sexta-feira, 17 de março de 2023

REFLEXÃO:

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O CPAC do xerém com galinhada

  
 Anderson C. Sandes 


Conta-se que dona Masé levantou-se muito cedo naquele domingo. A senhorinha da Serra Negra, viúva, tinha chamado toda a parentela próxima para comer xerém com galinhada e trocar boas prosas, palestras. Matou umas galinhas, pendurou para fluir o sangue, como no antigo costume, varreu as folhas do terreiro, sacodiu a poeira toda da casa e pôs-se a cozinhar.
Aos poucos chegaram os convidados, antes da hora marcada, para não dar a impressão de que foram apenas pelo almoço. As mulheres entraram para ajudar dona Masé e os homens ficaram na sombra do terreiro, falando dos dias idos, umas verdades e outras mentiras de pescador. Todos, finalmente, de vozes aquecidas e línguas afiadas foram se servir, momento muito aguardado. Juntaram-se na cozinha, invadindo a sala, pois eram pequenos os cômodos. Uns aos tamboretes e cadeiras, outros sentados no sofá e no chão.

O irmão de dona Masé, seu Dito, palestrava sobre como estava bravo com seu genro, que vivia no trecho, traindo sua amada filha. Dizia que, se o pega-se, capava-o:
— Sempre desconfiei daquele gota. Que ele não trisque o dedo nela… eu também não fui gente não, quando era novo… aprontei muito… mas isso é uma desgraça!
O pobre do Expedito nem terminou de lamentar e a comadre Lena demonstrava tamanha aflição por desconfiar que um tal sobrinho era “fresco”.
— Comadre, tu não diga assim! — Refreava dona Masé.
— Mas é, mulher, tô te dizendo! Tá todo mundo falando, o menino já está falado por aí — Confirmava Lena, amaldiçoando a educação que teve em casa o tal sobrinho.
Prosa vai, prosa vem, palestra entra e palestra sai. Masé desabafou, alegava que a neta havia se perdido, por ser namoradeira demais. Lourdes, filha de Masé, defendeu a filha, argumentava que estava de olho e que seria somente uma fase. Alguns tossiam, como se soubessem de alguma coisa. O genro de Masé, Tonho, acusava a esposa de coiteira. É difícil falar da juventude sem mover paixões.
São muitas as decepções em família, e por vezes parece que uns se importam muito com o outro, chegando a passar da conta. Mas há um amor por trás de tudo. As línguas se soltam, pois há confiança. É bom que cada um seja honesto em família, sem fingimento — pelo menos não muito. É a plena liberdade e . . . ah, não! Não pode ser! Está tudo arruinado agora! O xerém com galinhada será amargo no estômago.
Expedito esculhambou com o pastor de Lourdes e Tonho, que estava se candidatando a vereador.
Anderson C. Sandes

Poeta, cronista, ensaísta. Articulista no PHVox. Vivo de poesia pra não morrer de razão. Reflexões sobre arte e literatura. Autor de Baseado em Fardos Reais, de Arte & Guerra Cultural: preparação para tempos de crise, e organizador da antologia Quando Tudo Trans

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