A
HOMOSSEXUALIDADE E O CRISTIANISMO CONSERVADOR: A FACE CRISTÃ DA INTOLERÂNCIA
RELIGIOSA ESPELHADA NA BÍBLIA
ARLINDO
NASCIMENTO ROCHA
É que o
amor e o afeto independem de sexo, cor ou raça, sendo preciso que se enfrente o
problema, deixando de fazer vistas grossas a uma realidade que bate á porta da
hodiernidade, e, mesmo que a situação não se enquadre nos moldes da relação
estável padronizada, não se abdica de atribuir à união homossexual os mesmos
efeitos dela.[2]
RESUMO
Este
artigo tem como objetivo principal analisar a partir da Bíblia, trechos que,
‘supostamente’ justificam atos de intolerância de cristãos ‘conservadores’ em
relação aos homossexuais que, muitas vezes manifestam-se através do ódio, do
desprezo e da perseguição. O artigo será dividido dois momentos – primeiro:
investigar alguns autores que refletem sobre o tema enfatizando historicamente
os problemas enfrentados pelos homossexuais; segundo: analisar algumas
passagens bíblicas, ‘condenatórias’ da homossexualidade. Assim, visamos corroborar
a tese de que, o Cristianismo que prega o amor acima de tudo, vê na
homossexualidade, motivos de exclusão e intolerância, sendo muitas vezes visto
como abominação, e, por isso, moralmente condenável. Como recurso metodológico,
usaremos a revisão bibliográfica objetivando obter informações sistematizadas,
a partir de estudos críticos de vários autores, e, os resultados serão
apresentados em um texto sucinto, visando não esgotar o assunto, mas lançar
luzes sobre um tema absolutamente polêmico.
INTRODUÇÃO
Durante
muitos séculos, o Cristianismo desempenhou um papel fundamental no
desenvolvimento e aprimoramento ético e moral dos indivíduos, orientando assim,
suas relações e comportamentos estabelecidos na sociedade tendo como suporte
principal a Bíblia, documento essencial para aqueles que desejam compreender o
contexto histórico das origens da fé cristã. Mesmo não tendo sido educado numa
família cristã, acaba-se sendo influenciado pelas pessoas que aderiram aos
valores e ensinamentos cristãos, pois, atualmente, mesmo vivendo em sociedades
secularizadas, esses valores estão muito arraigados no inconsciente coletivo.
Por isso, muitas vezes de forma intencional ou não, os homossexuais são vítimas
de interpretações leiterias da Bíblia, e por isso, moralmente e fisicamente
agredidas e até assassinados.
Entretanto,
nos últimos anos o mundo entrou numa era de grandes transformações de forma
contínua, acelerada e muitas vezes descontrolada. É inegável que essas
transformações tenham ajudado na conquista dos direitos humanos e civis, e,
especialmente o reconhecimento dos direitos dos homossexuais em relação ao
casamento, paternidade ou guarda de filhos. Mas, apesar dessas conquistas ainda
são visíveis traços contraditórios que emergem destas conquistas, atrelados principalmente
a não aceitação dos mesmos na família, nas igrejas e na sociedade em geral.[3]
Acredita-se que isso acontece porque o Cristianismo, em suas múltiplas faces –
católicos, protestantes, evangélicos e neopentecostais, só para citar alguns
exemplos, vêm na homossexualidade, segundo os cristãos conservadores uma
transgressão da lei divina ou um crime contra a natureza, sendo classificado no
Velho Testamento como uma ‘abominação’ e um grande pecado diante de Deus.
No
século passado era difícil imaginar as mudanças sociais e as conquistas dos
direitos civis atuais e a aceitação de relações homo afetivas, principalmente
pelos segmentes mais tradicionais do Cristianismo. Mesmo nas décadas de 70 e 80
do século passado, a intolerância e o preconceito eram infinitamente maiores do
que atualmente. Mesmo assim, ainda existe, e pior, muitas vezes velado, pois, na
maior parte das vezes são pessoas ligadas à religião cristã ou a pessoas da
família. Essas mudanças e conquistas vêm acontecendo porque um número crescente
de homens e mulheres vêm trabalhando ao longo dos anos, com a intenção de
melhor garantir os direitos e as liberdades civis dos homossexuais. Com a
incorporação dos mais jovens militantes e com o início da unificação das lutas
por alguns direitos básicos, os homossexuais obtiveram algumas conquistas. Mas,
ainda que tenham obtido essas conquistas iniciais, o caminho a percorrer está
longe de ser suave. Os movimentos liderados pelos homossexuais deparam-se com
muitos obstáculos, principalmente no que tange a aceitação, pois, segundo David
Zimerman, “a plena aceitação da homossexualidade ainda continua sendo uma
temática bastante polêmica e contraditória. No entanto, existem evidências de
que esteja acontecendo uma progressiva aceitação dos especialistas e da
sociedade” (ZIMERMAN, 2007, p. 124). Ainda segundo ele, dois fatores concorrem
para isso:
Um é o
fato de que na moderna ‘classificação das doenças mentais’ (DSM-IV), a
homossexualidade não consta como sendo uma doença propriamente dita (o que não
impede que determinadas situações homossexuais
sejam bastante doentes), mas sim, como uma livre opção de escolha dos
parceiros, homossexual ou heterossexual, a que toda pessoa tem direito. O
segundo fator se deve a que a comunidade gay de quase todo o mundo, mercê de
lideranças dignas e respeitadas, soube se fazer reconhecer, ocupar lugar de
responsabilidade no contexto social, como nas campanhas de prevenção contra a
AIDS (ZIMERMAN, 2007, p. 124).
Assim,
fazendo uma retrospectiva em pouco mais de um século de luta, o movimento
homossexual conquistou direitos que, antes ninguém imaginaria. [4] Não resta
dúvida que a homofobia continua existindo, porém, ela é incomparavelmente menos
virulenta do que foi há alguns anos. Muitos estudiosos são da opinião que o
problema da homossexualidade é fundamentalmente a libertação dos mitos, dos
dogmas e das formas de descriminação e intolerância religiosa. É visível ainda
que, muitas pessoas ainda vivem atreladas a um passado longínquo e presas a
determinados valores e dogmas que não são aceites por grande parte da sociedade
contemporânea, tendo em conta as diversas transformações sociais, políticas e
religiosas que vivemos atualmente.
Mas, Segundo Vincent J. Genovesi Sj, antes de
tentar desmascarar os mitos que cercam a homossexualidade, podemos em primeiro
lugar perguntar como os mitos e os equívocos alcançaram tanta proeminência.
Para ele, “talvez uma versão mais profunda dessa pergunta tenha sido
apresentada por James Harrison, ministro e psicólogo clínico que exerce sua
profissão em Nova York” (GENOVESI, 2008, p. 244). Segundo Harrison,
“considerando que, uma de cada vinte pessoas que nos rodeia é homossexual, por
que será que sabemos tão pouco a respeito da homossexualidade e dos
homossexuais, e, que uma parte tão grande do que pensamos que sabemos é falsa”?
(HARRISON, 1977, p. 137 apud GENOVESI, 2008). A razão para a nossa ignorância e
nossos juízes falsos diz Harrison, é a intolerância da sociedade. Essa
intolerância muitas vezes encontra-se legitimado através de passagens isoladas
da Bíblia, os quais são interpretados de forma literal pelos diversos segmentos
do Cristianismo ‘conservador’[5] mostrando assim claramente, segundo eles, que
Deus é contra a homossexualidade, pois, esse foi um dos motivos que Ele
destruiu Sodoma e Gomorra, como descrito no (Gn 19).
