quinta-feira, 30 de março de 2023

FESTAS CULTURAIS...

 

 
FESTAS CULTURAIS,,,
HERANÇAS:  Portuguesas, Africanas e Islâmicas...
Dionê Leony Machado   6ª.Parte   Março de 2023



FESTAS CULTURAIS... (PORTUGAL/BRASIL/ÁFRICA).
    
    
Qual a roupa típica da Bahia?
O traje típico das baianas é uma mistura da cultura e a portuguesa, africana e islâmica. As saias rodadas e anáguas engomadas são inspiradas no estilo das senhoras portuguesas. Já os colares e pulseiras vêm da cultura africana; os turbantes, dos negros islamizados. “Os trajes das baianas são festas culturais...”
O legado de negros muçulmanos que se rebelaram na Bahia antes do fim da escravidão...

O que se entende por Islamismo?
Islã, em árabe, significa "submissão", e o Islamismo é uma religião abraâmica (junto do Judaísmo e Cristianismo) que prega que o propósito da existência é adorar a Deus (Alá). Ela é dividida em dois principais grupos: sunitas (grande maioria, quase 90% dos seguidores) e xiitas.
Qual é o papel do Islamismo?
O islã é uma das mais importantes religiões mundiais (a população muçulmana é estimada em mais de 935 milhões), segundo o Alcorão, o Islã é a religião universal e primordial. O muçulmano é um seguidor da revelação divina contida no Alcorão e formulada pelo profeta Maomé.
 

Crédito, Antonio Ferrigno (c.1900)
Pintura 'Negra Quitandeira', de Antonio Ferrigno; indumentária malê teria dado origem ao turbante branco usado no candomblé e na umbanda...
Salvador, 25 de janeiro de 1835. Foi num sobrado de dois andares, na Ladeira da Praça, que teve início o maior e mais importante levante urbano de africanos escravizados já registrado no Brasil. Era por volta de 1h da madrugada quando um grupo de 50 africanos, das mais diferentes etnias, ocupou as ruas da capital baiana. O levante entrou para a história como a Revolta dos Malês.
É um episódio que evidencia a importância política que os africanos de religião muçulmana tiveram na história do Brasil - com um legado pouco conhecido que perdura até hoje.
"Na Bahia de 1835, os negros que pertenciam a um dos grupos étnicos mais islamizados da África Ocidental eram conhecidos como malês", explica o historiador João José Reis, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). "O termo malê deriva de imale, que significa muçulmano, na língua iorubá", decifra o autor do livro Rebelião Escrava no Brasil - A História do Levante dos Malês em 1835.
Do velho sobrado, os rebeldes partiram em várias direções. Um grupo avançou para a Praça do Palácio, onde ficava a cadeia da cidade. Lá, os revoltosos  planejavam tomar as armas dos guardas e libertar Pacífico Licutan, o Bilal, líder malê que estava preso para pagar as dívidas de seu senhor. Os demais rebeldes enveredaram por ruas, becos e vielas, batendo nas portas e janelas das casas e convocando pessoas escravizadas e também libertas a se unirem a eles em combate. Cerca de 600 revoltosos, muçulmanos e não muçulmanos, responderam ao chamado e participaram do levante.
O plano de libertar Pacífico Licutan, porém, fracassou. Munidos de lanças, espadas e porretes, os amotinados se viram obrigados a recuar diante de policiais armados com pistolas e baionetas. Desnorteados, fugiram da cidade e pediram ajuda aos escravos do Recôncavo, o coração do escravismo baiano.
 
Crédito, Instituto Histórico Geográfico Brasileiro
Livrinho malê: várias palavras do nosso vocabulário remetem a essa etnia.
Não apenas ficaram sem o apoio como foram encurralados em Água de Meninos, local do Quartel da Cavalaria. Foi ali que se deu a batalha final. Antes do nascer do sol, 73 rebeldes já tinham tombado mortos e mais de 500 presos, explica a antropóloga Lídice Meyer Pinto Ribeiro, da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP), autora do artigo Negros Islâmicos no Brasil Escravocrata.
Até os africanos que não participaram do levante de 1835 sofreram perseguição policial.
Um decreto assinado pelo chefe da Polícia, Gonçalves Martins, autorizava qualquer cidadão a dar voz de prisão a escravos, muçulmana ou não, que estivessem reunidos em número de quatro ou mais. Reunir gente em casa, por exemplo, passou a ser terminantemente proibido.
Outra medida obrigava os senhores a "converter" seus escravos ao catolicismo. Se não o fizesse em seis meses, seriam multados. Por medo de retaliações, os muçulmanos passaram a renegar sua religião. Mais do que isso: quando não era praticada às escondidas, a religião sofria aculturação com práticas católicas. Tudo isso explica a ausência de descendentes de escravos seguidores do islã.
Muçulmanos: inimigos na África, aliados no Brasil.
  João Fellet tenta entender como brasileiros chegaram ao grau atual de divisão.
Episódios
"A vitória vem de Alá!", dizia o fragmento em árabe encontrado dentro de um amuleto malê confiscado pela polícia. No entanto, a tão esperada vitória não chegou. Os corpos dos 73 rebeldes mortos foram jogados em valas comuns de um cemitério local. Os mais de 500 presos foram interrogados, julgados e punidos.
As penas variavam de açoites para os escravos a deportação para os libertos. Quatro deles receberam a pena máxima: enforcamento. As autoridades mandaram construir forcas novas no Campo da Pólvora, em Salvador. Mas se esqueceram de contratar um carrasco para fazer o serviço. Na falta de um, os condenados foram mesmo fuzilados, em praça pública, por um pelotão improvisado.
Ao longo da primeira metade do século 19, muitos dos africanos muçulmanos traficados para a Bahia - em sua maioria haussás, etnia que prevalece na região hoje equivalente ao norte da Nigéria - eram soldados capturados durante um jihad, ou “guerra santa” em árabe.
 
