Nenhum lugar e todos os lugares ao mesmo tempo
Cresci em constante movimento. Sempre de passagem
Por Rebeca Shammah
O Meu Lugar No Mundo
O meu lugar no mundo… Que lugar é esse?
Por muito tempo, essa pergunta me assombrou. Eu nunca soube
como respondê-la de verdade.
Sou filha de missionário. Minha mãe atendeu ao chamado de
missões quando eu tinha apenas sete anos. Ela deixou tudo para trás, e levou
somente a mim, sua filha pequenina, para anunciar o Evangelho onde Deus a conduzisse.
Vivi em diferentes lugares durante a minha vida, Bolívia, Senegal,
Burkina-Faso, França.
E assim cresci, em constante movimento. Sempre de passagem.
Sempre indo, mas nunca voltando. Todos os dias aprendi a viver fora da zona de
conforto, me adaptar a novos lugares, novas culturas, novas vidas.
Minha casa? Nenhum lugar… e todos os lugares ao mesmo tempo.
Ao viver assim, às vezes fica difícil entender qual é
realmente o nosso lugar.E a pergunta sempre ecoava: de onde vim? Para onde vou?
Dizem serem as raízes que nos sustentam, que nos fazem
crescer e florescer naquilo que fomos chamados a ser. Mas, se for assim, será
que talvez eu esteja perdida pelo vasto oceano em movimento?
Por nunca me sentir parte de lugar nenhum, sempre me vi como
um barquinho à deriva, à procura de um porto que me acolhesse e que entendesse
até aquelas partes de mim que eu mesma não consigo explicar. Mas de tanto eu ir
para lugares tão distantes, sentia que nunca poderia encontrar esse porto.
Quanto mais eu buscava pertencer, mais percebia que nenhum lugar era
suficientemente meu.
E talvez você se pergunte: como alguém que nunca se sentiu
pertencer a lugar algum, poderia encontrar seu verdadeiro lugar no mundo?
Minha história foi tecida de despedidas, recomeços e
constantes reinvenções. Cada partida deixava marcas, cada chegada trazia
incertezas. Mas, foi nesse constante ir e vir que fui entendendo que talvez eu
não fosse feita para ancorar em terra firme. E que tudo isso não significava
que eu estava perdida. Na verdade, eu nunca estive. Pelo contrário, aquele
barquinho frágil, solto no vasto oceano, nunca navegou sozinho, pois nele havia
um Capitão: Jesus. Ele não acalmou todas as águas revoltas, mas foi minha
âncora em meio à tempestade. Foi o abrigo quando tudo ao meu redor era
transitório, o porto seguro quando o chão parecia desaparecer sob meus pés. Ele
me mostrou que era Ele quem me guiava. E, mais do que isso, me ensinou a não
fixar meus olhos no vento que rasgava as velas ou na fúria da tempestade, mas
no propósito por trás de cada experiência. Em tudo, Ele estava me moldando,
usando minha vida para que Sua obra se realizasse.
E foi assim que entendi qual era o meu lugar no mundo e esse
nunca foi um ponto no mapa, nem uma terra que pudesse chamar de minha, mas sim
viver para a honra e glória dele. Seguir o Seu chamado, deixar-me ser conduzida
por Sua voz.
Aprendi que não fomos criados para fincar raízes permanentes
nesta terra, mas para ir, para anunciar o Evangelho àqueles que ainda precisam
ouvir sobre o amor de Deus. E sim, isso exige renúncia, saudades, despedidas,
mas enquanto nossa alma estiver ancorada em Seu amor, nunca estaremos perdidos.
As experiências que vivi ao lado da minha mãe abriram meus
olhos para a realidade de um mundo que ainda clama por conhecer Jesus. Percebi
o quanto ainda há corações sedentos, e como a seara é grande e poucos são os
ceifeiros. O medo e a incerteza sempre estarão por perto. Mas Aquele que nos
envia é maior que qualquer temor, maior que nossas dúvidas, maior que tudo
aquilo que tenta nos parar. E no fim, tudo vale a pena. Se for por uma vida, se
for por uma alma que encontra a verdade, tudo isso faz valer a pena.
Para mim, cada partida, cada despedida, tudo valeu a pena. E
em cada perda aparente eu ganhei muito mais. Cada vez que eu vivenciava
experiências extraordinárias no campo missionário onde eu via a glória de Deus
se manifestar através das nossas vidas eu tinha a certeza de que foi para isso
que fomos chamados. E se minha mãe não tivesse ido, talvez muitas vidas não teriam
conhecido Jesus. Isso arde em mim. Isso me faz querer ir também.
Entreguei minha vida para Deus e a obra missionária, porque
foi dentro deste sonho que ele me moldou. Decidi que minhas escolhas e decisões
de vida seriam para honra e glória do Senhor e é por isso que minha profissão
eu também entreguei para a obra missionária. Atualmente estou no último ano da
faculdade, sou mestranda em psicopatologia clínica psicanalítica, um caminho
que sei que Deus escolheu. Antes mesmo de começar, consagrei-me a Ele: seria
instrumento em Suas mãos para alcançar corações feridos. Deus me mostrou que
minha profissão seria uma extensão do meu chamado. Que Ele me levaria a lugares
onde, com a escuta, com o cuidado, com o olhar, eu poderia ser um canal do Seu
amor.
Foi na ausência de pertencimento que Deus me revelou que o
verdadeiro lar de uma alma missionária não está em um lugar físico, mas em
viver plenamente no centro da Sua vontade. Não pertenço a nenhum canto desta
terra, mas me entrego por completo a todos os lugares onde Ele deseja me usar.
Porque meu lar não é chão, é propósito; não é terra, é missão.
Imagem: Museum of New Zealand Te Papa Tongarewa (@tepapa)
Rebeca Shammah, filha de missionária e mestranda em
psicopatologia clínica psicanalítica.
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