Harrison explica ainda que, devido principalmente à
discriminação e ao ridículo aos quais sabem que seriam submetidos, muitos
homossexuais procuram negar ou ocultar sua orientação sexual. Se desejarem
viver em paz e sem riscos para seus direitos civis, os homossexuais muitas vezes
sentem-se obrigados a uma espécie de existência invisível, mas, é em grande
parte por causa da invisibilidade que surgem e perduram as caracterizações
convencionais dos homossexuais. Porém, atualmente, para muita gente, a ideia de
estigmatizar alguém por causa de sua sexualidade parece ridícula e teria
parecido estranha para o povo da Grécia Antiga, por volta do ano 500, a. C. Na
então sociedade onde até mesmo os deuses, (Zeus, Dionísio e Afrodite),
favoreciam casos amorosos com ambos os sexos, os meros mortais se mostravam
igualmente liberadas da moderna convenção sexual.
Assim,
nosso objetivo com esse artigo é analisar em primeiro lugar alguns autores que
refletem sobre esse tema enfatizando historicamente os problemas enfrentados
pelos homossexuais ao longo dos tempos, mas, principalmente, na sociedade
contemporânea. Em segundo lugar, analisar criticamente algumas passagens
bíblicas que, de acordo com as interpretações dos crentes e fiéis, Deus condena
a homossexualidade, e por isso, o Cristianismo mesmo pregando o ‘amor acima de
tudo’, posiciona-se contrariamente a qualquer tipo de relação homoafetiva, e,
finalmente apresentar-se-á a posição crítica, que visará corroborar ou não, a
tese de que o cristianismo que tem como imperativo o ‘amor a Deus e ao
próximo’, vê na homossexualidade, motivos de exclusão e intolerância.
A FACE
CRISTÃ DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: BREVE ANÁLISE HISTÓRICA
A
questão homossexual afeta o Cristianismo como religião monoteísta (culto a um
único Deus), desde os primórdios da sua criação. Os cristãos sempre acreditaram
que, Deus criou o homem e a mulher (Adão e Eva), como está escrito na Bíblia:
“Deus criou o homem e a mulher à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, o
homem e a mulher ele os criou” (Gn 1: 27). Então, acredita-se que, o homem e a
mulher foram criados biologicamente distintos, apesar da mulher ter sido criada
literalmente a partir da mesma carne e do mesmo sangue que o homem, pois, como
descrita no (Gn 2: 23), logo após a retirada da costela do homem, Iahweh
modelou uma mulher e a trouxe ao homem. Então, ele exclamou: “Esta sim, é osso
dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada de mulher, porque foi
tirada do homem!” (Gn 1: 24).[6]
Os
cristãos postulam que, a partir da criação formou-se assim a unidade
heterossexual que determinou a primeira forma de ‘família tradicional’ como é
considerada atualmente, principalmente pelos mais conservadores. Assim,
partindo desse princípio da unidade heterossexual, qualquer união que fuja a
esse padrão, como no caso da união homo afetiva, é contra os desígnios de Deus.
Portanto, o relacionamento conjugal para os cristãos só é possível entre o
homem e a mulher, e, consequentemente qualquer relacionamento que não seja
heterossexual, não tem valor a luz da palavra de Deus.
Entretanto,
uma visão diferente é apresentada por John Boswell, em seu clássico
Christianity, social tolerante and homosexuality (Cristianismo, tolerância
social e homossexualidade). Boswell defende que “o primeiro milénio do
Cristianismo foi muito mais tolerante à homossexualidade do que vulgarmente se
imagina: padres, reis e nobres, até santos, foram publicamente reconhecidos
como amantes do mesmo sexo”.[7] Nela, o autor faz uma análise histórica
interessante, alegando que atitudes religiosas intolerantes em relação à
homossexualidade, são apenas uma invenção recente e que a atitude prevalecente,
mesmo entre o Cristianismo primitivo, era de tolerância, seguindo as atitudes
romanas da época. Como exemplo de tolerância segundo Da Silva (2007, p. 85), no
“Império Romano, foi promulgada uma lei, conhecida como Lex Scatina, destinada
a regulamentar o comportamento sexual”. De acordo com essa lei, os romanos não
podiam amar os meninos livres […], contudo, podiam ter relacionamentos sexuais
com os meninos escravos. (Ibid.).[8] O objetivo dessa lei era proteger apenas
os garotos livres, mas, segundo a autora, na prática não impediu tal costume
(Ibid.). Analisando essa lei sob a lupa da sociedade atual, ela é legalmente e
moralmente condenável, pois, as crianças e os adolescentes devem ser protegidos
(as) contra todo e qualquer tipo de abuso sexual, sendo os infratores julgados
e condenados por tais práticas. Mas, o que não se pode ignorar é que, ao longo
da história da humanidade, todas as sociedades têm exibido formas de amor
homossexual. A partir disso, podemos então inferir corroborando a tese de
Spencer (1996, p. 371), de que o que chamamos hoje de homossexualidade é um
aspecto permanente da natureza sexual do homo sapiens.
A
narrativa presente no Gênesis, segundo a interpretação dos cristãos, Deus não
queria que Adão e Eva vivessem sozinhos, por isso, Ele os abençoou e lhes disse
“Sede fecundos, multiplicai-vos enchei a terra”[…] (Gn 1: 28). A partir daí e
fazendo uma interpretação literal dessa passagem, os cristãos acreditam
fielmente que, estaria selado o pressuposto básico, ou seja, o modelo da
família aprovado com o selo divino. Mas, o que não está explicado e que ainda
causa inúmeros questionamentos é como que a partir de um único casal seria
possível multiplicar e encher a terra, sem que pelo menos fosse violado um dos
princípios condenados na Bíblia, ou seja, o incesto. Penna, é de opinião que,
são inquestionáveis algumas contradições facilmente detectáveis, mas, “de
qualquer modo, há quem sustente que a Bíblia é um texto absolutamente
irretocável. Tudo quanto nela se registra devemos confiram como marcado pela
infalibilidade, mesmo quando propondo afirmações desqualificáveis” […] (PENNA,
1999, p. 102). Essa, segundo Penna, “é a tese dos ‘fundamentalistas’.” (Ibid.).
Seguindo
a mesma narrativa, observa-se que passados milênios após a criação, os
problemas que assolam a família atual estão relacionados intimamente com os
papeis femininos e masculinos, ou seja, emancipação feminina, uniões
homoafetivas, liberdade sexual, etc. Aos olhos dos cristãos, esses fatos
conduziram necessariamente ao que comumente é conhecido como a ‘crise da
família tradicional’. Com a revolução sexual dos anos 60 até agora, segundo
Pondé (2011), foram inúmeras as transformações que aconteceram no seio da
família, da igreja e da sociedade em geral. Mas, o tema homossexualidade,
possivelmente é um dos temas mais problemáticos para os segmentos cristãos mais
conservadores.
Assim,
rejeitados por suas comunidades de fé ao revelarem sua orientação sexual, boa
parte dos homossexuais são afastados não formalmente, mas pela intolerância,
ódio, desprezo e indiferença. Muitos até tentam ofuscar seus sentimentos,
fazendo de tudo para deixar de sentir atração física por pessoas do mesmo sexo,
o que geralmente gera tormentos pelo peso da culpa que acham que carregam.
Nesse aspecto as relações entre os cristãos e os homossexuais não é de todo
pacífico, uma vez que lhes causa muito sofrimento. Eles são tratados como seres
pecadores fazendo com que cada vez mais evitem revelar sua identidade sexual à
família, à igreja que frequentam e a sociedade onde se encontram inseridos,
como forma de autoproteção. Porém, atualmente as coisas são bem diferentes do
que foi há um século.