Crédito, Jean-Baptiste Debret (1816-1830)
Negro Muçulmano, quadro do século 19; escravos islâmicos tiveram grande relevância política na história do Brasil
"Eles se diferenciavam dos demais por serem alfabetizados em árabe e por terem conhecimentos de matemática", explica Ribeiro.
Na África Ocidental, diversos reinos viviam em guerra no Califado de Sokoto, um Estado muçulmano fundado em 1809 pelo califa Usman dan Fodio e que ocupou um vasto território no norte da atual Nigéria. Inimigos em sua terra natal, os "prisioneiros de guerra" viraram aliados em solo baiano.
"Como eles pertenciam a diferentes etnias, o islã proporcionou a esses muçulmanos um sentimento de fraternidade. Tornou-se, portanto, um elemento civilizatório que transformou heterogeneidade étnica em homogeneidade religiosa", explica o antropólogo Juarez Caesar Malta Sobreira, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Corão
A religião islâmica foi determinante até na escolha do dia 25 de janeiro para o início do levante. Para os católicos, a data é dedicada a Nossa Senhora da Guia e faz parte da festa do Senhor do Bonfim, uma das mais tradicionais da Bahia. Mas, para os muçulmanos, naquele ano, era dia de comemorar o Laylat al-Qadr, uma das festas islâmicas que precedem o fim do Ramadã, o mês sagrado para os muçulmanos.
Para se proteger do inimigo, os guerreiros islâmicos confeccionaram amuletos com trechos do Corão escritos em árabe, como "Ajude-nos contra aqueles que rejeitam a fé!" e "Resgatai-nos desta cidade cujo povo é opressor!", em pedacinhos de papel guardados em bolsas de couro costuradas à mão. Cada talismã, acreditavam, "protegia" de uma arma: os laya contra flechas e os maganin karfe contra facas.
 
Crédito, Sura Noite de Gloria.
"A vitória vem de Alá!", dizia o fragmento em árabe encontrado dentro de um amuleto malê confiscado pela polícia.
Na Salvador de 1835, a Revolta dos Malês foi protagonizada por pessoas escravizadas que viviam em áreas urbanas, que não cortavam cana em engenhos, nem passavam a noite em senzalas. Muito pelo contrário. Desfrutavam de relativa liberdade, podiam até trabalhar fora e recebiam uma pequena quantia pelos seus serviços. Os "negros de ganho", como eram conhecidos, exerciam os mais variados ofícios: de barbeiro a artesão, de alfaiate a vendedor.
Com o que ganhavam, pagavam uma "cota" diária ao senhor. Com o que sobrava, arcavam com as despesas de comida, moradia e vestuário. "Alguns economizavam para comprar sua carta de alforria. Outros, depois de libertos, chegaram a acumular patrimônio maior que certos brancos", explica Ribeiro.
Para manter viva a crença no profeta Maomé, os malês se reuniam em lugares afastados e a portas fechadas para fazer orações, ler passagens do Corão e celebrar festas do calendário muçulmano. "Assim como o candomblé, o islã não era totalmente livre para ser praticado. Senhores de escravos e chefes de polícia tanto toleravam quanto reprimiam", observa Reis.
O artigo 276 do Código Penal de 1830, aliás, proibia "o culto de outra religião que não seja a do Estado". Mesmo assim, os alufás, nome dado aos dirigentes religiosos e que, em iorubá, significa sacerdote de Ifá, transmitiam seu conhecimento aos mais jovens. "Os adeptos do islã dedicavam as sextas-feiras, dia sagrado para os muçulmanos, à prece e à meditação. Nesse dia, usavam roupas brancas, costume islâmico que se generalizou na Bahia", observa Sobreira.
Legado malê: da religiosidade ao vocabulário e à culinária
No dia do levante de 1835, os malês saíram às ruas vestidos de abadá, espécie de camisolão folgado na cor branca. Nos autos de devassa, as autoridades policiais se referiam à bata islâmica como "vestimenta de guerra". Mas a indumentária malê não estaria completa sem o filá, espécie de gorro que teria dado origem ao turbante branco usado no candomblé e na umbanda.
A influência do povo malê na cultura popular brasileira, porém, vai além do turbante e do abadá. Segundo Reis, traços do islã podem ser notados na cultura, no vocabulário e até na culinária. Difundida no interior de Sergipe e Alagoas, a dança do parafuso ou "dança da assombração", por exemplo, seria de origem malê. Segundo a tradição, na calada da noite, os africanos se disfarçavam de fantamas e faziam a dança para espantar os capitães do mato.
 
