Começa a jornada – aprendendo a conversar sobre ciência e fé
No Dia Internacional das Mulheres e das Meninas na Ciência,
Ultimato coloca nas mãos do leitor um trecho de artigo de Ruth Bancewicz,
diretora e pesquisadora no Instituto Faraday de Ciência e Religião e
organizadora do livro O Teste da Fé.
Por Ruth Bancewicz
Como estudante de PhD em um laboratório de genética da
Universidade de Edimburgo, eu costumava me sentir mais segura quando olhava
para a lista de cientistas seniores que faziam parte das orientações de
membresia da associação Christians in Science.1 Não porque me sentisse de
alguma forma pressionada como cristã que trabalha com ciência, mas porque às
vezes eu me perguntava sobre como minha carreira se encaixaria com a minha fé.
Era bom saber que outras pessoas tomaram esse caminho antes de mim e o fizeram
de forma tão excelente.
Depois de concluir os estudos, eu trabalhei como
pesquisadora por vários meses. O plano era gastar seis meses aprendendo novas
técnicas antes de trabalhar nos Estados Unidos, mas percebi que a pesquisa não
era o meu nicho. Eu encontrei a mim mesma gravitando para fora da bancada do
laboratório em direção à minha escrivaninha e ao campo da escrita, reflexão e
comunicação científicas. A oportunidade de fazer tudo isso, com exceção dos
experimentos, veio com a posição de secretária de desenvolvimento da Christians
in Science (CiS) e eu a agarrei com as duas mãos.
Por três anos, eu estive na feliz posição de ser paga para
interagir com outros cientistas que eram cristãos. Meu trabalho com a CiS
envolvia viagens ao redor do Reino Unido, visitando universidades, igrejas,
conferências, grupos cristãos e o crescente número de filiais locais da
Christians in Science. Falei com uma enorme quantidade de pessoas sobre ciência
e fé e ouvi as mais diversas perspectivas, especialmente sobre criação, que
parece ser o tema mais quente do momento. Isso me ajudou a compreender melhor
meu próprio conhecimento científico e cristão, mais do que eu jamais pude fazer
sozinha.
Algumas pessoas vinham às discussões sobre ciência e fé com
a imagem mental de cristãos afundando em um oceano de fatos científicos,
incapazes de escapar da inevitável morte da religião. Essa visão muitas vezes
vem de cristãos com medo ou com suspeitas em relação à ciência ou, ainda, de um
ateísta que pensa que a ciência matou Deus. Na realidade (e espero que isso não
seja uma surpresa), há uma enorme quantidade de cientistas que também são
cristãos e centenas de livros têm sido escritos explicando como a fé e a ciência
se encaixam.
Fui pega de surpresa por diversas coisas quando comecei a
trabalhar para a Christians in Science. Uma delas foi o entusiasmo absoluto das
pessoas com as quais eu tinha contato diariamente. Elas estavam ansiosas por
aproveitar qualquer oportunidade de escrever ou falar sobre o que faziam e
explicar que, como cristãos trabalhando na ciência, sentiam-se inteiras e não
divididas entre a fé e a ciência. Outra coisa foi a sua serena graciosidade
quando outros cristãos discordavam deles sobre algum ponto. As coisas podem
ficar quentes quando a sua ideia ou seu trabalho preferido são debatidos. Essas
pessoas, no entanto, me mostraram como colocar meu ego de lado e como me
aproximar das questões de forma racional e compassiva.
Eu participei de uma conferência na qual senti que
precisaria reconsiderar um tema sobre o qual já tinha me posicionado, o que foi
um processo doloroso. Lendo mais tarde a obra de John Stott Ouça o Espírito,
Ouça o Mundo – como ser um cristão contemporâneo, me dei conta de que estava
seguindo o seu modo:
Tenho tentado seguir a regra de nunca me engajar em um
debate intelectual sem primeiro ouvir a pessoa ou ler o que ela escreve, ou
preferivelmente as duas coisas... Não estou afirmando que essa disciplina seja
fácil. Longe disso. Ouvir com integridade paciente ambos os lados de um
argumento pode provocar uma dor mental aguda. Pois envolve a interiorização do
debate até que alguém não apenas capte o sentido, mas sinta a força de ambas as
posições (STOTT, 1995, grifo do autor).2
As conversas realmente interessantes acontecem quando os
cristãos e os outros aprendem a fazer isso. E o mais interessante é que
podemos, a partir daí, nos mover para além das diferenças, focando os elementos
que temos em comum. A pergunta seria então: o que estamos fazendo aqui e o que
podemos fazer em relação a esses temas sobre os quais alcançamos compreensão?
Quando isso acontecer, nós faremos progressos reais como cientistas no
laboratório, plenamente apoiados pela comunidade cristã, e como pessoas que
desejam se engajar em questões e oportunidades levantadas pela ciência e pela
fé.
Ao longo do meu trabalho, também descobri que pastores,
professores e outros necessitavam grandemente de uma explanação clara e
acessível sobre a interação entre a ciência e a fé, para as “pessoas no banco”
da igreja e também para aquelas que estão fora da comunidade cristã.
Normalmente, é mais fácil para acadêmicos escrever publicações eruditas do que
se comunicar de forma imaginativa com o público geral. No Instituto Faraday, eu
finalmente me encontrei na posição de ter todo o tempo e todos os recursos de
que precisava para focalizar a produção de material para as pessoas que
necessitassem disso e ainda pude reunir uma equipe de pessoas talentosas e
criativas para fazer isso acontecer.
Notas1. Christians in Science (“Cristãos na Ciência”) ou CiS é de
uma associação britânica de cientistas cristãos dedicados a estudos avançados
sobre fé cristã e ciência, sobre o papel da ciência na cultura e sobre a
evangelização entre cientistas.
2. STOTT,
J. The Contemporary Christian: Applying God’s Word to Today’s World. Chicago,
IL: InterVarsity Press, 1995. Ênfase minha. Em português (nota do tradutor):
STOTT, J. Ouça o Espírito, Ouça o Mundo: Como Ser um Cristão Contemporâneo. São
Paulo: ABU Editora, 1997. 478p.
Ruth Bancewicz é pesquisadora associada sênior do Instituto
Faraday de Ciência e Religião, onde trabalha na interação positiva entre
ciência e fé. Após estudar genética na Universidade de Aberdeen, ela completou
um PhD na Universidade de Edimburgo. Ela passou dois anos como pesquisadora de
pós-doutorado em meio período no Welcome Trust Centre for Cell Biology da
Universidade de Edimburgo, enquanto também trabalhava como Diretora de
Desenvolvimento para a Christians in Science. Ruth chegou ao Instituto Faraday
em 2006 e atualmente é curadora da Christians in Science.
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