Ao
investigar sobre a origem etimológica da palavra homossexual, encontrou-se na
obra de Oiced Mocam, Religiões: tudo o que você precisa saber antes de morrer,
lançado em 2015, no capítulo cujo título é A homossexualidade – a hipocrisia
das religiões, uma passagem que afirma que, a palavra homossexual foi criada em
1869, reunindo duas raízes linguísticas: homo (do grego, significando ‘igual’)
e sexus (do latim, significando ‘sexo’), assim, literalmente pode-se inferir
que o termo significa “sexo entre iguais”. Ainda segundo o autor supracitado, o
poeta e escritor Goethe, afirmou que, a homossexualidade é tão antiga quanto à
humanidade. Certamente, cada tempo com sua experiência singular, mas com o
mesmo direcionar de desejo: o sexo igual (MOCAM, 2015, p, 56). Mas, apesar da
antiguidade dos atos homossexuais, em nenhuma parte da Bíblia encontra-se
referência explicita à palavra homossexual como tal, se não forem puras
interpretações, pois, como se viu essa expressão surgiu recentemente, mais
concretamente no séc. XIX. Mesmo os que admitem que a Bíblia condena a
homossexualidade não confirmam que as Escrituras cogitam um relacionamento
homossexual como entendemos atualmente.
Em seu
livro Em busca do amor: moralidade católica e sexualidade, Genovesi (2008, p.
247) elenca algumas das definições usadas por diversos autores para descrever o
que significa ser homossexual.
Primeiro:
os homossexuais “são aqueles indivíduos que de maneira mais ou menos crônica
sentem persistente desejo e receptividade sexuais em relação à pessoas do mesmo
sexo e que procuram a satisfação desse desejo principalmente com pessoas do
mesmo sexo” (RUBIN, 1965, p. 1); segundo: o homossexual é alguém “que na vida
adulta, é motivada por uma atração erótica preferencial definida para pessoas
do mesmo sexo e que habitualmente (mas não necessariamente) mantém evidentes
relações homossexuais com eles” (MARMON, 1965, p. 4); terceiro: o homossexual é
um adulto, “cuja orientação afetiva e genital principal volta-se primeiramente
para o mesmo sexo” (NELSON, 1979, p. 201); quarto e último, os homossexuais,
são “os que sentem à vontade e se afirmam quando tem intimidade com outras
pessoas do mesmo sexo, enquanto, com o sexo oposto, sentem-se fracos,
ressentidos, amedrontados ou apenas indiferentes e menos a vontade quando a
intimidade genital é possível ou ocorre” (KKTAFT, 1981, p. 371).
Em
todas essas definições não é visível nenhum tipo nenhum tipo de condenação à
luz das interpretações de passagens isoladas da Bíblia. Apesar do apelo sexual
com pessoas do mesmo sexo, os homossexuais são pessoas que fazem parte da nossa
rede de amigos, colegas de trabalho, familiares próximos ou distantes, em fim,
são nossos iguais, e como tal, devem ser tratados com respeito, pois, tudo
começa com o respeito. Mas a grande questão é: será que condenar pessoas por
suas preferências sexuais tendo como base a Bíblia é fazer justiça de Deus?
Retomando
o que foi dito por Mocam, o vocábulo ganharia outros derivados:
‘homossexualismo’, considerado um termo pejorativo, por isso, utilizado por
pessoas com uma visão negativa da homossexualidade, pois, o sufixo ismo remete
à doença; a ‘homossexualidade’, que pode ser definida como condição ou
qualidade do homossexual que foi introduzida, segundo Vidal (2002), a partir do
séc. XIX por um médico de nacionalidade húngaro. Assim, “apesar da sua
conotação clínica inicial, ele passou a ser uma realidade humana total de
pessoas cuja pulsão sexual orienta para indivíduos do mesmo sexo” (VIDAL, 2002,
p. 117); e, recentemente ‘homoafetividade’, que é entendida como uma relação
afetiva entre duas pessoas do mesmo sexo que desejam o reconhecimento legal de
seus direitos.
No
Brasil, o casamento homoafetivo foi reconhecido como entidade familiar pelo
Supremo Tribunal Federal em 05 de maio de 2011.[9] Então, a partir dessa data, em
tese, desapareceram os empecilhos legais para a união homoafetiva de duas
pessoas visando obter os mesmos direitos civis que os casais heterossexuais,
garantindo assim, o princípio da dignidade humana e da igualdade reconhecida
judicialmente entre pessoas do mesmo sexo. Porém, há muito tempo sabe-se
segundo Fonseca (2016) que, a união entre pessoas do mesmo sexo não é novidade
na história da civilização. Em todos os tempos e civilizações essa união
ocorreu de forma explícita ou implícita. Mas, na tradição ocidental cristã,
dificilmente se podia encontrar menção a qualquer texto normativo que
reconhecesse essa relação. Portanto, para os cristãos o casamento válido e
aprovado por Deus e pela Sagrada Escritura é o casamento entre o homem e a
mulher. Então, é nessa parte é que se dá a cisão entre o direito legal e o
conteúdo bíblico.
Ao
analisar a relação entre os cristãos e os homossexuais, pode-se prever que atos
de intolerância estão muito longe de ter um fim, pelo menos no Brasil e que há
ainda um longo caminho a percorrer, tendo em conta que durante séculos a
sociedade brasileira foi orientada pela religião assim como pelos costumes, a
tratar os homossexuais como diferentes. Assim, segundo Genovesi, mesmo, à luz
da intolerância e descriminação, diversas observações são oportunas. Para
começar,
ter
experiências homossexuais isoladas ou periódicas não quer dizer que alguém é
homossexual. Os adolescentes, em especial, podem sentir atração sexual por
pessoas do mesmo sexo, mas muitas vezes essas experiências em si são apenas
reflexos de curiosidade sexual e manifestação sexual de uma das fases do
desenvolvimento psicossexual. Como tal, não indicam que esses adolescentes são
ou virão a ser homossexuais para o resto da vida. Ao mesmo tempo, há quem
jamais tenha contato sexual ou genital explícito com pessoas do mesmo sexo e é,
contudo, verdadeiramente homossexual, visto que sua atração erótica
predominante volta-se para as pessoas do mesmo sexo e é só com elas que
consegue encontrar a realização afetiva (GENOVESI, 2008, p. 248).
Então,
torna-se necessário reconhecer a diferença existente entre a orientação
homossexual de alguém e a atividade genital resultante da atração física que
esse alguém sente por pessoas do mesmo sexo, uma vez que, nem toda a atividade
homogenital reflete uma verdadeira orientação homossexual.[10] Por isso,
torna-se importante reconhecer a existência do fenômeno da
pseudo-homossexualidade[11]. De acordo com Bob Hofman,
A
verdadeira homossexualidade é inata. Da mesma forma que uma pessoa nasce grega,
chinesa, preta, escandinava, surda, cega, retardada, paralítica, ou o quer que
seja, nasce-se para ser hetero ou homossexual. É atualmente conhecido que a
orientação sexual de uma criança é determinada numa idade muito nova. […] Com
dezessete meses. Então obviamente a homossexualidade inata está além das causas
da programação (HOFFMAN, 1991, p. 62).
