sexta-feira, 10 de maio de 2024

REFLEXÃO...01

 

MEIAS IMPRESSÕES DE ANINHA 

(mãe)

Renovadora e reveladora do mundo

A humanidade se renova no teu ventre.

Cria teus filhos,

não os entregue à creche.

Creche é fria, impessoal.

Nunca será um lar

para teu filho.

Ele, pequenino, precisa de ti.

Não o desligues da tua força maternal.

 

Que pretendes mulher?

Independência, igualdade de condições…

Emprego fora do lar?

És superior àqueles

que procuras imitar.

Tens o dom divino

de ser mãe

Em ti está presente a humanidade.

Mulher, não te deixes castrar.

Serás um animal somente de prazer

e ás vezes nem mais isso.

Frígida, bloqueada, teu orgulho te faz calar.

Tumultuada, fingindo ser o que não és.

Roendo o teu osso negro da amargura.

– Cora Coralina, do livro “Vintém de cobre: meias confissões de Aninha”. São Paulo: Global Editora, 1997.

 

§

 

MINHA MÃE

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo

Tenho medo da vida, minha mãe.

Canta a doce cantiga que cantavas

Quando eu corria doido ao teu regaço

Com medo dos fantasmas do telhado.

Nina o meu sono cheio de inquietude

Batendo de levinho no meu braço

Que estou com muito medo, minha mãe.

Repousa a luz amiga dos teus olhos

Nos meus olhos sem luz e sem repouso

Dize à dor que me espera eternamente

Para ir embora. Expulsa a angústia imensa

Do meu ser que não quer e que não pode

Dá-me um beijo na fronte dolorida

Que ela arde de febre, minha mãe.

 

Aninha-me em teu colo como outrora

Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas

Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.

Dorme. Os que de há muito te esperavam

Cansados já se foram para longe.

Perto de ti está tua mãezinha

Teu irmão, que o estudo adormeceu

Tuas irmãs pisando de levinho

Para não despertar o sono teu.

Dorme, meu filho, dorme no meu peito

Sonha a felicidade. Velo eu.

 

 

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo

Me apavora a renúncia. Dize que eu fique

Dize que eu parta, ó mãe, para a saudade.

Afugenta este espaço que me prende

Afugenta o infinito que me chama

Que eu estou com muito medo, minha mãe.

– Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro , 1933). em “O Caminho para a Distância”. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

 

§

 

DE JOELHOS

“Bendita seja a Mãe que te gerou.”

Bendito o leite que te fez crescer

Bendito o berço aonde te embalou

A tua ama, pra te adormecer!

 

Bendita essa canção que acalentou

Da tua vida o doce alvorecer …

Bendita seja a Lua, que inundou

De luz, a Terra, só para te ver …

 

 

Benditos sejam todos que te amarem,

As que em volta de ti ajoelharem

Numa grande paixão fervente e louca!

 

E se mais que eu, um dia, te quiser

Alguém, bendita seja essa Mulher,

Bendito seja o beijo dessa boca!!

– Florbela Espanca, em “Livro de Mágoas”. Lisboa: Editorial Estampa, 2012.

 

§

 

LAMENTO DA MÃE ORFÃ

Foge por dentro da noite

reaprende a ter pés e a caminhar,

descruza os dedos, dilata a narina à brisa dos ciprestes,

corre entre a luz e os mármores,

vem ver-me,

entra invisível nesta casa, e a tua boca

de novo à arquitetura das palavras

habitua,

e teus olhos à dimensão e aos costumes dos vivos!

 

Vem para perto, nem que já estejas desmanchando

em fermentos do chão, desfigurado e decomposto!

Não te envergonhes do teu cheiro subterrâneo,

dos vermes que não podes sacudir de tuas pálpebras,

da umidade que penteia teus finos, frios cabelos

cariciosos.

 

 

Vem como estás, metade gente, metade universo,

com dedos e raízes, ossos e vento, e as tuas veias

a caminho do oceano, inchadas, sentindo a inquietação das marés.

 

Não venhas para ficar, mas para levar-me, como outrora também te trouxe,

porque hoje és dono do caminho,

és meu guia, meu guarda, meu pai, meu filho, meu amor!

 

Conduze-me aonde quiseres, ao que conheces, – em teu braço

recebe-me, e caminhemos, forasteiros de mãos dadas,

arrastando pedaços de nossa vida em nossa morte,

aprendendo a linguagem desses lugares, procurando os senhores

e as suas leis,

mirando a paisagem que começa do outro lado de nossos cadáveres,

estudando outra vez nosso princípio, em nosso fim.

– Cecília Meireles, em “Mar absoluto e outros poemas”. São Paulo: Global editora, 2015.

 

§

 

MATER

Tu, grande Mãe!… do amor de teus filhos escrava,

Para teus filhos és, no caminho da vida,

Como a faixa de luz que o povo hebreu guiava

À longe Terra Prometida.

 

Jorra de teu olhar um rio luminoso.

Pois, para batizar essas almas em flor,

Deixas cascatear desse olhar carinhoso

Todo o Jordão do teu amor.

