LITERATURA
Esse
foi o primeiro poeta brasileiro: um gênio desconhecido
Esta é
a envolvente história do primeiro poeta brasileiro que, séculos após sua morte,
virou música de Caetano Veloso.
Gregório
de Matos. Conhecido como O Boca do Inferno, Gregório de Matos foi ousado e
subversivo, sendo até perseguido brevemente pela inquisição
HISTÓRIA
Penelope
Nogueira
A
literatura brasileira é um espelho da nossa história, marcada por encontros e
confrontos culturais entre indígenas, colonizadores portugueses, africanos
escravizados e outros povos que formaram o Brasil. Mas, ao se perguntar qual
foi o ponto de partida dessa tradição literária, é comum buscar por uma figura
inaugural. Quem foi o primeiro escritor genuinamente brasileiro? Quem deu voz
literária ao território que começava a se formar sob o domínio português?
A
resposta mais aceita entre os estudiosos nos leva ao século XVII e ao nome de
Gregório de Matos Guerra — o primeiro grande poeta nascido no Brasil e um dos
autores mais ousados e originais da língua portuguesa.
Quem
foi Gregório de Matos?
Nascido
em Salvador, Bahia, em 1636, Gregório de Matos foi um dos primeiros escritores
brasileiros natos. Filho de uma família rica e influente, estudou em Coimbra,
em Portugal, onde se formou em Direito. Após retornar ao Brasil, Gregório
passou a viver entre o exercício da advocacia e a produção literária — embora
sua fama tenha sido moldada, sobretudo, por seus versos ácidos, satíricos e
críticos.
LITERATURA
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do Brasil: cinco livros essenciais para conhecer a formação do nosso país
Por sua
forma irreverente de escrever, Gregório ficou conhecido como “Boca do Inferno”
— um apelido que fazia referência à sua língua ferina e à sua capacidade de
criticar tudo e todos: clero, autoridades coloniais, ricos, falsos moralistas e
até mesmo o povo.
Literatura
Satírica e Barroca
Gregório
de Matos é um dos maiores representantes do Barroco na literatura de língua
portuguesa. Seu estilo é marcado por fortes contrastes (céu e inferno, carne e
espírito, pecado e perdão), pelo uso intenso de figuras de linguagem e pela
exploração de temas religiosos, amorosos e sociais.
Sua
produção literária pode ser dividida em três grandes temas:
Poemas
religiosos: expressando arrependimento e busca por salvação espiritual.
Poemas
líricos e eróticos: exaltando o amor e, muitas vezes, o desejo carnal de forma
ousada para a época.
Poemas
satíricos: sua marca registrada, em que atacava políticos corruptos, religiosos
hipócritas e a elite colonial baiana.
Gregório
de Matos e o Brasil Colonial
Mais do
que um poeta, Gregório de Matos foi um cronista da sociedade colonial
brasileira. Em um tempo em que a literatura era produzida majoritariamente em
Portugal e com forte influência europeia, Gregório teve a ousadia de escrever
sobre o Brasil, usando linguagem popular, expressões locais e temas cotidianos.
Em seus
versos, ele denunciava o abandono da cidade de Salvador, o abuso de poder das
autoridades e a decadência moral da sociedade. Por isso, era tão amado por uns
e odiado por outros. Suas críticas lhe renderam perseguições, exílio e censura.
Foi
mandado para Angola como punição por suas críticas e, anos depois, proibida de
viver na Bahia, terminando seus dias em Recife, onde morreu por volta de 1696.
Esquecido
e redescoberto
Durante
séculos, a obra de Gregório de Matos circulou apenas em manuscritos. A Igreja
Católica e os setores mais conservadores da sociedade colonial trataram de
esconder seus textos, considerados escandalosos e imorais.
Somente
no século XX, sua produção começou a ser resgatada, estudada e valorizada como
parte fundamental da formação da literatura brasileira. Hoje, ele é reconhecido
como o primeiro poeta brasileiro de grande expressão, alguém que conseguiu
transformar a realidade brasileira em poesia com voz própria — e crítica.
A Boca
do Inferno e a Voz do Brasil
Gregório
de Matos não apenas deu início à tradição poética brasileira, mas também foi um
pioneiro no uso da literatura como forma de resistência, denúncia e expressão
individual. Em uma época de censura, desigualdade e poder concentrado, ele usou
a palavra como arma e a sátira como instrumento de justiça.
A
redescoberta de sua obra permite compreender melhor o Brasil colonial e
perceber que, desde o início, a literatura nacional nasceu crítica, inquieta,
ousada — como o próprio Gregório.
Séculos
mais tarde, outro brasileiro exilado, lutando contra a censura, utilizou da
poesia de Gregório para denunciar os absurdos cometidos pelo governo ditatorial
militar brasileiro. Caetano Veloso, exilado na Inglaterra, cantou em 'Triste
Bahia' a saudade de seu país, seu estado, e misturou elementos das religiões
afro-brasileiras nos versos do poeta.
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