domingo, 26 de agosto de 2018

EXPERIMENTAL 50 ANOS DEPOIS...


EXPERIMENTAL 50 ANOS DEPOIS         

Sob esse titulo, EXPERIMENTAL 50 ANOS DEPOIS, Ivan Dorea Câncio Soares, criador e diretor do Centro de Estudos das Ciências Humanas, em boa hora e oportunidade, busca reviver uma experiência cultural que se fez nesta Cidade de real  sensibilidade poética e que reuniu jovens idealistas.
Ví EXPERIMENTAL nascer. Em 1968, as idéias fervilhavam. Estávamos sob regime militar. A esquerda sofria reveses e procurava passar despercebida. Havia cuidado a fim de evitar mal entendidos. A juventude, por inconsequência e coragem próprias dos que perscrutam o horizonte, notava obstáculos mas se fazia presente. Ivan Dórea Soares, Luiz  Fernando P. Husel, Sérgio Mattos e Thadeu J. Cruz, nesse ambiente, idealizam Experimental e o lançam, sob os auspício da Editora Era Nova e do Jornal Diocesano “A SEMANA”. Germano Machado, que nessa época havia lançado A Verdadeira Revolução”, a revolução do pensamento, diretor de ambos os organismos, apoia a iniciativa dos jovens militantes culturais em “A SEMANA”.
Trabalhara com Germano na Imprensa Oficial da Bahia, no Governo Lomanto Júnior. Ao afastar-se da IOB dirigiu-me ao Montepio Municipal, por interferência de Vanda Fraga de Almeida, sua chefe de Gabinete, sendo presidente da Instituição o general da  reserva José de Figueiredo Lobo.
Terminava o curso científico no Colégio Central e preparava-me para o vestibular de engenharia. 
Paulo César Torres da Silva, hoje empresário de sucesso, deixava a Era Nova. Germano, em recepção da família, chamou-me à ordem. Precisava de mim para substituir a Paulo. Buscou colocar-me à sua disposição e para isso foi à residência do General – assim era chamado -  para liberar-me, sem sucesso.
Germano usou de seu prestígio político  e conseguiu minha disposição. Dessa forma, passei a trabalhar na Era Nova e no Jornal A Semana. Lá conheci os quatro autores de Experimental.
Aos sábados todos se reunião em torno de Germano, incluam-se  Normando Brandão, Jorge Lindsay, Edmundo Lemos, Agnaldo Santana, Neonar Cidade, Dirson Argolo, Heliogábalo Pinto Coelho, entre  outros. Por vezes, Yvete Amaral, Pe. Pereira de Souza – Pereirinha –  Pe.  Mathon, Pe.Heleno, Pe. Fierens.   Plêiade cultural de vários tons.
Com o presidente da ALAS, Academia de Letras e Artes do Salvador, José Roberto Guimarães, – em paráfrase, figura gramatical bem definida por Umberto Eco -   ouso dizer que o ambiente desenvolvido por Germano leva-nos a imaginar Aristóteles e sua escola peripatética. 
Mas, o destaque pertence aos jovens poetas de Experimental, hoje homens de destaque nas atividades que desenvolvem: Professores, jornalistas, executivos, que honram e dignificam a Bahia.
Um título sugestivo, original na Bahia, que os autores de Experimental escolheram, levando-nos a ilações maiores, tal o título, tal a envergadura do conteúdo poético que açambarca. E porque o título Experimental nos leva ao pensamento univérsico, vale a retrospectiva e a dissertação que segue, em transcrições de doutos críticos: 
“A poesia experimental é essencialmente característica da segunda metade do século XX e segue uma orientação no sentido de experimentar ou construir objectos poéticos dando importância às intuições e à sua relação dialéctica com os signos. Esta poesia é caracterizada igualmente pelo automatismo surrealista e por uma análise aplicada às estruturas morfológicas e sintácticas, à rima, às analogias verbais, à distribuição visual dos espaços e dos caracteres gráficos. A principal tendência da poesia experimental é para explorar ao máximo as possibilidades estruturais de um dado material artístico independentemente de qualquer intenção significativa.
As principais influências da poesia experimental portuguesa encontram-se nas experiências matemático-combinatórias de Max Bense, nas reflexões de Mallarmé, nas tentativas de Ezra Pound no sentido de assimilar os recursos da escrita e na teoria de W. Empson sobre a ambiguidade poética, sendo que estas influências convergem nos actuais teorizadores e críticos portugueses da poesia experimental, tais como: Melo e Castro, Ana Hatherly, M. S. Lourenço, Gastão Cruz, António Ramos Rosa e o próprio Herberto Helder. As principais manifestações colectivas da poesia experimental foram: Cadernos de Hoje, Poesia Experimental (1955-1956), Poesia 61, Pedras Brancas (iniciada em 1961), Poesia e Tempo (1962), Hidra (1966 e 1969),Operação-1( 1967), Grifo (1970), Antologia de Poesia Concreta em Portugal (1973), Literatura Cibernética I e II (1977 e 1980), Textos e documentos de Poesia Experimental Portuguesa (1981), Poemografias (1985) e Máquinas Pensantes (1987).
 “A definição de poesia experimental remete-nos para a A Proposição 2.01 Poesia Experimental de E. M. de Melo e Castro, publicada em Lisboa, em 1965, enquanto verdadeiro manifesto da poesia experimental enunciando as proposições básicas da poesia experimental, além de textos teóricos complementares e de uma pequena compilação de poemas experimentais. Entre essas proposições, saliente-se algumas especificamente definidoras da poética experimental: a Proposição 2.01 , que define a poesia experimental como uma "forma específica da atividade do Homem com o objetivo de fazer experiências sobre esse fenómeno ou ato estudando o resultado dessas experiências." ( id. ibi. , p. 44); ou a Proposição 13 , que explica o "Poema Experimental" como um "Objeto criado para através dele se estudarem e se surpreenderem as fases do processo criador e a sua evolução e projeção no futuro tanto da poesia como do Homem" ( id. ibi. , p. 51); ou ainda a Proposição 14 , que especifica o estatuto do poeta relativamente à criação: "Um poema-experiência é um ato criador porque com ele não se pretende reproduzir nem exemplificar nada. O criador tem apenas como pre-munição uma atitude de investigação e pesquisa do seu próprio ato livre de criar. A criação é feita livremente estando o seu processo desde o início sob a autovigilância do poeta que assim tem de proceder a um desdobramento criador crítico." ( id. ibi. , p. 50).”
“Em sua Introdução aos Estudos Literários, Carlos Reis aponta para a questão do ritmo na poesia ter sido “libertado” com a instituição dos versos livres, o que começou a acontecer na segunda metade do século XIX, com a revolução na linguagem poética. O ritmo passou a ser mais adequado à fluidez dos sentidos representados, fugindo não apenas aos métodos convencionais de metrificação, mas também aderindo ao propósito de motivar “o discurso poético de forma imprevisível e inteiramente livre” (REIS, 1999, p.331). Motivação esta que também pode acontecer por meio da elaboração da imagem gráfica do texto.”