Rugendas (1822-1825)
Quadro de Enterro de um negro na Bahia; "Apesar das perseguições, o islã negro continuou presente no Brasil até os dias de hoje", diz historiadora.
No vocabulário, o historiador cita o exemplo de "mandinga": "Dicionarizado como feitiço, o termo vem da bolsa de mandinga, amuleto muçulmano que os africanos introduziram no Brasil". Na culinária baiana, outra tradição islâmica também cruzou o Atlântico: o arroz de haussá.
Prato favorito do escritor Jorge Amado, é feito sem sal, óleo ou tempero e cozido com bastante água. Na hora das refeições, os adeptos do islã só consumiam alimentos preparados por mãos muçulmanas, não ingeriam carne de porco e praticavam jejum no Ramadã.
No aspecto religioso, o parentesco entre muçulmanos e candomblecistas também se faz presente. Na mitologia iorubá, Obatalá é o nome dado ao deus supremo, "aquele que fecunda", abaixo apenas de Olorum, o criador do universo. No sincretismo brasileiro, ganhou o nome de Oxalá ou Orixalá, orixá associado à figura de Jesus Cristo.
O historiador José Antônio Teófilo Cairus, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), aponta outra hipótese para a origem etimológica do nome Oxalá: a expressão árabe Insha'Allah, que significa "se Deus quiser".
A antropóloga Lídice Ribeiro dá outras pistas da associação entre as duas religiões: o símbolo da meia-lua atrelado aos orixás, a substituição do colorido das vestes africanas pelo branco das roupas islâmicas e até a prática ritual de tirar os sapatos antes das reuniões. "Apesar das perseguições, o islã negro continuou presente no Brasil até os dias de hoje", diz.
Povos muçulmanos no Brasil: sim, tivemos negros que seguiam o Islã desde período da colonização brasileira.
Patrícia Cristiane de Souza
Resumo:
: Falar da população de origem africana é sempre muito complexo no contexto brasileiro. Tivemos um momento de total apagamento desta população, principalmente na época da escravização de pessoas oriundas do Continente Africano. Foram quase quatro séculos de coisificação destas pessoas negras3. Após 130 anos de “abolida a escravidão”, negros e negras diariamente vivenciam o racismo e o preconceito. Suas histórias, muitas vezes, são dadas de maneira vulgar e com estigmas. Então, é fundamental repensar a maneira de contar as histórias das diferentes nações africanas que foram sequestradas em solo africano e trazidas para o Continente Americano, principalmente para o Brasil. Tivemos diferentes nações escravizadas e os islamizados estavam presentes durante todo o processo de colonização, mas pouco se fala destes africanos que contribuíram para a construção deste país como nação. As questões religião, Islã, muçulmanos, negros, racismo, história e sociedade são abordados ao longo deste trabalho para finalização da Pós-Graduação no Curso Cultura, Educação e Relações Étnico-Raciais.

Malês
  Nota: Não confundir com Male ou Malé. Para outros significados, veja Malê.
     
Malês (do hauçá málami, "professor", "senhor", no iorubá imale, "muçulmano") era o termo usado no Brasil, nos século XIX, para designar os negros muçulmanos. Eram muitas vezes mais instruídos que seus senhores, e, apesar da condição de escravos, não eram submissos, mas muito altivos. Na História do Brasil, notabilizaram-se pela chamada Revolta dos Malês, que ocorreu em 1835, na Bahia, onde eram mais numerosos. Também existiam comunidades de malês em Pernambuco, Alagoas e Rio de Janeiro.[1]
História
Entre os séculos XVI e XIX não existia liberdade religiosa. Quem não era católico teve de se converter. Houve repressão aos dissidentes e muitos resistiram a esse exclusivismo.
No Brasil, dispersos entre Pernambuco e Bahia em um primeiro momento, os malês resistiram e reagiram ao catolicismo imposto para manter sua crença e cultura. Para enfrentar a repressão os malês usavam um recurso de resistência espiritual (dissimulação religiosa), já utilizado pelos muçulmanos xiitas, denominado, pelos teólogos islâmicos, de al'tagiyya (literalmente, "guardar-se").[2]
Vendidos como escravos pelos vencedores em guerras locais, principalmente a jiade declarada em 1804 pelo xeque Usmã dã Fodio (1754–1817) - líder islâmico fula[3] - contra os hauçás, os muçulmanos chegaram ao Brasil no final do século XVIII, oriundos da região sudanesa da África e pertenciam a vários grupos etnoculturais. No Brasil, todos ficaram conhecidos genericamente como malês ou muçurumins. Apesar de "convertidos" ao catolicismo, procuraram, mesmo que de forma discreta, preservar no Brasil a sua religião. Promoveram secretamente atividades de alfabetização e memorização do Alcorão.[2] Os malês eram bilíngues e alfabetizados em árabe, com um nível cultural superior ao dos brasileiros da época. Inconformados com a condição de escravos, articularam vários levantes que desaguaram no maior deles durante o Ramadã (mês de jejum islâmico) em Salvador, 1835.[2]
Na descrição do historiador Ramos, "Eram altos robustos, fortes e trabalhadores. Usavam como outros negros muçulmanos, um pequeno cavanhaque, de vida regular e austera, não se misturavam com os outros escravos". Para historiadores como Reis, a identidade étnica e uma religião combativa convergiram na mobilização dos escravos que levou à Revolta dos Malês.
Com a derrota dos rebeldes, muitos foram condenados à morte, muitos muçulmanos foram deportados para a África a fim de diminuir sua influência sobre os outros negros. Uns foram levados para Ajudá (atual Benim), onde foram recebidos por Francisco Félix de Sousa (1754–1849), traficante de escravos que abastecia o mercado brasileiro. Dos que ficaram no Brasil, alguns se mantiveram na clandestinidade, outros migraram para o Rio de Janeiro.
A religião islâmica passou por uma severa repressão, após 1835, diminuindo a possibilidade de difundir-se. Segundo Reis (2003, p. 180), antes da devassa havia um "forte movimento de proselitismo e conversão em curso na Bahia". Depois da supressão das revoltas, os cultos malês foram desestruturados. Hostilizados e imersos na população de afrodescendentes, começaram a perder a sua identidade e a adquirir novos costumes e crenças.
Em Salvador, os malês pós-levante exerciam atividades de marceneiros, pedreiros, professores, douradores de imagens. Houve até um deputado e conselheiro do Império — o médico baiano Salustiano Ferreira Souto (1814-1877), que, ao falecer, foi enterrado com os rituais de seu grupo.[2][4][5][6

"Foram os árabes muçulmanos que começaram o tráfico de escravos em grande escala"
O antropólogo e economista franco-senegalês Tidiane N'Diaye considera que o tráfico de escravos árabo-muçulmano realizado durante quase mil anos ainda não foi reconhecido em toda a dimensão. Falta virar esta página.
 