Reafirma-se
que, a homossexualidade está em todas as culturas, em todas as épocas e
lugares, embora numericamente, pode-se considerar que, os homossexuais sempre
foram a minoria entre os heteros. Estudiosos, afirmam que ela é tão antiga,
como a própria humanidade como já foi citado, porém, na Antiguidade ninguém
saía ostentando sua orientação sexual em público. Investigações recentes
mostram que, por milhares de anos, o amor entre iguais era tão comum que não
existia nem o conceito de homossexualidade. Na mitologia grega, romana ou entre
os deuses hindus e babilônicos, a homossexualidade existia. Assim como se
imagina que a homossexualidade tenha inspirado os jovens guerreiros da Grécia a
atos de bravura em defesa da liberdade. De acordo com Rodrigues Lima,
entre a
maioria dos povos da Antiguidade no tocante a homossexualidade, tinha um
vínculo muito forte com a religião, por exemplo, muitos deuses se apresentavam
como bissexuais, homossexuais ou não tinha sexo definido. O deus Hindu Ganesha,
era um mito que nasceu de uma relação sexual entre duas divindades femininas. E
se referindo à mitologia grega, Herácles, obteve a ajuda de sua amante Eromenos
para concluir seu trabalho oitavo (RODRIGUES, 2008 apud ILÁRIOS, 2016, p. 54).
No
período clássico a homossexualidade floresceu a partir do século VI a. C.,
período que coincide com a passagem para uma vida mais tranquila e confortável.
Entretanto, Em Atenas, nos séculos V e IV a.C.,
o
contato sexual entre homens possuía uma particularidade: apesar de ocorrer com
frequência, em hipótese alguma os envolvidos poderiam denotar alguma
feminilidade, recusar sua masculinidade, travestir-se ou comportar-se como uma
mulher, diferentemente de alguns grupos homossexuais contemporâneos, que se
vestem caracteristicamente de forma afeminada, transformam seu corpo com o uso
de hormônios femininos e até mudam de sexo por meio de intervenções cirúrgicas.
Um cidadão ateniense, ao se comportar como uma mulher, estaria se sujeitando a
uma posição aquém daquela a qual pertencia, rejeitando sua cidadania e seus
direitos (SOUSA, 2008, p. 22).
Do
ponto de vista antropológico, cada cultura inventou formas diferentes de
satisfazer a sexualidade, como as transmite e regula sua normativa. Então,
entre as culturas, vários fatores favoreceram a homossexualidade, como resposta
às condições de vida. Na obra Homossexualidade: ciência e consciência, cuja
terceira edição é de 1998, os autores elencam alguns aspetos como se lidou com
a homossexualidade para resolver problemas sociais emergentes. Assim, entre as
várias culturas destacam-se:
a
cultura chukchee da Sibéria resolve com a homossexualidade o problema social do
excesso de solteiros devido aos altos preços que deviam pagar pelas esposas […]
Os Koniag encontram na homossexualidade a solução para a necessidade de ter
magos, de poder conjugar espíritos e seres superiores em benefício do grupo.
Dos karaki, pode-se afirmar que com a homossexualidade marcam claramente a
hierarquia entre os recém-iniciados e o resto dos não casados, ao mesmo tempo que
é uma forma de desafogo da sexualidade para os que não tem esposa. […] os crow
e outros povos têm relações homossexuais como solução para o problema do
desafogo sexual que, fundamentalmente, se centra nos jovens não casados (VIDAL,
et al., p. 40, 41).
Entre
as culturas que refutam a homossexualidade, a caraterística de pressão sexual
deve-se dar normalmente em níveis pré-matrimoniais. Então, as culturas que
optam pela repressão sexual o fazem em função da clareza da estrutura social.
Não há problemas de filhos ilegítimos, mães solteiras, incesto. Com a repressão
da homossexualidade, os papeis dos homens são separados dos femininos, vai-se
da diversidade dos corpos à diversidade de funções entre homens e mulheres e se
aclara a instituição do matrimónio, o nexo entre o sexual e o procriativo, a
delimitação das relações entre homens (VIDAL, et al, p. 42).
Segundo
Tom Ambrose, em sua obra Heróis e exílios: ícones gays através da história,
(2011) a poetisa Safo (c. 630-570 a.C.), não via incongruência ao combinar seu
papel social como esposa com suas ligações com pessoas do mesmo sexo. Ainda
segundo ele, o biógrafo grego Plutarco (46-119, a.C), sabiamente escreveu na
época que, “nenhuma pessoa sensata pode imaginar que os sexos deferiam em
matéria de amor, como o fazem quanto ao vestuário. O amante inteligente de
beleza se atrairá pela beleza seja qual for o gênero em que ela se encontre”
(AMBROSE, 2011, p. 4). Ainda segundo ele, com a ascensão do poderio romano, as
atitudes em relação à homossexualidade mudaram, e o sistema mestre-pupilo do
amor grego perdeu o beneplácito. No entanto, a homossexualidade continuou livre
de qualquer controlo social ou legal.
Ainda
segundo esse autor, séculos depois, o historiador inglês Edward Gibbon
(1737-1794), ao escrever sobre o século XVIII, afirmou que, dos 12 primeiros
imperadores romanos, apenas Claudius (10 a.C-54 d.C) era exclusivamente
heterossexual, tendo sido até criticado por seu próprio historiador, Suetônio
(69, a.C-122 d.C), por ser muito restrito em seus gostos sexuais. Porém,
contrariando o que foi dito por John Boswell, citado anteriormente no que tange
a tolerância social perante os homossexuais, Ambrose afirma que,
depois
que o imperador Constantino (morto em 337 d.C) se converteu ao Cristianismo em
313 d. C., a tolerância e até mesmo o desinteresse, em relação a
homossexualidade na Antiguidade foi banida pela ascensão do Cristianismo.[12] A
fundamentação da Igreja para atacar a homossexualidade parece ter sido o único
verso do Livro Levíctio no Antigo Testamento, que parecia ordenar a perseguição
dos sodomitas. Na realidade a Igreja recentemente vitoriosa procurava dominar e
controlar todos os aspetos da vida humana, inclusivo no âmbito sexual.
(AMBROSE, 2011, p. 6).
Retomando
a narrativa que descreve a homossexualidade na Antiguidade, constata-se que
nessa época o sexo não tinha como objetivo único a procriação, mas, tudo
começou a mudar com o advento das religiões monoteístas no ocidente. O
Judaísmo, primeira religião monoteísta, já pregava que as relações sexuais
tinham como o único fim a máxima exigida por Deus, explícita no (Gn 1: 28)
anteriormente citado. Até o início do século IV, essa ideia, ficou restrita à
comunidade judaica e aos poucos cristãos que existiam. Entretanto, não há como
negar que,
Judaísmo
e sodomia desde sua origem e ao longo dos últimos quatro mil anos, estiverem
sempre juntos. No mais das vezes o judaísmo condenando os homossexuais.
Intimamente ligados, porém, quando as vivências biográficas de judeus gays e
lésbicas judias. Ambos sofrendo os horrores da intolerância, os filhos de
Sodoma e de Abraão executados nas mesmas fogueiras da Inquisição e dos campos
de concentração (GORENSTEIN et al, 2005, p.25).
Segundo
Carroll, uma das críticas dos cristãos aos judeus é que o Deus do Velho Testamento
era o Deus da Lei sem coração, da vingança, da punição, enquanto que o Deus do
Novo Testamento é o Deus do amor, da misericórdia e do perdão (CARROL, 2002, p.
132).
