terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

O MALOGRO DE LAMPIÃO

 
MALOGRO DE LAMPIÃO
- Por Geraldo Machado
Lampião estava nos arredores de Itiúba. O povo tomado de pavor, temia a propaladaferocidade do Rei do Cangaço. Todos apressados corriam para o esconderijo que a Serraladeando a cidade propiciava. Juntavam pertences e mantimentos. No corre-corre, certofato seria engraçado, não fosse a gravidade das circunstâncias: Um saco com 15 Kg. depães estava furado. Pelo orifício os pães caiam, marcando o caminho e o esconderijo doseu condutor.. Hilda. As jovens corriam em defesa de suas purezas, os homens de suas vidas, as crianças paranão se afastarem de seus pais. Os fazendeiros em trincheiras organizavam resistência depoucas armas e munição doméstica. Hilda estava lá. Do alto da Serra percebia ouimaginava a movimentação do cangaço, sua estratégia, feito polvo de muitos e envolventesbraços. Mulher forte e corajosa não temia a luta ou a morte, apavorava-se, entretanto, dianteda possibilidade de ter atingida sua dignidade. Era mocinha, de beleza sertaneja. Tinhasonhos e olhos voltados para a realidade de ser esposa, mãe e avó... O pavor era dessaordem, atingindo a todos, de uma ou de outra forma. A destruição e o crime aconteceriamporque Itiúba jamais se rendera às exigências dos mensageiros do Capitão...Mas, Lampião, também dessa vez não se aventurou a penetrar na Cidade de única saída,cercada por altas serras. Não havia como fugir se o ataque não desse certo, se a defesa ouforças das volantes o resistissem por longo tempo e pudesse, Itiúba, receber reforços,dando-lhe condição de eliminar o maior dos bandoleiros do Nordeste Brasileiro.... As horas arrastavam-se, até a quase certeza de que não haveria invasão da Cidade.Hilda retornou aliviada para sua casa, com ela seus pais, irmãos e amigos. À noite todosintranqüilos vigiavam. Ao menor rumor ou aproximação o coração acelerava. Porém, haviatenacidade em resistir e morrer resistindo, se necessário fosse e não houvesse outracondição... As noticias viriam de Queimadas, a quarenta quilômetros, que, sem a mesma topografia deItiúba, seria duramente atingida.*****


Dezembro de 1929, 22, Queimadas. Bahia. Domingo, manhã quente, com ventos quevarriam a cidade, tornando-a poeirenta. Todos em preparativos para o Natal, não poderiamsupor o drástico episódio pessoal e histórico que vivenciariam....Nas proximidades do centro de Queimadas, Virgulino Ferreira da Silva,
Lampião
,ordenara o avanço de batedores, espias que lhe fornecessem as condições e o ânimo daCidade. Interessava-lhe saber
dos “coiteiros”
a
“força policial”
existente, embora tivesseciência de que o povo não lhe faria resistência, recebendo-o de modo, por assim dizer,desconfiado, mas submisso, sem que pudesse confiar. As gentes do Sertão transformam-sede inopino. e agem, e lutam, e morrer e matam por seus princípios e crenças. Acercou-se sorrateiramente. Antes verificara as armas. Discutira com seus mais próximos ascondições de ataque e de saída, se nada desse certo. Estavam cansados, famintos, semdinheiro. Os homens com os instintos aguçados. Queriam ferir, matar os macacos, saquear,beber, dançar, ter mulheres, descansar e partir.O grupo compunha-se de 15 a 18 homens, entre eles, o próprio Lampião, Corisco, Mariano,Volta Cega, LabaredaO taque fora rápido, fulminante. A Cidade desprotegida, sequer tivera notícia daaproximação dos cangaceiros, que a bloquearam, cortaram os fios do telégrafo, impedindo orecebimento de qualquer notícia vinda dos arredores de Itiúba, que fez repicar os sinos desua Matriz na esperança de algum viageiro avisar ao povo de Queimadas.Todos dormiam. Os sete policiais que guarneciam Queimadas inconseqüentes não exerciamvigilância, o que poderia salvar suas vidas ou lhe dariam oportunidade de alguma defesa.Nada. O bando do Capitão Virgulino entrara sorrateiro e descontraído. O Cangaceiroverificou seu relógio, dividindo o bando em dois grupos. Em seguida, apenas, disse: Vamos,e todos o seguiram sem vacilações. Ageis, armas nas mãos, espalhando-se e ocupandopontos estratégicos; o grupo sob o comando direto de Lampião, avançou cauteloso emdireção ao Quartel. Lá, encontraram quatro policiais - entre eles um sargento - queestarreceram quando Lampião entrou. Sequer buscaram suas armas. Lampião, falandobaixo, anunciou sua condição e ordenou com voz entrecortada: Ajoelha macaco. Por traz,Volta Seca, cigarro de palha no canto da boca, apunhalou dois deles, sem piedade. Caíramsem um grito. Olhos esbugalhados, sem acreditar que morriam.Um terceiro, poupado por ordem do Chefe-bandoleiro, se viu empurrado para os fundos doprédio, onde estavam os presídios. Lampião mandou que soltassem a todos, aos quaisalertou: Quem for do Capitão Virgulino vive. Não houve discordâncias. Depois, voltando-separa o terceiro policial, o que sobrevivera, perguntou: Quantos vocês são e onde estão. Opolicial, com a coragem dos sertanejos, desceu a cabeça e nada respondeu. Lampião olhoupara os prisioneiros que informaram serem oito (8) e que outros três deveriam estar em suascasas. Ainda, perguntou: Quem é daqui: Eu, foi a resposta da maioria. Lampião os fezabaixarem-se e atirou em suas nucas, depois olhou para Volta Seca e disse: Sangra. Aordem foi cumprida com destreza e rapidez. Os policiais tombaram aos pés daquele quedecidira por suas mortes, sem um gemido sequer. Restou o sargento.Depois, o facínora chamou Corisco, diabo loiro, cangaceiro corajoso e perverso: Traga osoutros macacos. Corisco fez sinal para um prisioneiro, aquele que mais atacara os policiais,para se achegar e com ele ir. Lembraram de um apito usado pelos policiais para chamarem-