O tráfico de escravos árabe-muçulmano é o tema da investigação de Tidiane N'Diaye o comércio.
Tidiane N'Diaye publicou O Genocídio Ocultado em 2008, mas mais de uma década depois o que acusa de ser um encobrimento de práticas esclavagistas árabo-muçulmanas entre o sétimo e o décimo sexto, quase mil anos, ainda se mantém.
Sem ignorar o tráfico transatlântico que se segue durante quatro séculos, considera que "os árabes arrasaram a África Subsaariana durante treze séculos ininterruptos" e que a "maioria dos milhões de homens por eles deportados desapareceu devido ao tratamento desumano e à castração generalizada".
Para o investigador franco-senegalês, é mais do que tempo de "examinar e debater o genocídio tráfico negreiro árabo-muçulmano como se faz com o tráfico transatlântico".
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A sua introdução ao ensaio O Genocídio Ocultado é muito violenta. Pode dizer-se que a escravatura arábo-muçulmana foi a mais dura?
É preciso reconhecer que as implosões pré-coloniais inauguradas pelos árabes destroem sem dúvida os povos africanos, que não tiveram um intervalo desde sua chegada. Como mostra a história, os árabes-muçulmanos estão na origem da calamidade que foi o tráfico e a escravatura, que praticaram do século VII ao século XX. E do sétimo ao décimo sexto século, durante quase mil anos, eles foram os únicos a praticar este comércio miserável, deportando quase 10 milhões de africanos, antes da entrada na cena dos europeus. A penetração árabe no continente negro iniciou a era das devastações permanentes de aldeias e as terríveis guerras santas realizadas pelos convertidos a fim de obter escravos de vizinhos que eram considerados pagãos. Quando isso não era suficiente, invadiram outros alegados "irmãos muçulmanos" e confiscaram os seu bens. Sob este acordo árabe-muçulmano, os povos africanos foram raptados e mantidos reféns permanentemente.
A recente islamização dos povos africanos excluiu as práticas de escravidão?
O islão só permite a escravização de não-muçulmanos. Mas em relação aos negros, os árabes utilizaram os textos eruditos como os de Al-Dimeshkri: "Nenhuma lei divina lhes foi revelada. Nenhum profeta foi mostrado em sua casa. Também são incapazes de conceber as noções de comando e de proibição, desejo e de abstinência. Tem uma mentalidade próxima da dos animais. A submissão dos povos do Sudão aos seus chefes e reis deve-se unicamente às leis e regulamentos que lhes são impostos da mesma maneira que aos animais. "
Considera existir um "desprezo dos árabes pelos negros no Darfur". Mantém-se até à atualidade?
Sim. No inconsciente dos magrebinos, esta história deixou tantos vestígios que, para eles, um "negro" continua sendo um escravo. Eles nem podem conceber que os negros estejam entre eles. Basta ver o que está a acontecer na Mauritânia ou no Mali, onde os tuaregues do norte jamais aceitarão o poder negro. Os descendentes dos carrascos, como os das vítimas, tornaram-se solidários por motivos religiosos. Mas existem mercados de escravos na Líbia! Somente o debate permitirá superar essa situação. Recorde-se que em França, durante o comércio de escravos e a escravatura, havia filósofos do Iluminismo, como o Abade Gregório ou mesmo Montesquieu, que defendiam os negros, enquanto no mundo árabo-muçulmano os intelectuais mais respeitados, como Ibn Khaldun, também eram obscurantistas e afirmavam que os negros eram animais. Nenhum intelectual do Magrebe levantou a voz para defender a causa dos negros. É por esta razão que este genocídio assumiu tal magnitude e continua. No Líbano, na Síria, na Arábia Saudita, os trabalhadores domésticos africanos vivem em condições de escravatura. A divisão racial ainda é real na África.
Quando se fala de genocídio o holocausto surge logo. Pode-se fazer comparações, apesar da duração temporal, com a do tráfico negreiro árabe?
Desde o início do comércio oriental de escravos que os muçulmanos árabes decidiram castrar os negros para evitar que se reproduzissem. Esses infelizes foram submetidos a terríveis situações para evitar que se integrassem e implantassem uma descendência nesta região do mundo. Sobre esse assunto, os comentários de uma rara brutalidade das Mil e Uma Noites testemunham o tratamento terrível que os árabes reservavam aos cativos africanos nas suas sociedades esclavagistas, cruéis e depreciativas particularmente para os negros. A castração total, a dos eunucos, era uma operação extremamente perigosa. Quando realizada em adultos, matou entre 75% e 80% dos que a ela foram sujeitos. A taxa de mortalidade só foi menor nas crianças que eram castradas de forma sistemática. Mas 30% a 40% das crianças não sobreviveram à castração total. Hoje, a grande maioria dos descendentes dos escravos africanos é na verdade mestiços nascidos de mulheres deportadas para haréns. Apenas 20% são negros. Essa é a diferença com o comércio transatlântico.
Afirma que o tráfico negreiro transatlântico foi menos devastador que o comércio árabo-muçulmano. O que os diferencia?
Eu só falo de genocídio para descrever o comércio de escravos transmarino e oriental. O comércio transatlântico, praticado por ocidentais, não pode ser comparado ao genocídio. A vontade de exterminar um povo não foi provada. Porque um escravo, mesmo em condições extremamente más, tinha um valor de mercado para o dono que o desejava produtivo e com longevidade. Para 9 a 11 milhões de deportados durante essa época, existem hoje 70 milhões de descendentes. O comércio árabo-muçulmano de escravos deportou 17 milhões de pessoas que tiveram apenas 1 milhão de descendentes por causa da maciça castração praticada durante quase catorze séculos.
O autor Tidiane N'Diaye
Pode dizer-se que os árabes são os "inventores" da escravatura tal como a definimos hoje?
Na verdade, foi o Império Romano quem mais praticou a escravidão. Estima-se que em determinada altura quase 30% da população do império era escrava. Quanto à África, deve-se notar que, enquanto a propriedade privada não existia, as pessoas funcionariam em cooperativa. Quando a propriedade privada cresceu, eram precisos mais braços para trabalhar. Foi então que os conflitos começaram e cresceram e os vencidos foram então reduzidos à escravidão. Estima-se que, no século XIX, 14 milhões de africanos estavam escravizados. A escravatura interna existia antes e durante o tráfico árabo-muçulmano e transatlântico. Foram os árabes muçulmanos que começaram o tráfico de escravos em grande escala. Como Fernand Braudel apontou o tráfico de escravos não foi uma invenção diabólica da Europa. São os muçulmanos árabes que estão na origem e o praticaram em grande escala. Se o tráfico atlântico durou de 1660 a 1790, os muçulmanos árabes atacaram os negros do sétimo ao vigésimo século e foram os únicos a praticar o tráfico de escravos.
Acusa o mundo árabe-muçulmano de fazer um genocídio meticulosamente preparado. É uma questão de que não se fala porquê?
Este é realmente um pacto virtual selado entre os descendentes das vítimas e os algozes, que resulta em negação. Este pacto é virtual, mas a conspiração é muito real. Porque neste tipo de "Síndrome de Estocolmo ao estilo africano", em que tudo se coloca sobre as costas do Ocidente. É como se os descendentes das vítimas tenham decidido nada dizer. Que os estudiosos e outros intelectuais árabes-muçulmanos tentassem fazer desaparecer essa realidade até ser uma mera lembrança dessa infâmia, como se nunca tivesse existido, até pode ser compreendido. No entanto, é difícil perceber a atitude de muitos cientistas - e mesmo de afro-americanos que se convertem cada vez mais para o islão -, pois é uma espécie de autocensura. É por isso que decidi publicar este livro, uma tentativa para quebrar o silêncio porque a história e antropologia não estão ao nível de uma crença religiosa ou de uma ideologia, mas de factos provados que não podemos esconder para sempre.

