segunda-feira, 27 de março de 2023

VIDAS VAZIAS...

Vidas vazias, oficinas do diabo  

 
Anderson C. Sandes,
Se eu pudesse organizar uma obra para representar o espírito de nosso tempo (zeitgeist, os sentimentos gerais e pensamentos de nossa atual cultura e época), simplesmente compilaria três poemas modernos e fecharia o trabalho: Tabacaria (1928) de Fernando Pessoa, Os homens ocos (1925) de T. S. Eliot e José (1942) de Carlos Drummond de Andrade. São três poemas que falam, sobretudo, a respeito do vazio existencial no homem moderno. Um vazio do tamanho de Deus, diria Dostoiévski.
São poemas sobre gente que não é nada, não pode querer ser nada, com o elmo cheio de nada, sem nome, sozinhos no escuro. Essas são palavras dos poetas, gênios sensíveis, que não somente sentiram, mas traduziram com magnanimidade as manifestações de nosso tempo, desenrolando-as sob nossos olhos, como um pergaminho: vazio, solidão, incompreensão, abandono, desesperança, impotência, incerteza.

A tendência do vazio é ser preenchido. E esse “elmo cheio de nada” da humanidade decadente está na verdade cheio até demais, com licença poética, cheio de vazio: ideologias, julgamento, descrença, imoralidade, ressentimento, ódio, desejo por destruição — e tudo culminará nisso, pois o último estágio do vazio existencial é a destruição, que gera mais vazio. Somente um Ser que cria do nada, do vazio, é quem pode acabar com este ciclo vicioso no qual entramos.
A modernidade é um imenso vazio, cheio de velhas novidades — “um museu de grandes novidades” — de inaugurados caminhos que levam aos antigos vícios, das modinhas que já nascem ultrapassadas. Felizmente há pessoas que não suportam serem “modernas”, preferindo sanidade à loucura completa. É certo que serão afetadas pelos vazios externos e terão vez ou outra um vazio de estimação, mas não é de vazio que serão preenchidas.
Por capricho, eu colocaria um posfácio nessa tal obra sobre o espírito de nosso tempo, tão poético quanto merecido: “cabeça vazia, oficina do diabo.” Caberia aos modernos a escolha: preencher o vazio existencial com propósitos divinos, ou continuarem sendo oficinas do diabo.

Anderson C. Sandes

Poeta, cronista, ensaísta. Articulista no PHVox. Vivo de poesia pra não morrer de razão. Reflexões sobre arte e literatura. Autor de Baseado em Fardos Reais, de Arte & Guerra Cultural: preparação para tempos de crise, e organizador da antologia Quando Tudo Transborda.
 

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