A
bênção de ter avós – e de serem avós
Avós podem construir e ou reforçar caminhos do
bem na vida dos netos
Por
Esther Carrenho.
Não tem
como começar a escrever sobre relacionamento entre avós e netos sem recorrer às
memórias que tenho da minha vida. Minhas duas avós já tinham falecido quando eu
nasci. E fico imaginando que possivelmente minha infância teria sido mais
alegre se elas ainda estivessem vivas. Mas tive os avôs.
Um
deles, aos meus olhos e percepção de criança, era assustador. Vivia de cara
feia e reclamando de tudo. Falava muito em esmurrar e até em matar alguém. Como
ele tinha um revólver, eu achava que ele podia matar mesmo. Então mantinha
distância.
O outro
era neto de escravos e totalmente diferente. Era amoroso, acolhedor e eu não
tinha medo dele. Quando tinha dez anos, fui morar em sua casa para fazer o
último ano do curso, hoje chamado Fundamental I. Ele fez um balanço para mim
embaixo de uma mangueira e sempre deixava a rede de que ele gostava livre para
que eu me deitasse nela.
A escola
oferecia sopa e arroz doce na hora do chamado recreio. As crianças que levavam
como contribuição uma quantidade de arroz tinham o direito a comer sopa e arroz
doce. Então, além de algum lanche que levava de casa, eu roubava arroz da
dispensa com frequência. Meu avô, que já era viúvo e continuava sem parceira,
era quem cozinhava e notou rapidamente o saco de arroz diminuindo. Foi fácil
descobrir para onde o arroz estava indo. Amorosamente me chamou e disse: “Você
só precisava pedir. Acho que você ficou com medo de receber um não. Mas o que
tenho para você é um sim”. E me abraçou carinhosamente. Em nenhum momento me
repreendeu pela mentira e pelo furto. A atitude amorosa e acolhedora dele, dali
para frente, foi um estímulo para que eu me tornasse mais corajosa em pedir e
para ser mais verdadeira.
Hoje eu
tenho sete netos que têm entre treze e vinte e quatro anos. Com todos tenho uma
boa interação. Com alguns convivi pouco, alguns moram bem pertinho outros moram
em outro país.
Listo
aqui experiências gratificantes que podemos desfrutar no tempo passado com os
netos, durante a infância deles.
Contar
histórias
A
primeira é que podemos contar muitas histórias vividas. Os tempos vão mudando e
eles amam ouvir as experiências vividas pelos avós em tempos, lugares e
situações diferentes. Meu primeiro neto queria sempre que eu ficasse com ele à
noite até o sono chegar contando histórias da minha vida. E a neta mais velha,
que morava longe, sempre que nos visitava com os pais, pedia para colocar o
colchão dela no chão ao lado de onde eu durmo, para que eu contasse histórias
até ela adormecer. E eu contava todas as histórias de meninas e mocinhas da
Bíblia.
Outro
neto, por volta dos sete anos, era aficionado em histórias de heróis. Via os
animes e outros desenhos infantis que traziam sempre um herói invencível.
Contei pra ele que eu também tinha um herói. E que o meu era mais forte que
todos os heróis dele. E travamos este diálogo:
Ele: O
meu herói é forte, ninguém derrota ele...
Eu: O
meu também. Uma vez ele ficou 40 dias sem comer...
Ele: O
meu herói tem muita força e poder, ele aparece do nada...
Eu: O
meu também. Um dia seus amigos estavam numa sala e de repente ele apareceu no
meio...
Ele: O
meu herói voa...
Eu: O
meu também. Chegou um dia que meu herói entendeu que não dava mais para ficar
na terra e voou para o céu.
Ele:
Mas o meu herói, ninguém consegue matar...
Eu: O
meu conseguiram matar! E ele morreu, mas acredite, ele não ficou no túmulo.
Depois de três dias descobriram que um lenço que era parte da roupa que ele
usava estava dobrado no túmulo, mas ele não estava mais lá. Tinha saído vivo.
Ele
ficou intrigado, pensativo, curioso e saiu perguntando qual era o nome deste
herói. Até que alguém lhe falou que era Jesus de Nazaré. Mas até hoje – já um
jovem adulto – ele se lembra dos nossos heróis.
Escutar
com o coração
A
segunda coisa que podemos fazer é escutar, não só com os ouvidos, mas também
com o coração tudo que um neto quer contar. Isto significa escutar atentamente,
sem censura e sem querer corrigir. Muitas vezes são medos e dificuldades na
escola, críticas, apelidos e chacotas que recebem dos colegas. E até queixas e
dificuldades com os pais no convívio diário e nas tarefas do dia a dia. Quando
ouvimos com atenção damos espaço para que eles falem e, falando, muito peso e
angústia saem do seu coração, deixando-os mais leves e livres. Há situações da
vida dos netos que não podemos mudar, mas podemos responder com empatia.
Podemos deixar claro que entendemos que é muito difícil mesmo, mas que estamos
juntos e queremos caminhar perto.
É
importante lembrar que, por mais que os avós tenham estudado e adquirido
conhecimento, com certeza os netos têm oportunidades de aprendizados de coisas
novas e poderão ampliar nosso conhecimento. Então sair do patamar de que
sabemos muito e se dispor a escutar o novo que vem dos netos é gratificante
para os dois lados. Lembro do dia que depois de elogiar um neto de nove anos
porque ele tinha me dito algo que eu não conhecia ele disse: “Tem coisa que
você sabe que eu ainda não sei; mas tem coisa que eu já sei e você não sabe”. E
ele estava certo!
Ter
contato físico
A
terceira coisa que os avós podem fazer e que contribuirá muito para o bem-estar
emocional dos netos é o contato físico. Este contato pode acontecer através do
abraço, do toque carinhoso, do colo e até da brincadeira. O brincar pode ser a
oportunidade para ficar perto e se tocarem vez ou outra. A pele é o maior órgão
do corpo e um meio rápido de registro de prazer. Então quando um deles bate a
perna ou o braço, aproveite para fazer uma massagem demorada com algum creme. A
dor da batida vai passar e o prazer do contato ficará para sempre registrado na
memória corporal.
Avós
ajudam a construir caminhos do bem
Posso
citar outras experiências, mas aqui vou deixar a última, que é providenciar
algo que crianças e adolescentes gostam e deixar disponível para eles sempre
que quiserem e puderem. Pode ser desde construir uma piscina como oferecer uma
refeição saborosa ou simplesmente deixar uma caixa de chocolate sempre disponível.
Como
psicoterapeuta de adultos, mais de uma vez já ouvi: “Foi muito difícil quando
meus pais se separaram, mas meus avós foram acolhedores e amorosos e fizeram
toda a diferença na minha vida. Não sofri demais e não fui para caminhos piores
por causa do amor e do cuidado dos meus avós”.
Então
está claro que, em todo o tempo, os avós podem construir e ou reforçar caminhos
do bem na vida dos netos, através da presença, dos passeios, das comidas
apetitosas, das brincadeiras, do diálogo, da escuta e do carinho.
Avós
aproveitem e sejam presentes! Façam a diferença! Sejam construtores de bons
caminhos e boas lembranças na vida dos netos!
Esther
Carrenho, teóloga, psicóloga e autora do livro: Em Busca do Bem Estar
Emocional: Quando espiritualidade e psicologia caminham juntas e outros.
@esthercarrenho.
Sem comentários:
Enviar um comentário