Como vê o papel de Portugal nesse trafico transatlântico?
Os portugueses tinham acidentalmente capturado um nobre mouro Adahu, em 1441. Este último ofereceu-se para comprar sua liberdade em troca de seis escravos negros e isso ocorreu em 1443. Depois disso, Dinis Dias desembarcou no Senegal e trouxe para Lagos quatro cativos, situação que marca o início do tráfico sistemático. Os portugueses foram, assim, os primeiros a importar escravos para o trabalho agrícola. Eles transportavam entre 700 e 800 cativos por ano desde os postos comerciais e fortes na costa africana. Os pioneiros neste tráfego foram Gonçalves Lançarote em 1444. Em seguida, foi a vez de o navegador Tristão Nunes comprar aos mouros um número significativo de cativos africanos, para aumentar o seu número em São Tomé e Portugal. Em 1552, 10% da população de Lisboa consistia de escravos mouros ou negros. Aqui também há um trabalho de memória a ser feito...
A colonização europeia de África suavizou a anterior crueldade sobre os povos do continente ou manteve-a?
Se essa colonização pudesse ter um rosto, seria aquele que está na origem de dramas inesquecíveis. Depois dos compromissos históricos dos pensadores iluministas com ideias racistas, desde meados do século XIX que também há teorias que se infiltraram nas cabeças de um grande número de intelectuais como a do racismo científico. Se no início das conquistas, os ingleses apresentavam a superioridade científica e técnica da sua civilização sobre a dos povos "atrasados", em seguida procuraram uma "justificativa racial" para fazer a colonização. Sociólogos e cientistas britânicos decidiram elevar essa manobra ao apresentar os povos negros como sendo "seres vivos, semelhantes aos animais". E foram inspirados por uma das referências científicas da época, Charles Darwin, que concluiu o seu trabalho da seguinte forma: "O homem subiu da condição de grande macaco para o homem civilizado, passando pelas fases do homem primitivo e do homem selvagem. O melhor grau de evolução foi alcançado pelo homem branco." Todas essas construções levaram a calamidades como a do apartheid.

O Genocídio Ocultado - Investigação histórica sobre o tráfico negreiro árabo-muçulmano



Sede:     Salvador, Bahia

Presidente:     Abdul Ahmad
Website:     www.ccib.org.br

O Centro Cultural Islâmico da Bahia (CCIB) é um centro cultural para reunião da comunidade muçulmana, divulgação do Islamismo e para prática de atividades sociais.[1] Está localizado no bairro soteropolitano de Nazaré, no estado brasileiro da Bahia.[2]
No CCIB são ministradas aulas de educação e costumes da tradição islâmica e há biblioteca temática aberta ao público.
Em 1992 o nigeriano Abdul Ahmad foi convidado a dirigir o CCIB, e desde então é o xeique.
Islã Proibido – A Revolta dos Malês na Bahia.
HistóriaBrasilIslamMalêsMuçulmanosIntolerânciaRevolta
 
