Infertilidade e reprodução à luz da Bíblia
Por Jorge Cruz
Ter
um filho sempre foi um desejo legítimo da maioria dos casais ao longo
da história da humanidade. A infertilidade era sempre uma enorme
frustração para o casal e motivo de humilhação e desprezo pela
sociedade, sobretudo para a mulher, porque se supunha ser ela a
principal responsável pela incapacidade de procriar.
No
livro de Gênesis, somos confrontados com este problema na vida de
Abraão e sua mulher Sara, e sabemos como Deus interveio miraculosamente,
permitindo o nascimento de Isaque na sua velhice. De acordo com o
relato bíblico, Sara teria sido a primeira mãe pós-menopáusica da
história.
Encontramos muitos outros exemplos nas
Escrituras em que a maternidade e paternidade são considerados uma
manifestação da benção de Deus, por exemplo, em Salmos 127.3-5: “Os
filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre é a sua recompensa.
Como flechas na mão de um guerreiro, assim são os filhos da mocidade.
Bem-aventurado o homem que com eles enche sua aljava; quando enfrentarem
os inimigos numa disputa, não serão envergonhados”.
A
infertilidade pode ser o resultado do castigo de Deus, como aconteceu
com Mical, filha de Saul e esposa de Davi, conforme lemos em 2 Samuel
6.20-23, mas nem sempre, como aconteceu com Zacarias e Isabel, que
viriam a ser os pais de João Batista quando já tinham uma idade avançada
(Lucas 1.5-7).
Parece evidente, à luz das
Escrituras, que a infertilidade não fazia parte dos desígnios de Deus
para o ser humano, mas foi o resultado da desobediência de Adão e Eva no
jardim do Éden. Além disso, vemos o amor e misericórdia de Deus ao
permitir que Raquel, esposa de Jacó, e Ana, esposa de Elcana, pais de
Samuel, e muitos outros casais concebessem.
A
infertilidade conjugal é definida pela Organização Mundial de Saúde como
uma doença do sistema reprodutivo, que se traduz na incapacidade de um
casal conceber ou levar a bom termo uma gravidez, depois de pelo menos
um ano de relações sexuais regulares sem qualquer proteção. Não é um
problema novo, mas tem vindo a aumentar nos últimos anos, para o que
contribuem diversos fatores dos quais destacaria a tendência dos casais
optarem por ter filhos cada vez mais tarde, pois há uma diminuição da
capacidade reprodutiva da mulher com a idade, sobretudo a partir dos 35
anos.
Atualmente, nos países desenvolvidos, a
infertilidade afeta cerca de 10-15% dos casais em idade reprodutiva. Em
cerca de 30% dos casos a causa da infertilidade é masculina, noutros 30%
a causa é feminina, noutros 30% é mista e nos restantes 10% é
desconhecida, pois não se consegue identificar o problema. Destacam-se,
entre as causas mais comuns, problemas na ovulação, doença das trompas
uterinas ou do útero, endometriose e, nos homens, anomalias na produção
de espermatozoides.
O diagnóstico de infertilidade
pode gerar sofrimento psicológico em ambos os membros do casal, que se
pode manifestar por baixa autoestima, sentimentos de fracasso,
ansiedade, depressão e isolamento, afetando as relações sociais e o
próprio rendimento no trabalho. Neste contexto, o nascimento de Louise
Brown, o primeiro bebê do mundo concebido artificialmente em
laboratório, em 1978 em Inglaterra, constituiu uma revolução que veio
alterar profundamente os conceitos da reprodução humana e conceder uma
nova esperança a muitos casais inférteis. A gestação desta criança
decorreu de forma normal no útero materno e somente a fecundação (união
de um óvulo e de um espermatozoide) decorreu em laboratório, chamada por
isso fertilização in vitro.
Estima-se
que já tenham nascido mais de 8 milhões de crianças em todo o mundo, com
recurso à reprodução medicamente assistida. As principais técnicas
utilizadas são a inseminação artificial, a fertilização in vitro, a
microinjeção intracitoplasmática de espermatozoide e a transferência de
embriões criopreservados. Fala-se em embrião desde a concepção até às
doze semanas de gravidez e em feto desde as doze semanas até ao
nascimento.
A
inseminação artificial consiste na introdução de espermatozoides no
aparelho reprodutor feminino, de modo a obter-se a fertilização e
posterior gravidez. Tem uma taxa de sucesso de cerca de 10% por cada
tentativa, embora seja necessário o uso prévio de fármacos, por via oral
ou injetável, para se promover a ocorrência da ovulação.