 

 

E espalham tanto brilho as asas infinitas

Que expandes sobre os teus, carinhosas e belas,

Que o seu grande clarão sobe, quando as agitas,

E vai perder-se entre as estrelas.

 

E eles, pelos degraus da luz ampla e sagrada,

Fogem da humana dor, fogem do humano pó,

E, à procura de Deus, vão subindo essa escada,

Que é como a escada de Jacó.

– Olavo Bilac, de ‘Alma Inquieta’ (1888), em “Poesias”. Olavo Bilac. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1978.

 

POEMA À MÃE

No mais fundo de ti,

eu sei que traí, mãe

 

Tudo porque já não sou

o retrato adormecido

no fundo dos teus olhos.

 

 

Tudo porque tu ignoras

que há leitos onde o frio não se demora

e noites rumorosas de águas matinais.

 

Por isso, às vezes, as palavras que te digo

são duras, mãe,

e o nosso amor é infeliz.

 

Tudo porque perdi as rosas brancas

que apertava junto ao coração

no retrato da moldura.

 

Se soubesses como ainda amo as rosas,

talvez não enchesses as horas de pesadelos.

 

Mas tu esqueceste muita coisa;

esqueceste que as minhas pernas cresceram,

que todo o meu corpo cresceu,

e até o meu coração

ficou enorme, mãe!

 

Olha — queres ouvir-me? —

às vezes ainda sou o menino

que adormeceu nos teus olhos;

 

ainda aperto contra o coração

rosas tão brancas

como as que tens na moldura;

 

 

ainda oiço a tua voz:

Era uma vez uma princesa

no meio de um laranjal…

 

Mas — tu sabes — a noite é enorme,

e todo o meu corpo cresceu.

Eu saí da moldura,

dei às aves os meus olhos a beber,

 

Não me esqueci de nada, mãe.

Guardo a tua voz dentro de mim.

E deixo-te as rosas.

 

Boa noite. Eu vou com as aves.

– Eugénio de Andrade, em “Primeiros poemas – As mãos e os frutos – Os amantes sem dinheiro”. eBook. Lisboa: Assírio & Alvim, 2014.

 

§

 

MÃE

Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.

Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.

Estou contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta

Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.

Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho

Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,

Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical,

sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento

a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,

tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.

E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.

Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.

Com o teu amor humano e divino

quero fundir o diamante do fogo universal.

– António Ramos Rosa, em “Antologia poética”. [prefácio, seleção e bibliografia de Ana Paula Coutinho Mendes]. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2001.

 

§

 

FONTE

II

No sorriso louco das mães batem as leves

gotas de chuva. Nas amadas

caras loucas batem e batem

os dedos amarelos das candeias.

Que balouçam. Que são puras.

Gotas e candeias puras. E as mães

aproximam-se soprando os dedos frios.

Seu corpo move-se

pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões

e órgãos mergulhados,

e as calmas mães intrínsecas sentam-se

nas cabeças filiais.

Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado

vendo tudo,

e queimando as imagens, alimentando as imagens

enquanto o amor é cada vez mais forte.

E bate-lhes nas caras, o amor leve.

O amor feroz.

E as mães são cada vez mais belas.

Pensam os filhos que elas levitam.

Flores violentas batem nas suas pálpebras.

Elas respiram ao alto e em baixo. São

silenciosas.

E a sua cara está no meio das gotas particulares

da chuva,

em volta das candeias. No contínuo

escorrer dos filhos.

As mães são as mais altas coisas

que os filhos criam, porque se colocam

na combustão dos filhos, porque

os filhos estão como invasores dentes-de-leão

no terreno das mães.

E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,

e atiram-se, através deles, como jactos

para fora da terra.

E os filhos mergulham em escafandros no interior

de muitas águas,

e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos

e na agudeza de toda a sua vida.

E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,

e através dele a mãe mexe aqui e ali,

nas chávenas e nos garfos.

E através da mãe o filho pensa

que nenhuma morte é possível e as águas

estão ligadas entre si

por meio da mão dele que toca a cara louca

da mãe que toca a mão pressentida do filho.

E por dentro do amor, até somente ser possível

amar tudo,

e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

– Herberto Helder, excerto do poema *“Fonte” (‘A Colher na Boca, 1961). em ‘Poemas completos’. Coleção Grandes Escritores Portugueses. Rio de Janeiro: Tinta da China, 2016.

 

§

 

FALA DE MÃE E FILHO

«Meu filho:

onde vais

que tens do rio o caminhar?»

 

Não espreites a estrada, mãe,

que eu nasci

onde o tempo se despenhou.

 

 

«Meu filho:

onde te posso lembrar

se apenas te dei nome para te embalar ?»

 

Mãe, minha mãe:

não te pese saudade

que eu voltarei sempre

como quem chega do mar.

 

«Meu filho:

onde te posso nascer

se meu ventre seco

nunca ninguém gerou?»

 

Mãe, nascerás sempre

na pedra em que te escuto:

a tua ausência, meu luto,

teu corpo para sempre insepulto.

– Mia Couto, em “Tradutor de Chuvas”. Lisboa: Editorial Caminho, 2011.

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