Rebelião liderada por negros muçulmanos marcou a reação á intransigência religiosa das autoridades brasileiras.
Desde os tempos coloniais até a Proclamação da República em 1889, o Brasil tinha uma, e apenas uma, religião oficial: o catolicismo. Reuniões religiosas, especialmente envolvendo negros, eram consideradas caso de policia. De acordo com o perfil das autoridades, a repressão era maior ou menor. Acreditava-se que encontros religiosos pudessem fomentar a organização dos escravos – e a ordem era proibir reuniões públicas. Em 1805, dom Jõao de Saldanha da Gama Melo e Torres Guedes de Brito, o conde da Ponte, tomou posse como governador da capitania da Bahia. Durante sua gestão, havia o toque de recolher ás ave-marias. Qualquer negro pego nas ruas sem um passe era condenado a 150 chibatadas. Também tratou de destruir quilombos e a reprimir os batuques animistas e práticas islâmicas.
‘’O conde da Ponte usou mão de ferro no combate a tudo quanto era manifestação negra, religiosa ou lúdica. Foi sucedido pelo conde dos Arcos, que liberou o batuque porque achava que descomprimia a ‘’panela de pressão’’, diz o historiador João José dos Reis, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que escreveu Rebelião Escrava no Brasil – A História do Levante dos Malês em 1835. ‘’A repressão a religião escrava não era política coerente, nem da parte dos senhores nem das autoridades; entre ambos os grupos haviam os defensores do porrete e da negociação. Embora muitas vezes mudassem de lado’’. Entre a sístole a diástole repressiva. os maiores perseguidos eram os animistas, seus batuques e terreiros- curiosamente, a religião se perpetuaria na Bahia justamente por meio do sincretismo com os santos da igreja católica.
A relação entre poder e fé estava registrada na letra da lei. A primeira Constituição Brasileira, logo em seu artigo 5º, cravava: ‘’ A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do templo’’.
‘’Religiões ou praticas religiosas que não fossem o catolicismo oficial eram automaticamente colocadas fora da lei’’, diz o historiador José Antônio Teofilo Cairus, da universidade do estado de Santa Catarina ( Udesc). Foi o que ocorreu com os muçulmanos em Salvador em 1835. A Revolta dos Malês, a maior de negros urbanos no Brasil, teve inicio por causa da intransigência religiosa. – A resposta foi uma tentativa de tomada do poder e da criação de um governo negro na Bahia.
Mesquita Derrubada
Menos de dois meses antes do levante, em novembro de 1834, os malês (palavra derivada do imale, muçulmano em iorubá) se reuniu numa mesquita domestica erguida na propriedade de Abraham Crabtree, no distrito de Vitória. Naquele dia, celebraram o Lailat al- Miraj, que festeja a ascensão do profeta Muhammad ao céu. De origem inglesa. Crabtree havia permitido que dois de seus escravos, James e Diogo, construíssem uma palhoça no quintal de sua casa – portanto, respeitando o ‘’culto privado’’ constitucional.  Quando o inspetor de quarteirão André Antônio Marques, antigo desafeto dos malês, interrompeu o evento e dispersou os convidados, mal podia imaginar que, em vez restaurar a ordem, estava prestes a deflagrar uma guerra. No dia seguinte, o juiz da freguesia de Vitória recomendou a Abraham que derrubasse a palhoça que servia de casa de oração aos negros islâmicos.
‘’Toda religião que não fosse cristã era vista como suspeita e desconfiança por senhores de escravos e chefes de policia. Por essa rasão, os muçulmanos se viam obrigados a professar sua fé em segredo’’, diz a historiadora Luciana da Cruz Brito, da Universidade de São Paulo (USP). Nas casas dos africanos libertos, os malês se reuniam, a portas fechadas, para fazer orações, ler passagens do Alcorão e celebrar festas do calendário muçulmano. Como sabiam ler e escrever em árabe transmitia esse conhecimento aos novos devotos. ‘’Os adeptos do Islam dedicavam as sextas-feiras, dia sagrado para os muçulmanos, á prece e á meditação. Nesse dia, usavam roupas brancas, costume islâmico que se generalizou na Bahia’’, observa o antropólogo Caesar Sobreira, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (URFPE). Na hora das refeições, os malês só consumiam alimentos preparados por mãos muçulmanas, não ingeriam carne de porco, proibida pela religião, e jejuavam no mês sagrado do Ramadan, um dos pilares do Islam, pois acredita-se que nele foi revelado à Muhammad o Alcorão.
A religião foi determinante na escolha do dia 25 de Janeiro para o inicio do Levante. Para os católicos, a data é dedicada a Nossa Senhora da Guia e faz parte da festa do Senhor do Bonfim, umas das mais tradicionais de Salvador. Mas, para os muçulmanos é dia de comemorar Lailt al- Qadr, uma das festas que precedem o fim do Ramadã, e que pode ser traduzida como ‘’Noite do Decreto’’. Para se proteger do inimigo no dia do levante, os guerreiros islâmicos confeccionaram para si amuletos, com trechos do Alcorão escritos em árabe, como ‘’Ajude-nos contra aqueles que rejeitam a fé!’’.
Rápida e Mortal
Entre 1807 e 1830, a Bahia foi sacudida por incontáveis revoltas e conspirações escravas. Pelo menos 30, segundo os especialistas. Na rebelião de Maio de 1807, tida como a primeira de caráter religioso no país, os amotinados islâmicos pretendiam recolher as imagens da igrejas e queimá-las em praça pública. Noutra, em fevereiro de 1814, os rebeldes atearam fogo em 150 casas e mataram mais de 150 brancos, numa das mais violentas rebeliões de que se tem noticia no Brasil. Numa terceira, em dezembro de 1822, o levante terminou com a mais brutal punição imposta a escravos rebeldes: 52 deles foram executados. Mas, por que, então, a revolta de 1835 se destaca sobre as demais?