se e o usaram. O relógio marcava 17 (dezessete) horas. Todos acorreram à convocação,deparando-se com a cena que os fizera gelar.Lampião mandou que os corpos fossem colocados na Praça, onde se localizava o PostoPolicial. Os cangaceiros, diante do dia que amanhecia, posicionaram-se. O Sol, ia-se pondo,com reflexos em ouro e prata semelhando portal de ingresso no paraíso. Nessesdescampados, o astro rei semelha estar mais próximo da Terra, o que o torna agigantado,dominante, sedutor. Os pássaros e os galos, em últimos cantos, anunciavam o final do dia,profetizando, em testemunho único,
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quem sabe
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a tragédia que se alastraria.Quando os fiéis se aproximaram para a missa dominical, depararam-se com três corposestendidos e quatros policiais fardados ajoelhados. Lampião à Frente, comandava o tristeespetáculo. Com disparos certeiros os derrubou. Volta Seca, a um olhar seu, crava, sempiedade, seu longo punhal nas costas de cada um dos que sucumbentes.Em seguida, o bando, sem demonstrar qualquer constrangimento, retirou-se e foi entrandonas casas vizinhas, onde exigia comida, bebida, dinheiro e prazer...Após assaltar aresidência dos Lantyer, foram para a casa da família do Topógrafo Arnaldo Sampaio, doatual DNOCS, logo perguntando pelo dinheiro do mês devido aos trabalhadores.O dr. Arnaldo, temia por suas filhas e por sua bela esposa, que poderia chamar a atençãodos bandidos. Escondidas num dos quartos apercebiam-se do drama sem ação, atônitas.Odete, 9 anos, olhava entre curiosa e amedrontada. Era menina bonita, de olhos claros,cabelos compridos e de uma cor violácea que a destacava. Viu Lampião e hoje, ainda, emimpressão pessoal, diz: Era uma homem feio, pequeno, magro, caboclo, um olho vazado,falava baixo, de olhar penetrante a tudo visualizava sem perder detalhe. Maltratado pelacaatinga, sua pele era ressecada e cheia de poeira. Sujo, à semelhança dos demais,apresentava mau cheiro, que procurava
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como todos
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atenuar com o uso excessivo deperfumes. Uma mistura que dava nojo e medo.Curioso é o dizer de que Lampião era alto, com 1,79 m, forte, praticamente cego do olhodireito, mancava, de cabelos crespos, mantinha-se ornado com ouro e prata, usava perfumefrancês, racista (tanto que humilhou as autoridades judiciais composta de pessoas negras)costurava e trabalhava com couro. Sabia ler e escrever. Poetizava e manejava a sanfona.Ignorante, inteligente e mau. Mentiroso, embora, por vezes, tenha cumprido a palavraempenhada, em atitudes desconcertantes. Essas característica salvaram o sargento porquehavia promessa de poupá-lo a uma habitante local.- Cabôco, disse, onde está o dinheiro, que vosmiçê ainda não passou aos trabalhadores? Arnaldo Sampaio, este sim, de pequena estatura, crescia diante de Lampião por suacorpulência. Homem de coragem e fala fácil, simpático, receava pelas mulheres de suacasa, então, respondeu:- Lampião
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não o chamava de Capitão, denotando certa intimidade
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já paguei a todos.- Nada, Cabôco, não me disseram assim.- Mas, Lampião, o Capitão acha que eles iriam dizer que receberam para você levar todo odinheiro dos seus salários?