Experimental tinha  ambição, com projeção que viria 50  anos após a edição de sua primeira publicação. Um titulo que aponta para um estilo, uma técnica, uma revolução de expressar o sentir. Há nele uma libertação rítmica, liberdade dos versos, fuga dos métodos usados de metrificação para um falar, um poetizar livre e espontâneo. O uso de linguagem gráfica também estava inserta no contexto da poesia experimental. Carlos Reis, in Introdução aos Estudos Literários, dá-nos essa visão de forma substancial.
A poesia experimental, no sentido que expressa, também evoca a liberdade criadora de um Manoel Bandeira. 
Sérgio Buarque de Holanda, em Poesia Completa e Prosa, do universal, embora pernambucano, vivido em Petropólis, Manuel Bandeira, pág. 13, diz na Introdução Geral: “...O lirismo de Manuel Bandeira não é produto de laboratório, mas  vem, como toda verdadeira poesia, de fontes íntimas, exigindo, para realizar-se, condições que não se podem forjar arbitrariamente.” Mais, adiante, pág. 14: “Em Manuel Bandeira a mesma ambição libertadora não conhece as fronteiras do “bom gosto...”. Quer-se dizer, não há fronteiras, medidas ou rimas obrigatórias. O espírito criativo sopra quando se lhe acontece a sintonia, sem preocupações outras a não ser  exprimir o que sente com força e realidade.
Não é diferente o vate português, Fernando Pessoa, vivendo a efervescência cultral de sua época: Referindo-se ao poeta Ângelo de Lima, autor na Revista Orpheu, criticada a sua obra, esquizofrênico de várias internações. Diz Pessoa:  “A ignorância e incompetência dos nossos criticos, a incultura e estupidez do nosso público, a indisciplina mental e o charlatanismo scientifico dos nossos pretensos homens de sciencia – n’este meio caiu Orpheu”. Via nele associados gênio e loucura, de forma que Ângelo de Lima passa a ser um caso emblemático entre os poetas órficos.
A distânca existe, contudo tem-se o direcionamento para um livre pensar e construir.
Experimental 50 Anos Depois, ao homenagear quatro humanistas de escol: Eduardo Xavier, Euclides Batista, Germano Machado e Hermano Gouveia neto  é receptáculo de vivências amadurecidas. Nele se vê espécie de catarse, uma re-visão do vivido, uma reflexão que se “alteia” porque busca humanizar-se em amplitude e, ao ilnvés de dizer, desnuda de forma corajosa, gritante,  e remodela sentimentos e pensares. É libertária. Busca firmar-se. Quer iniciar-se, ainda que o faça de modo a se completar cinquenta anos depois. 