Reis atenta para o fato de que a Revolta dos Malês durou menos tempo que as outras. (certas rebeliões de 4 dias a 6 anos), vitimou um numero reduzido de adversários (segundo o chefe de policia Gonçalves Martins, 9 pessoas foram mortas pelos rebeldes) e quase não causou danos materiais (não houve casas ou plantações incendiadas, por exemplo). Mas ela ocorreu numa importante capital (e não na região dos engenhos, o Recôncavo Baiano), o número de envolvidos foi alto (cerca de 600 insurgentes) e as baixas entre os rebeldes (mais de 70) chamam a atenção.
‘’Foi a revolta que mais documentos produziu, entre interrogatórios dos réus, depoimento das testemunhas e sentenças dos juizes, o que lhe conferiu maior visibilidade historiografica’’, justifica Reis.
Apesar de ter durado poucas horas e de não ter vingado como esperado, a revolta dos malês é um marcante exemplo da resistencia da população escravizada no Brasil. Segundo Luciana, o que faz dessa revolta um exemplo único foi seu sofisticado projeto politico e capacidade de articulação de seus líderes, que conseguiram arregimentar a população africana, tanto a liberta quanto a escravizada, em torno de um plano de instaurar uma nova ordem. Esses lideres, em reuniões secretas, transmitiam seu conhecimento (ler e escrever em árabe por exemplo) aos mais jovens. Ou seja, mais que uma rebelião religiosa, o que estava em jogo era um modelo politico no qual buscava-se vingar dos opressores. Imagine-se um malê, para quem até a prática da sua fé era tratada como ato subversivo.
Medo do Haiti
Na Salvador de 1835, cuja população era estimada em 65 mil habitantes, quatro em cada 10 moradores eram escravos. Ao contrario da maioria da revoltas e conspirações anteriores, a dos malês foi protagonizada por escravos urbanos, que não cortavam cana em engenhos, nem passavam a noite em senzalas. Pelo contrario. Desfrutavam de relativa liberdade e podiam até trabalhar fora. Os ‘’negros de ganho’’ exerciam os mais variados oficios: de barbeiro a artesão, de alfaiate a vendedor. Com o que ganhavam, pagavam uma (cota) diária ao senhor. Com o que sobrava, arcavam com as próprias despesas com roupa, comida e moradia. Alguns economizavam para comprar a alforria. O sonho de liberdade custava em torno de 500 mil reis e levava 10 anos para se tornar realidade. Os poucos que conseguiam prosperar se tornavam homens de negocio. Alguns desses, depois de libertos compravam seus proprios escravos.
Embora tenha fracassado, a Revolta dos Malês, para alguns historiadores, cumpriu importante papel na proibição do trafico negreiro para o Brasil, 15 anos depois. ‘’Mesmo antes do levante, autoridades ja defendiam que o comercio de africanos deveria terminar, por que trazia para o Brasil individuos que ameaçavam o sistema escravista. Havia o medo de que ocorresse o aqui uma revolta na dimensão daquela que colocou fim á escravidão no Haiti’’, afirma Luciana. Apesar do perigo iminente de revolta, o tráfico ainda era visto como fundamental para a agricultura exportadora, sobretudo a partir da década de 1830. ‘’Uma combinação entre pressão inglesa e o medo da revolta africana convenceu a elite politica a terminar definitivamente como o trafico em 1850, por meio de uma rígida legislação’’, afirma Reis.
Guerreiros do Profeta
Quanto ao seu lugar de origem, os negros africanos podiam ser divididos em ‘’bandos’’, oriundos da Africa Centro-Ocidental, que compreende Angola e Moçambique, e ‘’sudaneses’’, provenientes da Africa-Ocidental, que engloba Nigéria Benin. Se os os povos da Africa Centro-Ocidental, como congos, cabindas, e banguelas, entre outros, se dedicavam á agricultura e ao pastoreio, as nações da Africa-Ocidental, como iorubás, haussás e tapas, só para citar algumas, exerciam atividades belicosas, eram arqueiros e cavaleiros. Entre os rebeldes que saíram ás ruas na madrugada do dia 25 de Janeiro, muitos ocupavam posição de liderança militar e travaram batalhas em seus países de origem. Não por acaso, o governador da capitania da Bahia, João de Saldanha da Gama, o conde da Ponde, alertou, ainda em 1808, que a maioria dos africanos então importados representava ‘’um alto risco á paz escravocrata’’.
Ao longo da primeira metade do século 19, muitos dos negros traficados para a Bahia eram soldados capturados durante as Jihads. Diversos reinos da África-Ocidental viviam em guerra no Califado de Sokoto, um Estado muçulmano fundado em 1809 pelo xeique Usuman das Fodio, do grupo étnico Fulani, e que ocupou um vasto território situado no norte da atual Nigéria.
Inimigos em sua terra natal, esses prisioneiros de guerra tornaram-se aliados em solo baiano.
‘’Como os muçulmanos pertenciam a diferentes etnias, o Islam proporcionou a eles um sentimento de fraternidade. Tornou-se, por tanto, um elemento civilizatório que transformou heterogeneidade étnica em homogeneidade religiosa. Daí, cumprir os pilares da religião islâmica era importante para consolidação dessa nova comunidade multiétnica’’, afirma Sobreira.
O que Eles Queriam?
Ainda hoje, pelo menos duas perguntas continuam sem respostas. A primeira delas: o que pretendiam os lideres do levante? Libertar prisioneiros, tomar o poder ou instalar um Estado muçulmano na Bahia? Difícil saber. Segundo Reis, nenhum dos depoimentos ouvidos nos autos ou dos documentos apreendidos pela policia deixou claro o objetivo dos revoltosos.. ‘’Há pálidos indícios de que os rebeldes pretendiam matar os brancos, pardos e criolos (negros nascidos no Brasil) e escravizar os mulatos’’, especula. Não se pode afirmar que o levante dos malês tenha sido uma revolta estritamente religiosa. Ao contrario do que ocorrera na rebelião de 1807, quando os revoltosos planejaram atacar igrejas e queimar imagens, nada foi declarado pelos rebeldes sobre perseguição religiosa aos derrotadas. ‘’Não foi em oposição ao cristianismo que o levante malê ocorreu, Foi em oposição à opressão’’, afirma.