As mulheres tremiam. Odete, com maturidade, pensava, por quê papai faz isso? Defendeum dinheiro ao invés de nossas vidas.O dinheiro estava escondido em uma bica, por onde a água da chuva era canalizada edespejada em recipientes domésticos. Trinta contos de réis para o pagamento dostrabalhadores.Mariano, bonito, cabelos lisos. Lampião
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pelo que se dizia
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o usava como retrato seu nos jornais da Bahia. Sabia-se de Lampião, mas, via-se Mariano. O facínora chefe era vaidoso.Cheio de truques e espertezas. Inegavelmente, um homem de inteligência rude, com tiradasque, às vezes, surpreendia. Odete teve sua atenção voltada para a
quele “belo” homem
porque parecia, em aspecto, diferente dos demais. Retraiu-se, mais ainda. Seu temor cresceu. Chorou em silêncio.Sandálias, perneiras, calça de brim ordinário, camisa de mangas compridas, barba malcuidada, cabelos encaracolados, untados com óleo, poeirento. Olho direito vazado. Váriospunhais pendiam-lhe das algibeiras a tiracolo, com farta munição e armas modernas,algumas tomadas das volantes ou adquiridas de integrantes seus. Falante, conversa cheiade rodeios, um ir e vir para saber o que desejava. Sempre voltava à pergunta inicialdesejoso de colocar o interlocutor em contradição e, aí, chamá-lo às falas. Odete completasua visão sobre Lampião. Líder inconteste e chefe de homens de todos os tipos e naturezas.- E o dinheiro, Cabôco?- Ou Lampião, já disse, não tenho, está com os homens.- Nada, Cabôco.Havia entre aqueles homens empatia. Tratavam-se com intimidade comedida. ArnaldoSampaio chamava o Rei do Cangaço de Lampião ao invés do costumeiro e exigido Capitão,título que lhe fora conferido por Padre Cícero. E ele, Lampião, utilizava o termo caboclo parafalar com Arnaldo Sampaio, embora, por vezes, o chamasse de doutor, de senhor.Conversa vai, conversa vem, Lampião aceita as razões do Dr. Sampaio, que lhe entregoupara salvar o todo, dois mil e tantos contos de réis, dinheiro do IFOCS, hoje DNOCS.Cerveja na mesa, comida farta, os seis invasores da residência da menina Odete
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mantidacom as mulheres no frágil esconderijo
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gargalhavam. Arnaldo servindo a Lampião, disse:- Capitão, bote sua colher de prata pra ver se está envenenada. Não é isso que o amigofaz? Bote e veja que sou de confiança.- Não carece, Cabôco, cabôco bom eu conheço de longe. E vosmicê é dos meus.Entretanto, Lampião não bebeu a cerveja ofertada. Sempre de frente para as portas e janelas, pistolas às mãos, repassou o copo, entre brincadeiras e disfarces, voltou-se paraoutras visões e perguntas sobre as volantes, estranhos na cidade, o padre, os bordéis naRua da Bomba. Arnaldo percebeu, porém, calou-se sorridente.Judite servia. Terminada a

fartança

, o fartum, Lampião foi

respeitoso
”... Nada falou acerca
da ausência da dona da casa. Levantou e disse:

