Lidando com o sentimento da raiva
Por Esther Carrenho
É possível que o sentimento da raiva seja o mais difícil de reconhecer, aceitar e administrar.
E a principal razão disto é que confundimos o sentir raiva com o se comportar com violência.
No geral, pais, professores e cuidadores de crianças estão prontos para coibir o comportamento raivoso infantil, e o fazem, mas não explicam que sentir raiva é legítimo; danoso é a violência.
Quando uma criança sente raiva porque um amiguinho ou irmãozinho quebrou seu brinquedo e parte para a violência, em geral seus pais e cuidadores o coíbem dizendo que não pode, que é errado e que Deus não aceita. O correto seria dizer para a criança que é normal sentir raiva quando algo de que gostamos é destruído. Todo ser humano se sente assim. Mas ela não pode bater, agredir ou ferir o outro quando está com raiva. O que ela deve fazer é procurar quem está cuidando dela e relatar o que aconteceu. E o adulto vai avaliar o ocorrido e lidar com o ofensor, determinando alguma punição de uma forma adequada, se for necessário. Desta forma a criança vai aprendendo a identificar e a administrar o sentimento da raiva.
Como todo e qualquer sentimento, sentir raiva não é bom nem ruim. Desastroso pode ser o que fazemos depois de algum sentimento.
Paulo de Tarso sabia disso e escreveu aos cristãos residentes em Éfeso:1 “Irai-vos e não pequeis”. Paulo já sabia que sentir raiva faz parte de ser humano. O praticar a violência pode ser controlado e administrado. Moisés é um exemplo de alguém que sentiu raiva. Ao ver a injustiça praticada contra um hebreu, pelo seu feitor, explodiu em violência e assassinou o malfeitor.2 Para condenar um crime fez-se um criminoso pior.
Os evangelhos relatam que Jesus Cristo sentiu raiva em pelo menos três ocasiões. Enraiveceu-se com os religiosos que foram insensíveis com o deficiente físico.3 Irou-se com os discípulos quando estes impediram as crianças de chegarem perto de dele.4 E enraiveceu-se quando viu a exploração dos cambistas no templo que tiravam proveito dos pobres que vinham de longe oferecer seus sacrifícios.5
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A raiva é uma energia que precisa ser administrada e canalizada para algo positivo. Quando isto não é feito esta energia pode ficar guardada e vai se acumulando na pessoa. Com o passar do tempo pode explodir violentamente diante de uma contrariedade pequena trazendo prejuízos e muito estrago para quem está próximo e para a própria pessoa. Além disso, muitas enfermidades podem ser provocadas pela raiva não expressa de maneira adequada.
É importante saber que antes de sentir raiva sentimos um outro sentimento. Em geral, a raiva vem como decorrência de situações em que a pessoa se sente injustiçada, humilhada, diminuída, desvalorizada, envergonhada. Pode-se então aproveitar as situações em que nos sentimos irados para identificar o que aconteceu dentro de nós mesmos e nos conhecermos melhor. Muitas vezes o que precisa ser resolvido são os sentimentos que surgem antes da raiva.
Jesus de Nazaré nunca sentiu indignação quando foi zombado, injuriado e criticado. Como humano ele estava resolvido com as situações onde era humilhado, injustiçado ou diminuído. Todas as vezes em que sentiu raiva foi para defender os desprotegidos, os vulneráveis e os sem voz. E confrontou, corajosamente, aqueles que estavam em vantagem ignorando, ou tirando proveito dos que não tinham como reagir.
Paulo de Tarso nos alerta que é preciso cuidar da própria ira. Ele estabelece até um limite de tempo para a permanência da ira: o fim do dia.6 Nem sempre é possível resolver no mesmo dia as nossas raivas e indignações. Mas é preciso resolvê-las.
Alguns passos que se pode dar quando a raiva aflora:
1º) Pensar: O que aconteceu antes? Qual foi o sentimento que surgiu em mim, antes da raiva?
2º) Se possível expresse a raiva pela fala. Se não, se ausente, para pensar e achar o melhor caminho para a situação.
3º) Tente avaliar racionalmente qual a melhor ação, para a solução do que provocou a raiva.
4º) Conte para alguém, em quem confia, sobre sua raiva. Pode ser o cônjuge, um amigo, um mentor ou um profissional da relação de ajuda.
A raiva é uma energia. Quando não engole a pessoa e nem é engolida por ela, pode ser canalizada para o bem.
• Esther Carrenho, teóloga, psicóloga e autora dos livros: Raiva: Seu bem, Seu mal e Caminhos de Vida.
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