Assim,
com o advento do Cristianismo, religião com pretensões universalistas que
surgiu a partir da mensagem e dos ensinamentos de Jesus, tais como apresentados
no Novo Testamento, cuja mensagem principal, era o amor acima de tudo, houve um
deslocamento conceitual e teológico. Portanto, se a vingança e a punição divina
era a marca registrada do Velho Testamento, então, o Novo Testamento tendo como
fundamento o perdão e o amor, mostram os caminhos a serem percorridos pelo bom
cristão que, acima de tudo, estão impregnados de amor incondicional. Em tese,
usando a máxima do “amor acima de tudo”, deveria ser possível ser mais
tolerante com o outro, pois, na Bíblia é possível identificar exemplos de amor
entre pessoas do mesmo sexo, ainda que não referindo ao sexo explícito como nos
casos de Davi e Jonatas, Rute e Noemi, Daniel e eunuco-chefe de Nabucodonosor.
Se na
Bíblia existem passagens que quando interpretados literalmente, condenam as
práticas homossexuais, o mesmo não se pode dizer em relação a Cristo, pois,
segundo vários intérpretes da Bíblia, ele nunca falou nenhuma palavra contra os
homossexuais, o que de certa forma pode contrariar o argumento usado pelos
cristãos de que a Bíblia condena a homossexualidade. Então, como pode os
cristãos odiar tanto os homossexuais se o próprio Cristo, a pedra angular do
Cristianismo nada disse que pudesse condená-los? Uma das possíveis respostas
está na intolerância, muitas vezes subsidiada por interpretações literais de
passagens isoladas da Bíblia Sagrada, pois, como se sabe, essa forma
interpretativa pode levar ao fundamentalismo religioso, portanto, a atitudes de
intolerância, tendo em conta que, nem sempre as palavras e as mensagens
significam o que elas dizem. Armstrong (2007, p. 10), corrobora essa ideia ao
afirma que, “desde os primórdios, a Bíblia não teve uma única mensagem”,
portanto, para melhor descodificar e entender a mensagem bíblica, ela deve ser
sempre contextualizada ao momento histórico, filosófico, político e religioso
de cada época.
Por
isso, no próximo item do nosso artigo, iremos refletir criticamente sobre
algumas passagens Bíblicas no que tange as relações entre os homossexuais e os
cristãos, pois, estes muitas vezes, fazem uma análise desprovida de diretrizes
suficientemente elaboradas dos conceitos e das passagens apresentadas na
Bíblia, e, uma parte significativa chega a beirar a legitimação de suas
interpretações através do senso comum que não requer estudos exegéticos
críticos e detalhados.
INTERPRETAÇÕES
DIVERGENTES DA BÍBLIA: O SUSTENTÁCULO DA INTOLERÂNCIA CRISTÃ FACE A
HOMOSSEXUALIDADE
A
Bíblia até então considerado o texto sagrado por excelência para o
Cristianismo, é também tido como um guia moral, não só para os cristãos, mas,
para a humanidade, pois, nele encontram-se, segundo os líderes religiosos
cristãos, o verdadeiro e perfeito padrão de comportamento e moralidade,
norteada pelo perdão, pela caridade, tolerância, e, acima de tudo, pelo amor à
Deus e ao próximo, como está escrito no primeiro e segundo mandamentos (Mt 1:
37) “Amarás ao Senhor, teu Deus de todo o coração, de toda a tua alma, de todo
o teu entendimento”, e, (Mt 1:38) “Amarás o teu próximo como amarás a ti
mesmo”. A esses dois mandamentos, adicionam-se mais oito, formando assim o
‘Decálogo’ que sintetizam as prescrições do Antigo Testamento, e, por isso, os
cristãos são obrigados a cumprí-los. Por isso, segundo Ferry (2007, p. 97),
“pode-se dizer que o Cristianismo é a primeira moral universalista”, por isso,
ele é essencial para a vida do cristão porque proporciona segundo Armstrong
(2007), o único acesso a Jesus.
Nos
dois mandamentos acima citados, o que mais chama atenção é o ‘amor
incondicional’ não só a Deus, mas, principalmente ao próximo. Assim, esse
princípio deveria ser o imperativo supremo norteadora das nossas relações
interpessoais independentemente da origem, da raça, da cor, da orientação
sexual, etc., pois, “amar ao próximo como a si mesmo” é efetivamente uma forma
de priorizar o outro, através do amor cristão. Mas, quando se trata dos
homossexuais, é visível por parte dos cristãos que, esse mandamento não é
interpretado literalmente, assim como outras passagens bíblicas tidas como
condenatórias da homossexualidade, o que por si só, demonstra que nem sempre as
interpretações literais são as mais adequadas.
Porém,
os cristãos conservadores propõem que a Bíblia, ‘reveladora da palavra de Deus’,
seja interpretada literalmente, ou seja, ao pé da letra como a linha mestra que
orienta a moralidade cristã. Esta posição, segundo vários intérpretes é falha
por várias razões, pois, dependendo de quem, da época, do contexto e dos
objetivos religiosos, multiplicam-se as interpretações, não havendo
objetividade na sua exegese. A própria Bíblia está cheia de exemplos de
intolerância religiosa. O Apóstolo Paulo, por exemplo, que se converteu ao
Cristianismo, após várias investidas contra a liberdade de cultos dos cristãos
no primeiro século, foi humilde ao reconhecer o seu grande erro: “Porque eu sou
o menos dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado de apóstolo, pois que
persegui a Igreja de Deus” (1 Co 15, 9). Assim, segundo Armstrong, qualquer interpretação
que dissemine ódio ou desdém é ilegítima, e por essa razão, “a Bíblia
atualmente corre o risco de se tornar letra morta ou irrelevante, pois, tem
sido distorcida por afirmações de infalibilidade literal […]” (ARMSTRONG, 2007,
p. 225).
A
partir daí pode-se inferir que os cristãos que aplicam a interpretação literal
da Bíblia em sua vida e na dos outros estão, na verdade violando os
ensinamentos de Cristo, pois, sua principal mensagem era de amor, fraternidade,
tolerância, por isso, segundo Ferry (2007), Cristo sai do círculo dos
conformistas, ou seja, daqueles que pensam na interpretação e aplicação estrita
dos versículos e apela à consciência dos crentes, questionando se realmente
eles tinham consciência e certeza do que estavam fazendo. Essa questão é tão
atual que pode ser repetida sempre que se depare com qualquer ato de
intolerância, sobretudo, em relação aos seguidores de Cristo quando destilam
seu ódio venenoso perante os homossexuais.
A
religião judaico-cristã sempre teve o entendimento que a homossexualidade era
contrária à natureza humana, como expresso em (Rm, 1: 26, 27), “Por isso Deus
os entregou às paixões aviltantes: […] os homens, deixando a relação natural
com a mulher, arderam uns com os outros, praticando torpezas homens com homens
e recebendo em si mesmos a paga da sua aberração”. Nessa passagem, segundo
(BRAKEMEIER, 2008), o apóstolo Paulo acusa os heterossexuais de terem
culposamente abandonado à ordem natural do sexo e ter preferido a perversão
homossexual. Atualmente não tem sido diferente, pois, essa passagem tem sido
usada pelos cristãos conservadores como um dos principais argumentos contra a
homossexualidade, pois, acreditam e defendem que “não é natural”, pois, muitos
afirmam que ‘Deus criou Adão e Eva, não Adão e Ivo’. A justificativa geralmente
apresentada é que, o relacionamento ‘natural’ entre o homem e a mulher está
estabelecido na ordem regular da natureza, porém, os pagãos (homossexuais) são
culpados pela violação desta mesma natureza ao preferirem contrariar a ordem
natural estabelecido por Deus, desde a criação.