Agradeço a pousada. Agora a cambada carece de se diverti e descansá. Os espiascontinuam de olho nos que não vemo, os de nossa querença e os que não gostamos evamo procurá. Fique
 –
apontando para o quarto onde estava a menina Odete - com suafamília em casa, Cabôco, não se terá o que Deus lhe deu como seu. Arnaldo gelou. Vá com Deus, concluiu, de forma pálida. Cabeça erguida, entre respeitoso eagradecido, olhava de frente para o admirável cangaceiro. Sua coragem, e ousadia, tambémo tornavam admirável aos olhos de Lampião. Contudo o Topógrafo temia pela mentira quepregara a Virgulino Ferreira da Silva, terror do Sertão. Será que ele voltaria para vingar-se?Deveria tê-lo mais a sério? Não podia se deixar enganar pelas aparências e conversaslongas e arrastadas do Rei do Cangaço. Uma fera travestida de cordeiro.Queimadas curvara-se ante Lampião. A coragem daquela gente fora esmagada pelabrutalidade dos cangaceiros. Homens e mulheres escondiam-se. Na Praça os sete corposdos policiais assassinados. O Padre procurara Lampião para dizer que iria, com algunshomens, recolher os homens mortos. Lampião não o permitiu.- Macaco não é homem, sinhô bispo. Deixa lá.- Mas, Capitão.- Sem mais sinhô bispo. Vorte
 –
agora
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para sua igreja. E não se dê guarida a meusinimigos ou terei de ir lá, o que não carece se o padre ouvir o dito.O Padre obedeceu. Restava-lhe rezar. Foi o que fez.No bordel, o bando bebia e dançava. Distribuía parte do dinheiro tomado da gente rica deQueimadas e do comércio local, deste apurando quase 800$000 contos de réis, com asmulheres, que prazerosas se submetiam às suas exigências. Não havia outros homens, sóos bandoleiros faziam a festa. Nos arredores, longe de Lampião, os cangaceiros mataram,roubaram e estupraram. Tomavam as mulheres de seus companheiros e as levavam para omato. Ouviam-se gritos e choro...Algumas emitiam risos abafados...Lampião com seusachegados foi ao cinema, depois promoveu um baile com parte da sociedade presente.Pela madrugada decidira partir. Como de costume não demorava, não podia, era perigoso,propiciava armadilha, cerco, possível extermínio do bando e sua morte. A ordem para sair da cidade fora rapidamente transmitida. Todos deixavam seus afazeres, os mais íntimos quefossem, para obedecer aquele homem tenaz, de força e personalidade consideráveis. Erachefe, que temido, mandava e não tolerava réplica, e líder, respeitado, que atraía e eraseguido.O Dr. Arnaldo Sampaio, em casa como recomendara Lampião, ouviu alguém bater suavemente na porta lateral de sua casa, depois sussurrar o seu nome - Sinhô Sampaio.Temeu um retorno de Lampião. Ele descobrira e vinha acertar contas. Olhou por uma fresta.Era Volta Seca. Escondeu sua arma entre as almofadas do sofá, onde esperava sentar-separa qualquer conversa. Abriu a porta devagar. Volta Seca entrou manso, cheio de manhase disse:- Vim buscar uma cousa que vosmicê tem e quero para eu.


 Arnaldo Sampaio estremeceu, pensou em sua mulher, seu olhar
 –
sem conseguir evitar
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 dirigiu-se para o sofá.- O que é Volta Seca?- Adepois a gente se fala, dotô. Vamo lá pá dento.E foram, sem que o malvado cangaceiro se definisse.- O amigo deseja alguma comida ou bebida? Alguma coisa?- Não, nada disso meu dotô.- Então, o que é homem? Diga.- Carma dotô. Vamo mais pá dento.Volta Seca, homem acostumado a roubar, estava escabreado, talvez temesse a Lampiãopela promessa feita. Conduziu, aos poucos, Arnaldo Sampaio para os fundos da casa.Odete, que estava com sua mãe, iniciou um grito
 –
pai
 –
abafado com violência.Volta Seca não esclarecia sua pretensão. Na verdade procurava jeito de falar sem ser escutado por terceiros. E foram para o enorme quintal, onde se viam umbuzeiro, pinheiras,um pé de

siriguela

, outras árvores menores, palmas, um limoeiro raquítico. Não percebeuum vulto de mulher escondido atrás da porta de pequeno quarto. Tinha um machadolevantado. Era Judite que o portava para defender o patrão se Volta Seca o atingisse.*****Força, coragem e lealdade eram constantes naquelas paragens do Sertão. Um povo forte,de aparente indolência, rápido e resoluto naquilo considerado moral, religioso,imprescindível. Euclides da Cunha, em os Sertões, descreve esse povo sertanejo deinsuperável modo.*****Esperava-se o pior. Volta Seca não dizia o que desejava. Seria tão grave ou difícil oatendimento? Novamente, pensou na bela esposa. Os pelos de seu corpo eriçaram. Gélido,volveu os olhos procurando algo para oferecer resistência ou possibilitar fuga. Morrer nãoestava em seus planos. Tampouco perder a mulher ou as filhas. Deveria lutar. A cabeçalatejava. O suor escorria-lhe pelo rosto. O medo tomara-lhe o corpo. Arnaldo Sampaiopreparava-se para atacar.- Dr., vosmicê não leve a má minha vaidade, mas careço daquele seu chapéu de couro, debeiras grande, que o sinhô estava. É pra molde aparar o Sol, que mui castiga nesse Sertão. Arnaldo Sampaio respirou fundo. Nervoso, disse:- Por que você não falou logo homem? O chapéu é do amigo com maior prazer.- Judite
 –
oi senhor - traga meu chapéu de couro de abas largas que quero dar de presenteao amigo que nos visita.


CONTINUA NO BLOG GATO RUSSO.










































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