Amigo de si mesmo-
excelente texto de Martha Medeiros
Martha Medeiros
Em seu recém-lançado livro Quem Pensas Tu que Eu
Sou?, o psicanalista Abrão Slavutsky reflete sobre a necessidade de conquistar
o reconhecimento alheio para que possamos desenvolver nossa autoestima. Mas
como sermos percebidos generosamente pelo olhar dos outros? Os ensaios que
compõem o livro percorrem vários caminhos para encontrar essa resposta, em
capítulos com títulos instigantes como Se o Cigarro de García Márquez Falasse,
Somos Todos Estranhos ou A Crueldade é Humana. Mas já no prólogo o autor
oferece a primeira pílula de sabedoria. Ele reproduz uma questão levantada e
respondida pelo filósofo Sêneca: “Perguntas-me qual foi meu maior progresso?
Comecei a ser amigo de mim mesmo”.
Como sempre, nosso bem-estar emocional é alcançado
com soluções simples, mas poucos levam isso em conta, já que a simplicidade
nunca teve muito cartaz entre os que apreciam uma complicaçãozinha. Acreditando
que a vida é mais rica no conflito, acabam dispensando esse pó de
pirilimpimpim.
Para ser amigo de si mesmo é preciso estar atento a
algumas condições do espírito. A primeira aliada da camaradagem é a humildade.
Jamais seremos amigos de nós mesmos se continuarmos a interpretar o papel de
Hércules ou de qualquer super-herói invencível. Encare-se no espelho e
pergunte: quem eu penso que sou? E chore, porque você é fraco, erra, se engana,
explode, faz bobagem. E aí enxugue as lágrimas e perdoe-se, que é o que bons
amigos fazem: perdoam.
Ser amigo de si mesmo passa também pelo bom humor.
Como ainda há quem não entenda que sem humor não existe chance de
sobrevivência? Já martelei muito nesse assunto, então vou usar as palavras de
Abrão Slavutsky: “Para atingir a verdade, é preciso superar a seriedade da
certeza”. É uma frase genial. O bem-humorado respeita as certezas, mas as
transcende. Só assim o sujeito passa a se divertir com o imponderável da vida e
a tolerar suas dificuldades.
Amigar-se consigo também passa pelo que muitos
chamam de egoísmo, mas será? Se você faz algo de bom para si próprio estará
automaticamente fazendo mal para os outros? Ora. Faça o bem para si e acredite:
ninguém vai se chatear com isso. Negue-se a participar de coisas em que não
acredita ou que simplesmente o aborrecem. Presenteie-se com boa música, bons
livros e boas conversas. Não troque sua paz por encenação. Não faça nada que o
desagrade só para agradar aos outros. Mas seja gentil e educado, isso reforça
laços, está incluído no projeto “ser amigo de si mesmo”.
Por fim, pare de pensar. É o melhor conselho que um
amigo pode dar a outro: pare de fazer fantasias, sentir-se perseguido,
neurotizar relações, comprar briga por besteira, maximizar pequenas chatices,
estender discussões, buscar no passado as justificativas para ser do jeito que
é, fazendo a linha “sou rebelde porque o mundo quis assim”. Sem essa. O mundo
nem estava prestando atenção em você, acorde. Salve-se dos seus traumas de infância.
Quem não consegue sozinho, deve acudir-se com um terapeuta. Só não pode
esquecer: sem amizade por si próprio, nunca haverá progresso possível, como bem
escreveu Sêneca cerca de 2.000 anos atrás. Permanecerá enredado em suas
próprias angústias e sendo nada menos que seu pior inimigo.
Martha Medeiros é jornalista e escritora brasileira
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