oferece companhia. Não embala; desperta. Sua força está justamente nessa recusa do sentimentalismo, tão comum às datas comemorativas.

 

“Poema de Natal” desloca a pergunta central: não se trata de como celebrar, mas de como estar. Estar atentos. Estar presentes. Estar à altura da fragilidade que nos constitui. Talvez o Natal, em Vinicius, seja isso: um convite à gravidade simples de existir — onde, apesar de tudo, ainda nascemos imensamente…

 

Vinícius nos convida a repensar a data para além dos rituais automáticos. Talvez o Natal não seja alegria obrigatória, mas consciência: da fragilidade da vida, da força da memória e da responsabilidade que temos uns com os outros.

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