Patriotismo
Publicado
originalmente em “O Legionário” Nº105, em 2 de outubro de 1932, pag.2
Já que
tanto se fala em renovação, seja na política, seja nas leis, seja na economia
nacional, é tempo que se cuide da renovação fundamental de que o Brasil carece,
isto é, a renovação da mentalidade pública.
Quebrada
a unidade de pensamento estabelecida pela Igreja na Idade Média, a diversidade
de tendências religiosas e filosóficas foi gradualmente tomando tal incremento
que, no século XX, a anarquia triunfou completamente no domínio da vida
intelectual, estendendo-se daí, como onda de lava destruidora, a todas as
instituições, a todas as nações e a todos os continentes.
O
Brasil sofre a tal ponto das desastrosas consequências deste mal, que é
impossível constituírem-se hoje uma grande corrente de pensamento que seja
capaz de se concentrar em um programa completo de reorganização nacional.
É frequente
verem-se pontos de vista radicalmente inconciliáveis defendidos por uma mesma
pessoa, com igual calor. São deste naipe os conservadores socialistas, os
comunistas que desejariam a abolição da propriedade e a manutenção da família,
os liberais socialistas, os reacionários liberais, etc.
Todos
os sentimentos, mesmo os mais nobres, são postos em cheque por doutrinas
exóticas, sempre aceitas com [fervor].
E
enquanto subsistir esse caos no mundo do pensamento, será absolutamente
impossível instituir uma ordem durável no domínio da política e da economia.
Entre
os sentimentos mais visados ultimamente, figura sem dúvida o patriotismo, cuja
falência os próceres do comunismo e do socialismo não se fartam de proclamar.
A
doutrina católica se opõe nitidamente a qualquer tendência intelectual
destruidora do ideal patriótico.
Mas,
para que este ideal não seja vulnerado pelos ataques de seus adversários, é
imprescindível que uma reação se esboce contra o falso conceito de patriotismo
que tem sido veiculado entre nós por um nacionalismo mal compreendido.
Por
enquanto, nosso patriotismo se tem estribado principalmente nas belezas
naturais com que a Providência ornou o Brasil.
Nossos
poetas têm celebrado à porfia as palmeiras de nossa terra, “onde canta o
sabiá”, a espessura de nossas selvas, a beleza de nosso litoral e a riqueza de
nosso solo.
Pergunte-se
a uma pessoa de cultura média qual a razão por que se ufana de ser brasileira
e, imediatamente, num arroubo de entusiasmo, ouviremos a interminável lista de
referências a nosso céu de anil, a nossa fauna, flora, etc.
Raramente,
rarissimamente virá à tona uma referência à inteligência de nosso povo, ao seu
tino musical invulgar, às tradições históricas brilhantes que o honram, e ao
magnífico futuro que a Providência lhe reserva.
Ora,
está aí, precisamente, o grande erro a que temos sido induzidos por um
nacionalismo mal compreendido.
É certo
que nos devemos ufanar da beleza natural de nossa Pátria. Muito mais do que
isto, porém, nos honra o fato de descendermos (…) de gigantes que, desbravando
selvas, dominando selvagens e domando feras, abriram em um continente por eles
descoberto uma civilização que o futuro tornará florescente.
Aclamação
de Amador Bueno (óleo de Oscar Pereira da Silva, 1909)
A
figura sublime de um Amador Bueno de Ribeira (c. 1584 – c. 1649) nos honra mais
do que a Baía de Guanabara. Os sermões do Padre Anchieta nos dão mais lustre do
que as cachoeiras de Paulo Afonso e das Sete Quedas, e nem toda a majestade do
Amazonas tem a beleza austera e suave de nossa velha vida familiar,
profundamente imbuída de espírito de Fé, e [ainda] hoje preservada – até certo
ponto – do vírus fatal do modernismo.
A
mentalidade brasileira, no que ela tem de tradicional e nacional (pois que, no
Brasil, tradicional, nacional e católico são ideias concêntricas), contém em si
germens de uma grande civilização. Não nos contaminou ainda a insensibilidade
sentimental do (“american way of life”), frívolo, egoísta e sedento de
prazeres. Não nos gangrenaram ainda a dureza, a ganância e o egoísmo implacável
que avassalam o mundo. E até nos nossos defeitos há elementos de bondade mal
compreendida. Assim, a célebre “moleza” com que muitas vezes – é preciso
confessá-lo – nos acumpliciamos com as ações as mais condenáveis, por meio de
uma tolerância culposa, não é propriamente uma adesão ao mal, mas o receio
(censurável, é certo) de causarmos desgosto a alguém.
Eduque-se
nos princípios religiosos e católicos (este grande povo), e ver-se-á dentro em
pouco um Brasil novo florescer, em que, eliminados os defeitos e reconduzidas
as qualidades boas a seus verdadeiros limites, a História saudará o
aparecimento de uma grande nação.
E
quando a América do Sul empunhar o cetro da hegemonia mundial que, com razão,
lhe profetizou o Conde de Keyserling, este cetro será colocado nas mãos do
Brasil por suas coirmãs do continente, “par droit de conquête et par droit de
naissance” [por direito de conquista e por direito de nascimento].
Plinio
Corrêa de Oliveira
Nasceu
em 1908 na cidade de Paulo. Fez os seus estudos secundários no Colégio São Luiz
e diplomou-se em 1930 em ciências jurídicas e sociais na Faculdade de Direito de
São Paulo
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