As 136
cores da pele brasileira, uma ferida que é também um poema
50 anos
atrás, o IBGE perguntou aos brasileiros a cor da pele. O resultado é um
poema-palavra com as expressões que brasileiros escolheram
Conceição
Freitas
19/11/2025
Reprodução
da obra Operária, de Tarsila do Amaral, 1933, tirado de www.infoescola.com
Os
Operários _Metrópoles
Há um
retrato colorido, criativo, metafórico, bem humorado, por vezes irônico, e
muito revelador do quanto nós, brasileiros, continuamos sem saber lidar com as
muitas cores da nossa pele. Haverá outro país no mundo com tantas variedades de
lápis de cor? Se essa é a ferida aberta da alma brasileira, nela é possível
identificar nosso modo muito criativo de lidar com as nossas dores.
Quase
50 anos atrás, o IBGE pegou lápis e papel e bateu na porta dos brasileiros para
perguntar a cor da pele dos entrevistados. Não deu opções, não deu cola, deixou
que a pessoa se resolvesse sozinha. O resultado é em si mesmo um poema-palavra
feito com as expressões que os brasileiros escolheram, no rompante, para
definir a cor da própria pele.
Os
recenseadores anotaram 136 expressões diferentes – algumas feitas de palavras
compostas, outras de palavras simples, alguns diminutivos, algumas metáforas
regionais. Cada entrevistado deu seu jeito para sair daquela enrascada na porta
de casa. Vale lembrar que a pessoa podia dizer simplesmente preto, branco ou
pardo, mas era uma enrascada, quase uma pegadinha. Naquele tempo (e até hoje),
a pergunta era por demais espinhosa.
A
Pesquisa por Amostra de Domicílio (PNAD) feita pelo IBGE em 1976 resultou em um
retrato feito com 136 cores deste país tão diferente de todos os outros. Uma
paleta pra deixar os grandes das cores fortes, Van Gogh, Paul Klee, Tarsila,
Portinari, Djanira, Adriana Varejão, esses e tantos outros, em surto criativo.
Embora
tenha revelado o racismo escondido em cada uma das expressões usadas, revelou
também a criatividade brasileira para dizer de outro jeito o que é muito
difícil de dizer. De se querer branca nem que fosse “branca queimada”. De não
se querer negro, daí chamar a própria cor da pele de “alva escura”. Um jeito de
se revelar querendo se esconder.
Vale
lembrar que essa pesquisa foi feita há quase meio século e que de lá pra cá
muita coisa mudou, até a metodologia do IBGE, que no censo de 2022 ofereceu ao
entrevistado cinco opções: branca, preta, parda, amarela e indígena.
Ficou
previsível e chato.
O modo
como o Brasil lida com o racismo também não é mais o mesmo, mas a ferida é
profunda demais, segue sangrando. Porém, como nada nesse mundo é uma coisa só,
a riqueza das analogias ditas espontaneamente pelos brasileiros ouvidos na
PNAD/1976 é um pequeno autorretrato colorido desse país continental e complexo.
(Entre
as 136 cores há uma pela qual meu pai me chamava de vez em quando, como quem
faz um carinho. Ele dizia que eu tinha cor de burro quando foge).
Separei
as 136 cores por parágrafos:
Acastanhada,
agalegada, alva, alva escura, alvarenta, alva rosada, alvinha, amarela,
amarelada, amarela queimada, amarelosa, amorenada, avermelhada, azul, azul
marinho.
Baiano,
bem branca, bem clara, bem morena, branca, branca avermelhada, branca melada,
branca pálida, branca queimada, branca sardenta, branca suja, branquiça,
branquinha, bronze, bronzeada, bugrezinha escura, burro quando foge.
Cabocla,
cabo verde, café, café com leite, canela, canelaça, cardão, castanha, castanha
clara, castanha escura, chocolate, clara, clarinha, cobre, corada, cor de café,
cor de canela, cor de cuia, cor de leite, cor de ouro, cor de rosa, crioula.
Encerada,
enxofrada, esbranquicento, escura, escurinha.
Fogoió.
Galega,
galegada.
Jambo.
Laranja,
lilás, loira, loira clara, loura, lourinha.
Mulata,
marinheira, marrom, meio amarela, meio branca, meio morena, meio preta, melada,
mestiça, miscigenação, mista, morena, morena bem chegada, morena bronzeada,
morena canelada, morena castanha, morena clara, morena cor de canela, morena
cor da jambo, morenada, morena escura, morena fechada, morenão, morena parda,
morena roxa, morena ruiva, morena trigueira, moreninha, mulata, mulatinha.
Negra,
negrota.
Pálida,
paraíba, parda, parda clara, polaca, pouco clara, pouco morena, preta,
pretinha, puxa pra branca.
Quase
negra, queimada, queimada de praia, queimada de sol.
Regular,
retinta, rosa, rosada, rosa queimada, roxa, ruiva, russo.
Sapecada,
sarará, saraúba.
Tostada,
trigo, trigueira, turva.
* Este
texto representa as opiniões e ideias do autor.


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