Desnecessário discorrer sobre os três números de Experimental, porque seus autores, cinquenta anos após, o fazem com mestria e,agora, em reminiscências dizem com propriedade amadurecida, o que outrora cantaram em belo canto. Veja-se:

“Apesar de tudo, no ano de 1968 a Bahia vivia um movimento cultural intenso. Nesse ano, surgiram: o Momento Poesia, uma iniciativa do Departamento Superior da Educação e Cultura (DESC), então dirigido pelo professor e escritor Luís Henrique Dias Tavares, e várias revistas literárias independentes de instituições oficiais, aglutinadoras de poetas e escritores que as utilizavam como porta-voz de suas aspirações. Foi nesse contexto que surgiu a Revista EXPERIMENTAL, cujo primeiro número foi publicado sob os auspícios da Editora Era Nova, da Arquidiocese de São Salvador, em edição comemorativa do primeiro ano da nova fase do jornal A Semana, e lançado no dia 26 de setembro de 1968. O primeiro número teve prefácio de Germano Dias Machado que apresentou os quatro integrantes daquela edição: Ivan Dorea Soares, Luiz Fernando D. Hupsel, Sérgio Mattos e Thadeu J. Cruz. 
Assim sendo, nos iniciamos oficialmente na poesia num momento de intensa efervescência política e cultural, marcado também pelo patrulhamento político-ideológico e intelectual. Numa  época  de  sonhos,  conseguimos concretizar  o  nosso: a  Revista EXPERIMENTAL, que foi uma revista de poesia, simples  no formato, com tiragem de mil exemplares, de alcance restrito por vocação, mas idealizada por poetas para os poetas e para quem gostava de poesia. 

Agora, estamos comemorando os 50 anos da realização daquele sonho, efêmero, mas que contribuiu para descobrir, legitimar e lançar 16 poetas reunidos em seus três números que circularam entre 1968 e 1969. Vale destacar a belíssima capa do terceiro número, produzida pelo gravador Calasans Neto, o mestre Calá...”. Sérgio Mattos.