A fertilização in vitro requer
a colheita de ovócitos após estimulação dos ovários por meio de
medicação hormonal injetável durante cerca de dez dias. O objetivo é
colocarem-se em contato num tubo de ensaio as células sexuais,
espermatozoides e ovócitos, previamente colhidos, para que a sua união
(fecundação) ocorra em laboratório. O ovo ou zigoto resultante é
incubado in vitro até que ocorra a divisão celular. Ao final de
três a cinco dias, um ou dois embriões são então transferidos para o
útero da mulher, para que a gestação decorra como em condições normais.
Tem uma taxa de sucesso de cerca de 25 a 30% por cada tentativa, que,
como as outras técnicas, diminui com o aumento da idade da mulher. O
número de embriões produzidos e implantados é reduzido de modo a
evitar-se uma gravidez multigemelar, que está associada a complicações
como um maior risco de prematuridade dos bebés.
A
microinjeção intracitoplasmática de espermatozoide distingue-se da
fertilização in vitro por ser selecionado um único espermatozoide, em
boas condições, para injeção direta no ovócito. É mais utilizada nas
situações de infertilidade masculina grave.
As técnicas de
reprodução assistida não estão isentas de riscos. As mulheres grávidas
têm maior risco de desenvolverem hipertensão arterial, rotura prematura
de membranas, diabetes gestacional e necessidade de indução do parto. Os
recém-nascidos têm maior risco de prematuridade, baixo peso à nascença e
anomalias congénitas.
Um dos principais problemas
éticos e morais das técnicas de reprodução assistida é a destruição de
embriões humanos, que são eliminados por não apresentarem as
caraterísticas genéticas pretendidas ou porque foram produzidos
laboratorialmente e nunca chegaram a ser implantados, sendo congelados sine die, ou ainda porque foram sujeitos a experimentação científica.
A
inseminação artificial com sémen do marido, nas situações em que não é
possível obter-se uma gravidez através de relações sexuais, em nossa
opinião não colide com nenhum princípio bíblico. A criança concebida por
este método irá nascer no seio de uma família unida matrimonialmente.
Também se nos afigura aceitável a fertilização in vitro, nas mesmas
circunstâncias, quando não é possível o recurso à inseminação artificial
ou quando ela foi ineficaz, mas desde que não haja destruição de
embriões, pois todo o embrião é um ser humano e tem direito a viver e
nascer.
O rastreio das células sexuais
(espermatozoides e ovócitos) para prevenir doenças transmitidas
geneticamente, antes da fertilização, não suscita nenhum problema moral,
o mesmo não acontecendo quando esse rastreio se verifica em embriões
humanos de modo a eliminar os portadores de doenças ou anomalias
genéticas. Também não consideramos aceitável proceder-se à análise dos
cromossomas com o objetivo de se escolher o sexo ou outras
caraterísticas morfológicas do bebé, nem tampouco a produção de embriões
para fins experimentais.
O recurso a bancos de esperma para inseminação artificial ou fertilização in vitro,
não só para ultrapassar problemas de infertilidade masculina, numa
espécie de infidelidade consentida, mas também nos casos em que não
existe infertilidade (pessoas sozinhas ou pares homossexuais),
representa uma instrumentalização inaceitável da vida humana, na medida
em que a criança resultante da gestação será privada desde o início de
ter relações filiais com o pai biológico.
Em
resumo, acompanhamos com satisfação o desenvolvimento e aperfeiçoamento
das técnicas da reprodução medicamente assistida, reconhecendo que
poderemos usar todos os recursos que a ciência nos proporciona para o
bem-estar e harmonia familiar, desde que não colidam com os princípios
claros da vontade de Deus, revelados na sua Palavra. Nesse sentido,
aconselhamos apenas os tratamentos de infertilidade que respeitem a
integridade da família e o compromisso conjugal. Recordamos ainda que,
no decurso dos séculos, inúmeros casais têm recorrido à adoção como
forma de ultrapassarem a sua infertilidade, o que constitui uma
alternativa perfeitamente legítima e compassiva, com evidentes
benefícios para a própria criança adotada.
- Jorge Cruz é médico especialista em angiologia e cirurgia vascular, doutor em bioética, membro do Comitê de Países de Língua Portuguesa da International Christian Medical & Dental Association (ICMDA), membro honorário da Associação Cristã Evangélica de Profissionais de Saúde (ACEPS-Portugal) e membro do Conselho Internacional da PRIME – Partnerships in International Medical Education. Mora em Porto, Portugal.
Sem comentários:
Enviar um comentário