sábado, 29 de novembro de 2025

CORES DO BRASIL

 



 

As 136 cores da pele brasileira, uma ferida que é também um poema

50 anos atrás, o IBGE perguntou aos brasileiros a cor da pele. O resultado é um poema-palavra com as expressões que brasileiros escolheram

Conceição Freitas

19/11/2025

 

Reprodução da obra Operária, de Tarsila do Amaral, 1933, tirado de www.infoescola.com

Os Operários _Metrópoles

Há um retrato colorido, criativo, metafórico, bem humorado, por vezes irônico, e muito revelador do quanto nós, brasileiros, continuamos sem saber lidar com as muitas cores da nossa pele. Haverá outro país no mundo com tantas variedades de lápis de cor? Se essa é a ferida aberta da alma brasileira, nela é possível identificar nosso modo muito criativo de lidar com as nossas dores.

 

Quase 50 anos atrás, o IBGE pegou lápis e papel e bateu na porta dos brasileiros para perguntar a cor da pele dos entrevistados. Não deu opções, não deu cola, deixou que a pessoa se resolvesse sozinha. O resultado é em si mesmo um poema-palavra feito com as expressões que os brasileiros escolheram, no rompante, para definir a cor da própria pele.

 

Os recenseadores anotaram 136 expressões diferentes – algumas feitas de palavras compostas, outras de palavras simples, alguns diminutivos, algumas metáforas regionais. Cada entrevistado deu seu jeito para sair daquela enrascada na porta de casa. Vale lembrar que a pessoa podia dizer simplesmente preto, branco ou pardo, mas era uma enrascada, quase uma pegadinha. Naquele tempo (e até hoje), a pergunta era por demais espinhosa.

 

A Pesquisa por Amostra de Domicílio (PNAD) feita pelo IBGE em 1976 resultou em um retrato feito com 136 cores deste país tão diferente de todos os outros. Uma paleta pra deixar os grandes das cores fortes, Van Gogh, Paul Klee, Tarsila, Portinari, Djanira, Adriana Varejão, esses e tantos outros, em surto criativo.

 

Embora tenha revelado o racismo escondido em cada uma das expressões usadas, revelou também a criatividade brasileira para dizer de outro jeito o que é muito difícil de dizer. De se querer branca nem que fosse “branca queimada”. De não se querer negro, daí chamar a própria cor da pele de “alva escura”. Um jeito de se revelar querendo se esconder.

 

 

Vale lembrar que essa pesquisa foi feita há quase meio século e que de lá pra cá muita coisa mudou, até a metodologia do IBGE, que no censo de 2022 ofereceu ao entrevistado cinco opções: branca, preta, parda, amarela e indígena.

 

Ficou previsível e chato.

 

O modo como o Brasil lida com o racismo também não é mais o mesmo, mas a ferida é profunda demais, segue sangrando. Porém, como nada nesse mundo é uma coisa só, a riqueza das analogias ditas espontaneamente pelos brasileiros ouvidos na PNAD/1976 é um pequeno autorretrato colorido desse país continental e complexo.

 

 

(Entre as 136 cores há uma pela qual meu pai me chamava de vez em quando, como quem faz um carinho. Ele dizia que eu tinha cor de burro quando foge).

 

Separei as 136 cores por parágrafos:



 

 

Acastanhada, agalegada, alva, alva escura, alvarenta, alva rosada, alvinha, amarela, amarelada, amarela queimada, amarelosa, amorenada, avermelhada, azul, azul marinho.

 

Baiano, bem branca, bem clara, bem morena, branca, branca avermelhada, branca melada, branca pálida, branca queimada, branca sardenta, branca suja, branquiça, branquinha, bronze, bronzeada, bugrezinha escura, burro quando foge.

 

Cabocla, cabo verde, café, café com leite, canela, canelaça, cardão, castanha, castanha clara, castanha escura, chocolate, clara, clarinha, cobre, corada, cor de café, cor de canela, cor de cuia, cor de leite, cor de ouro, cor de rosa, crioula.

 

Encerada, enxofrada, esbranquicento, escura, escurinha.

Fogoió.

Galega, galegada.

Jambo.

Laranja, lilás, loira, loira clara, loura, lourinha.

Mulata, marinheira, marrom, meio amarela, meio branca, meio morena, meio preta, melada, mestiça, miscigenação, mista, morena, morena bem chegada, morena bronzeada, morena canelada, morena castanha, morena clara, morena cor de canela, morena cor da jambo, morenada, morena escura, morena fechada, morenão, morena parda, morena roxa, morena ruiva, morena trigueira, moreninha, mulata, mulatinha.

Negra, negrota.

Pálida, paraíba, parda, parda clara, polaca, pouco clara, pouco morena, preta, pretinha, puxa pra branca.

Quase negra, queimada, queimada de praia, queimada de sol.

Regular, retinta, rosa, rosada, rosa queimada, roxa, ruiva, russo.

Sapecada, sarará, saraúba.

Tostada, trigo, trigueira, turva.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

Sem comentários:

Enviar um comentário

VÍDE0S...02