“...Hoje, passados 50 anos, comemoramos os sonhos que sonhamos com esta edição comemorativa. Nela não participam Euclides Batista, publicado na EXPERIMENTAL – 3, falecido em 2015; Amarílio Mattos, publicado na EXPERIMENTAL – 2, que agradeceu o convite e disse não escrever poesias há mais  de 40 anos; Emerson Palmeira, publicado também na EXPERIMENTAL – 2, que não foi encontrado em lugar nenhum,  assim  como Maria Bethania Knoedt e Ronaldo Cairo,  ambos de EXPERIMENTAL – 3; Gilza Borges (do número 2) declinou do convite porque está preparando um livro solo. Ana Maria Castro, Luiz Sérgio Rocha, Eduardo Gordilho Fraga e Dircêo Villas-Bôas (todos de EXPERIMENTAL – 3) agradeceram, mas não quiseram participar. Muitos de nós ainda sonham, ainda se emocionam por coisas “pequenas” como um beijo, um abraço, um afago. Muitos de nós ainda crêem que a vida vale a pena até o último minuto!...”  Thadeu J. Cruz

“...As conversas de todos os sábados eram extremamente agradáveis e, invariavelmente, Sérgio Mattos e eu estávamos presentes. Em uma delas, surgiu uma idéia: “Vamos criar uma Revista de Poesia?”. Quem falou primeiro? Por mais incrível que pareça, os dois falaram juntos. Outro colega d’A Semana – Thadeu J. Cruz – igualmente amigo-irmão querido, também se interessou pelo projeto e passamos a pensar o mesmo.

“...Começamos a preparar o primeiro número. Como seria o mesmo, quem participaria, onde imprimiríamos, qual o tipo de papel iríamos escolher? E a capa? Dúvidas sobre dúvidas.           Ah, e o nome?... Sérgio ficou calado um tempo grande; de repente falou: “Experimental”? Respondi de imediato: Ótimo!...”  
“...éramos muito jovens e não tínhamos condições financeiras para arcar com as despesas de uma publicação...” ...”o saudoso Professor Germano garantiu publicar a Revista, sem ônus para a nascente “EXPERIMENTAL”. 

“E a divulgação? Seria somente pel’A Semana? Claro que não. Passamos a datilografar convites em papel de ofício e o Professor Germano mandou imprimir um pequeno panfleto. Com  os  convites  datilografados  e  alguns panfletos impressos, fomos em todas as Faculdades, em quase todos os Colégios, nos Jornais, nas emissoras de Rádio, na TV (só havia a Itapoan) e  nas Instituições culturais da velha Salvador.

“...Em tempos de “regime de exceção”, as nossas poesias tinham que ser submetidas à Censura Federal. Mesmo assim, publicávamos as mensagens que queríamos, principalmente nas entrelinhas... Apenas um poema de Thadeu quase era censurado por causa do verso “a desgraça do altruísmo”, mas expliquei pessoalmente ao censor e este compreendeu o sentido. Thadeu substituiu o verso e ficou tudo acertado...”. Ivan Dorea Cancio Soares.

Meio século após sua primeira edição, EXPERIMENTAL  traz a lume retrospectiva que mais se insere no mundo cultural baiano. Diz de uma trajetória de jovens idealistas, presentes na realidade de sonhar com pés fincados a este solo primacial, agora  com visão alongada e burilada pela experiência dos anos vividos. A madureza que os anos lhes trouxeram, deram brilho à obra, transformando ostras em diamantes. Tal crisálidas (lembremos do 1º livro de Machado de Assis/1864, aos 25 anos) alcearam-se em voos plenos de realização e se fizeram marcantes.  

Experimental vale e vale muito. A idéia de Ivan Dorea, com seus pares, não deixou a criança ou o jovem que neles habita  embriagar-se com o álcool das conquistas. Sonham a esse tempo. Não perderam a visão do horizonte. Não se afastaram dos valores que proclamaram nas três edições do livro de suas juventudes.

O prefaciador de Experimental, o professor Germano Machado, demonstraria orgulho e satisfação por tê-los iniciado.

De idêntica maneira, os cumprimento. A Bahia recebe de seus filhos mais uma dádiva.

PARABÉNS

Geraldo Leony Machado
Jornalista, escritor, advogado   

 
JOVEM AOS 15 ANOS

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