Entretanto,
explorando a Bíblia a fundo, observa-se que, não existe nenhum tipo de
condenação ou proibição da homossexualidade a semelhança dos dias atuais, onde
a homofobia, conceito que entrou no vocabulário atual a partir da década de
1970, tendo sido usado segundo (SILVA, et al, 2017 ), pela primeira vez, por K.
T. Smith nos EUA, em 1971, mas, a primeira definição só seria apresentado por
G. Weinberg em 1972, segundo o qual, a homofobia seria, “o receio de estar com
um homossexual em um espaço fechado” […]. Atualmente essa expressão, significa
segundo Guimarães (2012, p. 1), “qualquer forma de descriminação e preconceito
contra homossexuais, seja partindo de uma pessoa, grupo ou instituição, seja
partindo de um homossexual e até de si mesmo”, mas, segundo da Silva (2007, p.
87) foi “a condenação do famoso escritor Oscar Wild na Inglaterra no final do
século XIX, marcou a institucionalização da homofobia”.
Segundo
Daniel J. Harrington, em sua obra Jesus e a ética da virtude: construindo
pontes entre os estudos do novo testamento “as duas proibições explicitas ao
comportamento homossexual presentes no Antigo Testamento constam do Código de
Santidade do Levítico. Ambos surgem entre ‘abominações’ tais como relações
sexuais entre parentes próximos, sacrifício infantil e bestialidade”
(HARRINGTON, et al. 2006, p. 241). Assim, para os cristãos, o (Lv 18, 22)
decreta literalmente: “Não te deitarás com um homem como se deita com uma
mulher. É abominação”; o (Lv 20, 13), também proíbe a atividade homossexual: “o
homem que se deita com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometem uma
abominação, deverão morrer, e o seu sangue cairá sobre eles” (Ibid.). Apesar da
condenação explicita à morte citado no último versículo, segundo Harrington,
não há, contudo, nenhuma prova Bíblica de que alguém tenha de fato sido
condenado à morte pela prática de homossexualidade.
A
palavra ‘abominação’ que aparece nos dois versículos acima citados tem sido uma
‘arma’ poderosa usada pelos cristãos, quando se trata de condenar os atos
homossexuais, pois, em todo caso, para alguns cristãos, eles são considerados
‘impuros’, mas, segundo Daniel Helminiak, ‘abominável’ é apenas um sinónimo de
‘impuro’, pois, uma abominação é uma violação das regras da pureza que governa
a sociedade. Por isso o (Lv 20: 25), Deus prometeu separar os puros dos impuros
“farei distinção entre animal puro e impuro, entre a ave pura e a impura. Não
vos torneis vós mesmos imundos como animais, aves e com tudo o que rasteja
sobre a terra, pois, eu vos fiz pô-los à parte, como impuros”. Por muito tempo
essa separação, presente entre os cristãos que se auto-intitulam como ‘puros’ e
os homossexuais considerados por eles como ‘impuros’ esteve claramente
delimitado, pois, sob esse estigma religioso, os homossexuais sempre foram
tratados com intolerância, violando assim, o princípio da liberdade e dignidade
humana. Atualmente essa distinção entre ‘puros’ e ‘impuros’ é uma questão
problemática como sempre foi, pois, a homossexualidade está presente em todas
as instituições sociais inclusive nas igrejas que, muitas vezes tem sido
omissas relativamente a atos homossexuais e até crimes de pedofilia e estupro
de vulneráveis praticado pelos seus membros ao longo da história das igrejas.
Retomando
o citado Código de Levítico, Daniel Helminiak afirama em sua obra O que
realmente a Bíblia diz sobre a homossexualidade,que:
A
questão é que o Código Sagrado do Levítico proíbe o ato sexual entre os homens
devido a considerações religiosas, e não sexuais. A intenção era a de impedir
Israel de participar das práticas dos gentios. O sexo homogenital era proibido
porque estava associado à atividade pagã, à idolatria e à identidade gentia
(HELMINIAK, 1998, p. 50).
Pode-se
concluir segundo Helminiak que, a questão no Levítico era religiosa e não ético
ou moral. Isso equivale a dizer que o sexo em si ser certo ou errado, nunca foi
cogitado. Tratava-se apenas da manutenção de uma forte identidade judaica. Já
no Novo Testamento, segundo Hutchinson (2013) grande parte do ataque exegético
concentra-se em São Paulo, uma vez que, ele discute principalmente em Romanos e
Coríntios, através dos seguintes versículos: (Rm 1: 18) “manifesta-se, com
efeito, a ira de Deus do alto do céu, contra toda a impiedade e injustiça dos
homens que mantem a verdade prisioneira da injustiça”; (Rm 1: 23) “Trocaram a
glória de Deus incorruptível por imagens do homem corruptível […]; (Rm 1: 24)
“Por isso, Deus os entregou segundo o desejo de seus corações à impureza em que
eles mesmos desonraram seus corpos”, (Rm, 1: 26, 27) citado anteriormente; e,
(1 Cr 6: 10) “Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros,
nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os
bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus.
Acredita-se,
que a grande questão que leva a intolerância religiosa face aos homossexuais,
usando como suporte a Bíblia reside na matriz exegética usada, pois, o modo que
se interpreta os textos é fundamental. Uma das críticas apontadas por Helminiak
(1998, p. 24) na exegética bíblica, é que algumas palavras e passagens podem
ter um determinado significado para nós atualmente e, na época das pessoas que
as escreveram, seu significado ter sido totalmente diferente. Por outro lado, é
preciso entender que, naquela época, as pessoas não tinham a concepção de
homossexualidade como temos atualmente, pois, tratava-se de uma sociedade
patriarcal, em que o sexo, geralmente não estava vinculado com amor e muito menos
com afeto. Portanto, o sexo era meio de procriação e de prazer, mas também de
dominação, pois, após as batalhas, os vitoriosos, obrigavam os derrotados a
prática de sexo, assim como os donos de escravos (as) que, para exercerem sua
dominação praticavam sexo forçado com seus (as) escravos (as).
Em sua
obra Christianity and morals (Cristianismo e moral), cuja primeira publicação
foi em 1939, Westermarck, reconhece a existência da uma legislação romana
condenatória da homossexualidade, anterior a difusão do Cristianismo, embora
segundo tal autor, essa legislação raramente tenha sido aplicada. Tudo parece
indicar que esta lei era letra morta e, era aplicado unicamente em casos de
violação de menores livres como foi referido anteriormente por Da Silva (2007).
Os juristas romanos estendiam o marco dessa lei, condenando os atos
homossexuais com menores de 17 anos, em um desejo de protegê-los contra os
abusos dos adultos. Este será o substrato da legislação romana sobre a qual se
articulará a legislação promulgada pelos Imperadores cristãos depois que o
Cristianismo se converte em religião do estado.
As leis
dos Imperadores Constâncio e Constante (342) não apenas condena a pederastia,
mas também aos homossexuais passivos que se ofereceram à maneira de uma mulher.
A lei de Valentiniano II, Teodósio e Arcádio (390) castigam com a pena de serem
queimados vivos os que se dedicam à prostituição homossexual e os que procuram
homens ou rapazes com fins de prostituição (VIDAL, et al, p. 97).
