Todo
entulho ao pé da cruz
Por
Ariane Gomes
Não faz
muito tempo que está ali, mas a sua presença é marcante desde então.
Feita
de madeira velha, a tabuleta fica quase no topo da avenida Brasil, num terreno
onde são reunidas caçambas que recolhem entulho.
De
manhã, enquanto subo com esforço a rua íngreme, vejo-a iluminada pelo sol que
nasce amarelo forte. À tarde, descendo pelo mesmo trajeto, lá está ela, mais
uma vez favorecida pelo sol que se despede e, às vezes, saudada por uma bela
lua cheia.
Plantada
na terra vermelha e envolta por um mato que cresce voraz, a placa traz um
anúncio pintado à mão: “Favor não jogar entulho nesta área”.
Já
tentei notar sua presença de modo diferente. Queria ver simplesmente um pedaço
de madeira pregado em outro, mas não tem jeito. Na composição madeira e
inscrição, surge uma cruz que não me deixa passar indiferente. O conjunto é
marcante não exatamente pelo que anuncia, mas porque ao vê-lo minha mente dá um
salto buscando conexão com a mensagem de outra cruz, a cruz de Cristo.
Na cruz
onde nosso Senhor foi pregado e morto a mensagem é oposta à da cruz que
encontro quase todos os dias. A cruz da avenida Brasil pede o favor de não
colocar entulho por ali. A cruz de Cristo diz: “Venha e deixe todo o entulho
aqui! Lance tudo aquilo que não serve mais, que você carregou por tanto tempo,
mas que não o ajuda a seguir em frente”. Ou ainda “Deixe os pregos amassados,
os ferros retorcidos, os pedaços de tijolos inúteis, os azulejos quebrados, os
fios desencapados, o resto de pedras, o fardo, a inutilidade, a culpa, o
pecado”. A cruz de Cristo promove uma revolução, acolhe toda imperfeição,
inconsistência, ignorância e coloca ordem no caos. Oferece alívio, pacifica e
diz “Siga leve e em paz”.
John
Stott diz que ao fazer o convite “Venham a mim, todos os que estão cansados e
sobrecarregados, e eu lhes darei descanso” (Mt 11.28) Jesus presume que todos
os seres humanos estão sobrecarregados. Há fardos de nossos temores,
ansiedades, tentações, responsabilidades e solidão. Há o sentimento terrível de
que a vida não tem significado nem propósito que às vezes nos engole. Há o
fardo dos nossos fracassos ou dos nossos pecados, que merecem o julgamento de
Deus. E o autor conclui: “não iremos a Jesus Cristo a menos e até que
reconheçamos o fardo de nosso pecado”.
Sejamos
menos tímidos, orgulhosos e autossuficientes e vamos a Cristo para deixar ao pé
da cruz todo o entulho porque é verdade que “ele [já] levou o pecado de muitos”
(Is 53.12) e quer aliviar o jugo, erguer nosso fardo, libertar-nos e dar-nos
descanso.
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