Uma
crônica de Rubem Braga sobre pessoas que partem e amores que findam
Mestre
das letras que consagrou o gênero literário tinha 54 anos quando escreveu essa
breve obra-prima
Hoje
publicamos no portal ICL Notícias mais uma crônica de Rubem Braga, nesta seção
que resgata textos, imagens e sons que façam o leitor dar uma pausa na marcha
imediata e angustiante dos fatos para refletir com autores geniais do Brasil e
de outros países.
“Despedida”
foi publicada pela primeira vez em livro em “A traição das elegantes”, da
Editora Sabiá, no ano de 1967 (página 83). Uma obra-prima do mestre da crônica.
O autorretrato que ilustra esta página foi feito em data desconhecida por Braga
e pertence ao arquivo de seu único filho com Zora Seljan, Roberto Seljan Braga,
que morreu aos 79 anos em 2017.
Cadernos
do escritor Rubem Braga guardado na Fundação Casa de Rui Barbosa
Caderno
do escritor Rubem Braga guardado na Fundação Casa de Rui Barbosa, que cuida do
seu acervo. Foto: reprodução
Despedida
Rubem
Braga
E no
meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma
despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma
separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda
da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor
para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito —
depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a
vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio
que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que
não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer
que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e
de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que
houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em
nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que
essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta
se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez
não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os
receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O
inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos
sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro
inábil.
Ah,
talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver;
entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações?
Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos
penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra:
adeus.
A
pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de
domingo.
Sem comentários:
Enviar um comentário