Essa
atitude dos Imperadores cristãos reflete fundamentalmente o pensamento dos
primeiros escritores cristãos. O tema da homossexualidade não é obsessivo, mas
é claramente condenado com base no episódio de Sodoma e em seu caráter
antinatural[13]. Esse episódio é descrita por (GORENSTEIN, et al., 2005, p.25),
ao afirmar que, “a destruição de Sodoma, o principal emblema da homossexualidade
na cultura ocidental”[…] porém, segundo C. Ann Shepherd autor de The bible and
homossexuality (A Bíblia e a homossexualidade), as cidades de Sodoma e Gomorra
não foram destruídos porque os homens se deitavam com outros homens, mas por
uma série infindável de pecados, como estupros e violação homossexual […]
(ALMEIDA, 2001, p. 72). Entretanto, para Constantino (2008, p. 41), o teólogo
Derrick S. Bailey publica um desafio contra a proibição bíblica da
homossexualidade, intitulado Homossexuality and wester chistian tradition
(Homossexualidade e tradição cristã), onde ele defende a tese de que Sodoma e
Gomorra não foram destruídas por práticas homossexuais, mas por falta de
hospitalidade.
Segundo
Helminiak (1998, p. 46), até Jesus entendia que o pecado dessas cidades como o
da falta de hospitalidade. Outras passagens da Bíblia afirmam a mesma coisa de
maneira bastante clara. Ainda assim, os cristãos continuam a citar essa
passagem para condenar os homossexuais. Ainda segundo ele, há uma triste ironia
acerca da desse acontecimento compreendida à luz de seu próprio contexto
histórico atual. As pessoas atacam os homossexuais por não se encaixarem na
sociedade, são deserdados por suas famílias, separados de seus filhos,
despedidos de seus empregos, despejados de imóveis e bairros, insultados por
personalidades públicas, espancados e assassinados. Então, fica a questão:
aqueles que perseguem e oprimem os homossexuais devido ao suposto pecado de
Sodoma, podem ser eles próprios os verdadeiros sodomitas, tal como a Bíblia os
entende? (Ibid.).
Como
foi referido anteriormente, Westermarck reconhece a existência de uma
legislação romana condenatória da homossexualidade, anterior a difusão do
cristianismo, porém, (VIDAL, et al, 1985, p. 95), coloca a seguinte questão:
“até onde o Cristianismo é responsável por essa atitude de rechaço da
homossexualidade que, segundo Ford e Beach, é característica da cultura
ocidental, na qual influíram de forma decisiva as diferentes igrejas cristãs”?
Segundo ele “lançaram-se acusações muito fortes contra o Cristianismo,
considerando-o como um fator decisivo na total desaprovação da homossexualidade
que se percebe nos países de cultura cristã”. (Ibid.). Entretanto, para muitos
intérpretes da Bíblia, Jesus propriamente dito, nada disse sobre a
homossexualidade, e a condenação dos homossexuais parece incompatível com o
Evangélio de amor. Então, o fato de Jesus não ter proferido nenhuma palavra
contra a homossexualidade demonstra que esse assunto não era uma das suas
principais preocupações, pois, sua maior preocupação era com as pessoas
independentemente de qualquer julgamento a priori. Tendo em conta esse cenário,
Armstrong (2007, p. 225) lança um desafio aos cristãos ortodoxos enfatizando
que, em vez de citar a Bíblia com o objetivo de condenar os homossexuais,
deveriam lembrar da fé de Agostinho que sempre procurava a mais caridosa
interpretação de um texto.
Atualmente,
perguntas como essas são muito recorrentes: a homossexualidade deve-se a causas
genéticas ou a socialização? Como toda a sexualidade, é um dom de Deus? Qual
tem sido a postura das Igrejas? Para as duas primeiras questões existem muitas
posições contraditórias e muitos estudos ainda sem respostas definitivas. Mas,
em relação à terceira, os fatos não deixam dúvidas. A história das Igrejas
cristãs é posta em xeque quando chega a ponto da violência física e psicológica
contra os homossexuais. Isso nos leva a levantar uma nova questão: se a
homossexualidade é um pecado, ser homofóbico não é pecaminoso também? Em sua
obra sexual behavior in the human female, (Comportamento sexual na mulher
humana) Alfred Charles Kinsey afirma que:
o
fanatismo e obscurantismo religiosos foram os principais responsáveis pelo
antagonismo contra a homossexualidade, que foi um traço da atitude do ocidente.
A descriminação existente contra a homossexualidade é resídua da barbárie e da
beatice eclesiásticas. Alega-se em geral que a igreja medieval constante e
desapiedamente, com um zelo furioso, os que condescendiam com atos homossexuais
(KINSEY, 1953, p. 484 apud, VIDA, et al., 1985, p. 96).
Ao
investigar outras fontes do pensamento religioso cristão há condenações de
homossexualidade em Tertuliano, nas constituições apostólicas, em São João
Crisóstomo, em São Basílio, em Santo Agostinho encontramos as primeiras
referências aos perigos da homossexualidade na vida monástica e em São Tomás de
Aquino, uma das figuras mais representativa da escolástica medieval que teve
como fontes principais a filosofia de Aristóteles e a teologia de Santo
Agostinho como fontes principais depois das Sagradas Escrituras. Neste aspecto,
e, segundo (VIDAL, et al., p, 101), a postura de São Tomás de Aquino tem uma
grande relevância na moral cristã, já que fixará o marco dentro da qual fica
classificado o pecado da homossexualidade. Parte de sua conhecida distinção
entre pecados secundum naturum (segundo a natureza) e contra naturun (contra a
natureza). A homossexualidade fica incluída dentro dos pecados contra naturum,
junto com a masturbação, entretanto, a gravidade do pecado da homossexualidade
é superada unicamente pelo contato sexual com animais.
Analisando
tudo o que foi dito, pode-se concluir que, é difícil chegar a conclusões
definitivas acerca da visão histórica e religiosa sob o espectro da
cristandade, relativamente a homossexualidade. Pois, se tal prática era visto
como um fenômeno normal pelos pagãos, também estava inserido no âmbito
religioso crescente. Por isso, acredita-se que com a ascensão do Cristianismo,
a perseguição e a condenação do paganismo a homossexualidade passou a ser vista
como perversão, doença, ou seja, uma abominação reprovada pelas igrejas, e,
desde então os homossexuais passaram a conviver com a intolerância
preconceituosa da sociedade que ainda guarda vestígios dessa época. Entretanto,
como se pode constatar, a intolerância e a perseguição dos homossexuais, não
foi uma atitude exclusiva do Cristianismo e dos religiosos cristãos. Outras
religiões também tiveram e continuam tendo a mesma postura de intolerância, de
perseguição aos homossexuais que, apesar das conquistas recentes, continuam
sendo vítimas de muitos preconceitos e intolerância.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Ao
investigar as ideias sobre a origem e a natureza da homossexualidade, partindo
do que já foi produzido e publicado principalmente no Brasil, é fácil imaginar
como foram construídas as ideias e crenças preconceituosas e intolerantes
contra os homossexuais. Tudo o que se pode relacionar a homossexualidade, com
ou sem razão, ainda é altamente rejeitado e perseguido em algumas sociedades e
religiões, mas, principalmente pelas religiões monoteístas como é o caso do
Cristianismo em sua vertente mais conservadora. Portanto, os cristãos que leem
a Bíblia de forma literal e acrítica, segundo Almeida (2001) podem colecionar
uma série de citações condenatórias à homossexualidade. Mas, a tendência atual
é que esses argumentos, paulatinamente vão caindo por terra um a um, pois, as
interpretações literais carecem de suporte epistemológico para que possam
prevalecer a enxurrada de críticas de que são alvos.
