Putin propõe paz… mas recusa o cessar-fogo: a nova jogada
russa na guerra da Ucrânia
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Putin propõe paz… mas recusa o cessar-fogo: a nova jogada
russa na guerra da Ucrânia
“A arte do cinismo russo está em dizer tudo, escondendo o
essencial.”
Na calada da madrugada de Moscou, Vladimir Putin reapareceu
diante da imprensa internacional em um gesto raro — sua primeira declaração
direta desse tipo desde 1999. O que poderia parecer uma guinada em direção à paz
com a Ucrânia revelou-se, na verdade, uma manobra cuidadosamente orquestrada. A
peça central da encenação? Propor negociações diretas com Kiev, mediadas pela
Turquia, sem aceitar o cessar-fogo que é pré-condição para qualquer diálogo
real.
O jogo de retórica e o palco global
Putin fez sua aparição em um momento de intensa movimentação
diplomática. Enquanto celebrava o simbólico “Dia da Vitória” em Moscou com
aliados do chamado “eixo do caos” — China, Irã, Coreia do Norte, Venezuela,
Cuba e até Brasil —, líderes europeus se reuniam com Zelensky em Kiev para
formalizar uma proposta de cessar-fogo incondicional de 30 dias, apoiada
inclusive pelos Estados Unidos.
A resposta do Kremlin veio com atraso e ambiguidade. Putin
propôs conversas diretas em Istambul, a partir do dia 15 de maio, mas
“esqueceu” de comentar o cessar-fogo exigido como condição mínima para essas
tratativas. O porta-voz Dmitry Peskov esclareceu o silêncio: a Rússia só
aceitaria cessar-fogo se as “dinâmicas do campo de batalha” fossem favoráveis.
Em outras palavras, se Putin estiver ganhando.
Erdogan, o mediador improvável
A escolha da Turquia como mediadora também levanta
suspeitas. Embora Erdogan mantenha relações ambíguas com Rússia e Ucrânia, seu
interesse estratégico no Mar Negro e sua rivalidade com Moscou por reservas de
gás tornam sua neutralidade altamente duvidosa. Para Putin, porém, a Turquia
serve como instrumento de pressão sobre os Estados Unidos: é membro da OTAN,
inimiga histórica de Israel e interlocutora direta com o Irã.
Ao acenar para Erdogan, o Kremlin tenta matar três coelhos
com uma cajadada só:
Minar a liderança americana nas negociações
Aproximar-se da ala anti-Israel no Oriente Médio
Criar um fato político que embaralhe a frente europeia
Putin sabe que Zelensky já rejeitou tanto a China quanto o
Brasil como mediadores, por falta de imparcialidade. Mesmo assim, insiste neles
como símbolo de uma nova “ordem multipolar” — termo tão conveniente quanto
vazio.
O teatro da boa vontade
Putin, como bom agente da velha escola, inverte o jogo:
propõe paz sem aceitar as condições mínimas para ela. Acena para o mundo com
“negociações sem pré-condições”, mas na prática, a pré-condição da Ucrânia — o
cessar-fogo — é ignorada.
Essa encenação é reforçada com a retórica da vitimização.
Durante seu discurso, o presidente russo apresentou a invasão da Ucrânia como
uma reação a uma suposta agressão contra a Rússia — mencionando inclusive um
ataque ucraniano a Kursk que justificaria o conflito. Como se a narrativa
pudesse reescrever a geografia da guerra.
Enquanto isso, Putin celebra o “heroísmo” da Coreia do
Norte, assume sua aliança com a China e cita o apoio do governo Lula — usado
estrategicamente como parte de uma narrativa de legitimidade internacional.
O desgaste da Casa Branca e o blefe global
Por trás da movimentação russa está também a percepção de
enfraquecimento da política externa dos Estados Unidos. Donald Trump já acumula
pelo menos cinco episódios em que líderes internacionais desafiaram diretamente
declarações ou mediações feitas por ele — entre eles Putin, Netanyahu, Hamas,
Houthis e, agora, o Paquistão.
A administração americana corre atrás dos focos de incêndio
com a credibilidade em queda. E o próprio Trump começa a perceber que sua ala
“pró-Rússia” na Casa Branca está cada vez mais desmoralizada. Figuras como
Steve Bannon, Tucker Carlson e Elon Musk, antes influentes, foram silenciadas
pela realidade geopolítica que se impõe.
A Realpolitik começa a fazer moça, como diria Sepúlveda.
Conclusão
Putin não quer paz. Quer espaço. Quer tempo. E quer
controlar o jogo — inclusive o jogo das aparências.
Ao rejeitar o cessar-fogo enquanto propõe diálogo, ele busca
confundir, dividir e manipular o tabuleiro diplomático. A verdadeira pergunta
não é se haverá negociação, mas: quem estará disposto a cair na armadilha russa
dessa vez?
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