Passado 180 anos, outra questão continua a intrigar os historiadores: O que teria acontecido se, em vez de fracassar, o levante dos malês tivesse vingando? ‘’Não temos detalhes do que pretendiam se fossem vitoriosos. Certo era que a Bahia malê seria uma nação controlada pelos africanos, tendo á frente os muçulmanos’’, cogita Reis. O historiador José Antônio Teófilo Cairus defende a tese de que, desde o inicio, a revolta dos malês estava fadada ao fracasso. O contingente de revoltosos era pequeno. E os amotinados não tinham armas nem munição em número suficiente para fazer frente ás forças do governo. ‘’Mesmo que tivessem conseguido tomar o poder ou, quem sabe, até insuflar os escravos rurais, que viviam na região dos engenhos, os líderes africanos seriam esmagados por tropas do governo em questão de dias’’, acredita Cairus. ‘’Eles não tinham escapatoria’’. Antes do fim do dia, 73 rebeldes já tinham tombado mortos e mais de 500 feitos prisioneiros.
Vingança Branca
‘’A vitória vem de Allah! A vitória está próxima! Boas-novas para os crentes!’’. Diferentemente do que prometia o texto em árabe encontrado dentre de um amuleto malê confiscado pela policia no dia da revolta, a tão esperada vitória não chegou. Os corpos dos 73 rebeldes mortos no campo de batalha foram jogados em valas comuns de um cemitério local. Os mais de 500 insurgentes presos foram interrogados, julgados e sentenciados. As penas variavam de açoites para os escravos, á deportação para os libertos. 4 deles – Jorge, Pedro, Gonçalo e Joaquim, todos (soldados rasos) da rebelião – receberam a pena máxima. A execução, em praça pública foi marcada para o dia 14 de Maio. Dispostas a dar um castigo exemplar aos rebeldes, ás autoridades mandaram construir forcas novas no Campo da Polvora, em Salvador. Mas se esqueceram de um detalhe: contratar um carrasco para cumprir a tarefa. Na falta de um, os condenados tiveram que ser executados por um pelotão de fuzilamento improvisado com soldados municipais.
As penas de açoite também foram executadas com pompa. O horrendo espetáculo visava intimidar revoltosas em potencial. As vitimas eram despidas, amarradas a um tronco e, sob a vigilância de guardas armados, açoitadas nas costas e nádegas. Alguns rebeldes foram condenados a 250 chibatadas – em geral 50 por dia. Outros como Licutan, encarcerado no dia do levante, mil, pelo menos um deles Narciso, não aguentou o castigo e morreu durante a execução de 1200 chibatadas. Para evitar que isso voltasse a acontecer, um médico era chamado ás pressas para avaliar o estado de saúde do sentenciado. Dependendo de suas condições, o castigo podia ser temporariamente suspenso. As chibatadas, porém, não encerravam o castigo. Muitos escravos foram obrigados a usar gargalheiras de ferro em torno do pescoço ou correntes nos pés por dias, meses ou anos a fio.
Até os africanos que não participaram do levante foram submetidos a rigoroso controle e perseguição policial. A partir de então, todo escravo encontrado perambulando pelas ruas de Salvador depois das 8 da noite deveria trazer um ‘’passe’’, devidamente assinado pelo senhor, indicando a hora em que saíra de casa e a hora que deveria voltar. Quem não respeitasse o ‘’toque de recolher’’ estaria condenado a levar 50 chibatadas.
Um decreto assinado pelo chefe de policia, Gonçalves Martins ia além: autorizava a qualquer cidadão a dar voz de prisão a escravos que estivessem reunidos em numero de 4 ou mais. Reunir gente em casa por exemplo, estava terminantemente proibido aos negros. A mais absurda das medidas, porém, era a que obrigava aos senhores a ‘’converter’’ seus escravos ao catolicismo. Se não o fizessem no prazo máximo de 6 meses, seriam multados em 50 mil reis para cada ‘’escravo pagão’’.
O Abadá vai a Guerra
No tão esperado dia do levante, rebeldes sairam ás ruas vestidos de abadá – uma espécie de camisolão folgado na cor branca. Por este motivo, as autoridades policiais costumavam se referir á bata islâmica como ‘’vestimenta de guerra’’ nos autos de devassa. Em tempos de paz, o malês procurava usar os abadás em casa, em momentos de oração e outros ritos sagrados. Mas a indumentária malê não estaria completa sem uma carapuça, algo semelhante a um turbante branco, cobrindo a cabeça. ‘’Hoje em dia, o uso do abadá tornou-se característico do carnaval da Bahia’’, recorda Sobreria. ‘’Já o gorro com faixa branca virou item obrigatório entre os componentes do bloco Filhos de Gandhy’’, diz. Mas a influencia do povo malê na cultura brasileira vai além, muito além do turbante do abadá.
Segundo Reis, esse parentesco pode ser notado na cultura,  no vocabulário e até na culinária. Difundido no interior do Sergipe e de Alagoas, a dança do parafuso seria, na opinião de alguns historiadores, uma dança malê. Reza a tradição que, na calada da noite os escravos se disfarçavam de assombração para fugir dos capitães do mato. No vocabulário, Reis sita o exemplo ‘’mandinga’’. ‘’Dicionarizado como feitiço, o termo vem da bolsa de mandinga, amuleto muçulmano que os negros mandingas introduziram no Brasil’’, detalha. Na culinária baiana, outra tradição Islâmica atravessou o Atlântico. Trata-se do arroz de haussá. Como o nome ja diz e herança de um dos grupos étnicos mais islamizados da África-Ocidental. Prato favorito do escritor Jorge Amado, é feito sem sal, óleo ou tempero e cozido com bastante água.
No aspecto religioso não poderia ser diferente, na mitologia iorubá, Obatalá é o nome dado ao deus supremo, ‘’aquele que fecunda’’, abaixo apenas de Olorum, o criador do universo. No sincretismo religioso brasileiro, ganhou o nome de Oxalá ou Orixalá, orixá associado a figura de Jesus Cristo. Segundo Reis, as aproximações rituais e simbólicas são muitas. ‘’A cor branca do abadá e o uso da água pelos muçulmanos em cerimônias públicas e rituais privados são indícios desse parentesco’’, exemplifica. Cairus aponta outra hipótese para a origem etimológica do nome ‘’oxalá’’: a expressão árabe in sha Allah’’, em tradução livre ‘’se Deus quiser’’. ‘’São várias as Áfricas que conviveram na Bahia. Uma dessas Áfricas é Islâmica’’, assegura o historiador.
Texto de André Bernardo

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