Como
foi visto ao longo do artigo, a postura da tradição cristã face a
homossexualidade é um pouco ambígua, pois, alguns autores defendem que, no
início, o Cristianismo era bastante tolerante a atos homossexuais, por outro
lado, outros autores afirmam que, desde os primórdios as atitudes do
Cristianismo foram de perseguição, condenação e intolerância, pois, segundo
Endsjo (2014) com base em alguns versículos da Bíblia a cristandade construiu
uma tradição de repressão ao sexo entre pessoas do mesmo gênero,
particularmente os homens. Teria sido isso o que Cristo pregava e desejava para
todos os homens em sua posteridade? Acredita-se que não, tendo em conta o que,
segunda Almeida (2001) os ensinamentos de Jesus visavam atender ao
comportamento da época, esteve sempre do lado das minorias e nunca julgou
ninguém. Alguns cristãos também são de opinião que Cristo não veio para
condenar, mas sim, para salvar a todos como expresso em (Tm 1, 15) “Fiel a esta
palavra e digna de toda a aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os
pecadores, dos quais sou o primeiro”. Entretanto, em seu nome muitos cristãos
catalogaram os pecados, estabelecendo punições, proibições e várias formas de
descriminação e intolerância.
Para os
cristãos conservadores não há dúvida alguma de que a Bíblia condena a
homossexualidade, pois, segundo eles, está tudo escrito ‘preto no branco’. Essa
tese, segundo Helminiak (1998), é o que muitos cristãos afirmam, e reforçam sua
opinião com citações da Bíblia. Fato é que, muitos cristãos condenam a
homossexualidade com poucos indícios além de uma percepção do que eles pensam
que a Bíblia diz. Várias são as passagens que os cristãos apontam como sendo
condenatórias da homossexualidade, dentre elas, o Código de Levítico, o
episódio de Sodoma e Gomorra, a Epístola de São Paulo aos Romanos e ainda
algumas passagens isoladas da Bíblia.
Em todo
o caso, segundo defende Helminiak, citar esses e outros versículos como
resposta a questão ética de hoje, que indaga se a homossexualidade é certa ou
errada, significa interpretar a Bíblia de forma errônea, pois, como foi
referido ao longo do artigo a mensagem Bíblica não é única, e, na verdade a
Bíblia pode representar, segundo Armstrong (2007, p. 221) “uma testemunha do
perigo das ortodoxias furiosas e, em nossos próprios dias, nem todas essas
ortodoxias são religiosas”. Ela justifica essa passagem mostrando que há uma
forma de ‘fundamentalismo secular’ tão fanática e intolerante quanto qualquer
fundamentalismo Bíblico.
Os
cristãos conservadores como foi enfatizado várias vezes, ainda consideram os
atos homossexuais como sendo antinaturais, ou seja, abominações, mas, essa
atitude preconceituosa do discurso religioso cristão, deve ser silenciada,
pois, a ética e o amor devem vir antes dela como um imperativo que nos obriga a
pensar e a cuidar dos outros tendo como exemplo a figura de Cristo que não
julgou, não excluiu e nem condenou ninguém. Nesse aspecto, a intolerância
religiosa por parte dos cristãos em considerar os atos homossexuais como
moralmente condenáveis está em adotar interpretações literais da Bíblia. Isso
fica claro através de uma passagem, onde Armstrong (2007, p. 220) afirma que “é
inquestionavelmente verdadeiro que, ao longo da história, as pessoas usaram a
Bíblia para justificar atos atrozes, por isso, ela deve ser vista em seu
contexto histórico”.
Apesar
dos atos atrozes cometidos em nome de Deus e da Bíblia, é inequívoco que as
práticas homossexuais estão em todas as sociedades, pois como defendeu Spencer
(1996), é um aspecto permanente da natureza sexual do homo sapiens. Mas, o fato
de um homem ser homossexual como defende Pondé (2011, p. 79), “não seria um
doente porque deseja o órgão sexual igual ao seu, mas apenas diferente. O fato
do ato sexual ser estéril não o torna anormal, já que o homem como espécie é um
ser com cultura e técnica e por isso mesmo, pode reproduzir por vias
artificiais”.
Viu-se
também que, a prática do amor entre pessoas do mesmo gênero é muito mais antiga
que a própria Bíblia. Há documentos Egípcios 500 anos antes de Abraão que
revelam práticas homossexuais não somente entre homens, mas também entre os
Deuses Horus e Seth. No antigo Oriente, por exemplo, a homossexualidade foi
muito praticada. Entre os Hititas, povo vizinho e inimigos de Israel, havia uma
lei autorizando o casamento entre homens (1400 a.C.), na Grécia Antiga, um
homem podia ser abertamente homossexual e, assim mesmo, ser um homem de
prestígio. Sócrates (469-399 a.C.), segundo Nascimento (2009, p. 44), uma das
figuras mais representativas da filosofia grega “acreditava que o amor e o sexo
entre dois homens inspiravam a criatividade e o conhecimento”, no Império
Romano, era considerado uma prática social aceita sem grandes reservas embora
não fosse uma unanimidade, pois, segundo Almeida (2001, p. 69) “na época do
Império Romano havia pouca descriminação e preconceito às práticas sexuais
entre iguais”.
Mas, com
o advento do Cristianismo e a expansão de suas ideias e valores todas as
práticas que não fossem heterossexuais, ou seja, entre o homem e a mulher,
unidade heterossexual criada e abençoada por Deus desde os primórdios eram
considerados pecados ou abominações como foi referido várias vezes ao longo do
artigo. Entretanto, se se quiser localizar com mais precisão, pode-se ver,
segundo Almeida (2001), que a mais contundente justificativa está no Velho
Testamento, ou seja, no Código de Levítico, mas, ele acredita que, os
argumentos religiosos são facilmente refutáveis, exatamente por ser
insustentáveis nos dias atuais. Já no Novo Testamento, encontra-se a condenação
da homossexualidade somente nas cartas de Paulo, como sendo uma inversão da
vontade de Deus e em várias outras passagens. O pensamento bíblico intolerante
também contou com a aprovação de muitos teólogos e filósofos como Santo
Agostinho, mas, principalmente São Tomas de Aquino que reforçou a ideia de que
a homossexualidade era um pecado contra a natureza.
Entretanto,
acredita-se que, a questão da homossexualidade do ponto de vista antropológico
transborda os limites de todas as religiões que tenham como ideal a defesa
intransigente da unidade heterossexual perene. Assim, o método antropológico
não visa qualificar como sendo verdadeira ou falsa a pretensão religiosa, mas,
apenas lançar luzes sob um tema do ponto de vista ético e moral bastante
complexo. Então, a intenção ao trazer essa reflexão não foi a de julgar e
condenar o que a Bíblia diz, mesmo que se reconheça que algumas interpretações
não sejam as mais corretas e que alguns conceitos carecem de apuração semântica
para que possam ser melhor entendidas em diversos contextos históricos, e, por
outro lado, a intenção não foi e nunca será a de julgar como certo ou errado a
questão da homossexualidade, como foi demonstrado, mas, sim realçar questões
pertinentes através do diálogo que se estabeleceu entre vários
autores/interpretes da Bíblia e a própria Bíblia citada várias vezes em
primeira instância.
Dito
isto, acredita-se que a tese referida inicialmente foi corroborada, levando em
conta as várias opiniões dos autores, os quais tivemos como suporte
bibliográfico, e, pessoalmente, acredito que, os ensinamentos de Cristo e a
mensagem Bíblica foram em muitos aspetos adulterados e mal interpretados em
sucessivas épocas e contextos históricos, por isso, é preciso usar o bom senso
principalmente quando está em jogo os direitos individuais de cada ser humano
em particular.
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