O Meu Lugar No Mundo
Desde criança fui instigada a pensar e a me preparar para
cursar uma graduação. Talvez, diferente da realidade de muitas pessoas, este
era um destino certo, não porque eu tivesse condições financeiras estáveis que
me garantissem uma formação acadêmica, ao contrário, filha de pais
comerciantes, as incertezas sempre foram presentes. Mas o destino parecia certo
pelo apoio e incentivo que sempre recebi. De fato, a graduação foi o meu
destino e, hoje, entendo que Deus já sabia que me usaria neste contexto, visto
que logo após me formar no Ensino Médio, eu estava me matriculando no curso de
Letras de uma universidade pública, que era exatamente o que eu podia acessar.
Mas até este momento chegar, eu me indagava: quem sou eu se não sei o que eu
quero e nem consigo ir para lugar algum?
Deus me abençoou com esta oportunidade. Agarrei-a e foquei
em meus estudos. Durante muitos anos, um trecho de C.S. Lewis me serviu como
lema: “Seja boa, doce menina, e não se esqueça de ser o mais inteligente que
puder”.1 Eu estava determinada a ir até o fim para conquistar títulos e me
dedicar à pesquisa. Mas eu não contava que durante a caminhada, algo me
“atrapalharia” nesta busca. Durante a faculdade, desejei ser um robô; eu via
beleza nisso. Ao perceber que eu não conquistaria tudo que sonhei, porque não
conseguiria ser um android, comecei a questionar meu valor. Uma angústia tomou
conta de mim e logo me encontrei naquele mesmo lugar de incertezas que conheci
quando adolescente.
Uma pandemia e um casamento surgiram pelo caminho.
Misturados a todos esses acontecimentos, os assuntos políticos repercutiam como
um barulho incômodo em todas as instâncias da minha vida, pois vivíamos
momentos sombrios de extrema polarização e eu, enquanto mulher cristã, qual era
o meu lugar nisso tudo? Comecei a questionar meu propósito e para onde o Senhor
havia me chamado. Era para cuidar da minha família? Para focar em minha
profissão? Eu não conseguiria dar conta de tudo. Eu não conseguiria ser doce e
inteligente, como disse Lewis.
Diante de todos esses questionamentos e afirmações que eu
elaborava em minha mente, os sentidos de vocação e propósito misturavam-se e,
mais uma vez, eu não sabia para onde ir. Todas as convicções se foram e, mesmo
vazia, o Senhor me enchia todos os dias. Graciosamente Ele preenchia este
buraco sem fundo que sou. Às vezes, Ele usava os textos acadêmicos que eu lia,
diálogos profundos com meu marido e amigos, outras vezes, canções marcantes da
infância. Nos momentos em que o medo de ser tudo e não ser nada aumentava,
canções de Milton Nascimento brilhavam em meu coração. Em especial, “Coração de
estudante” e “Caçador de mim”, que iluminavam meu desespero:
Longe se vai sonhando demais
Mas onde se chega assim?
Vou descobrir o que me faz sentir
Eu, caçador de mim
Embora as palavras de um homem me tocassem profundamente, eu
sabia que só aquilo não supriria minhas inquietações e ansiava pela resposta
certa que vem do Senhor (Pv.16:1). Cheguei à conclusão que não estamos ilesos
aos perigos que esse assujeitamento pós-moderno nos coloca, e só o cajado do
nosso Pastor amado poderá nos defender dessa realidade. Posso dizer que, no
vazio imenso que encontrei em minha rotina, experimentei o misericordioso amor
de Jesus. Quando eu não sabia mais o que fazer com meu tempo e profissão, Ele
segurou minha mão e tomou conta do meu destino. Mesmo errante, vivenciei o que
um sábio disse uma vez: “a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai
brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv.4:18).
Deus pode nos chamar para o lar ou não, para a maternidade
ou não e para as profissões ou não. É Ele quem sabe a hora de cada coisa,
permite e nos tira cada uma delas. Oro para que eu seja tudo o que o Senhor
deseja que eu seja, confiante de que “o caminho é estreito pra que eu ande
apegado a Ti” (Jorge Olliver). Esta é a vereda do justo!
Nota:
1. Cristianismo Puro e Simples, C. S. Lewis.
Débora Kogawa, 25 anos, serva, esposa, filha e analista do
Discurso.
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