MEIAS
IMPRESSÕES DE ANINHA
(mãe)
Renovadora
e reveladora do mundo
A
humanidade se renova no teu ventre.
Cria
teus filhos,
não os
entregue à creche.
Creche
é fria, impessoal.
Nunca
será um lar
para
teu filho.
Ele,
pequenino, precisa de ti.
Não o desligues
da tua força maternal.
Que
pretendes mulher?
Independência,
igualdade de condições…
Emprego
fora do lar?
És
superior àqueles
que
procuras imitar.
Tens o
dom divino
de ser
mãe
Em ti
está presente a humanidade.
Mulher,
não te deixes castrar.
Serás
um animal somente de prazer
e ás
vezes nem mais isso.
Frígida,
bloqueada, teu orgulho te faz calar.
Tumultuada,
fingindo ser o que não és.
Roendo
o teu osso negro da amargura.
– Cora
Coralina, do livro “Vintém de cobre: meias confissões de Aninha”. São Paulo:
Global Editora, 1997.
§
MINHA
MÃE
Minha
mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho
medo da vida, minha mãe.
Canta a
doce cantiga que cantavas
Quando
eu corria doido ao teu regaço
Com
medo dos fantasmas do telhado.
Nina o
meu sono cheio de inquietude
Batendo
de levinho no meu braço
Que
estou com muito medo, minha mãe.
Repousa
a luz amiga dos teus olhos
Nos
meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à
dor que me espera eternamente
Para ir
embora. Expulsa a angústia imensa
Do meu
ser que não quer e que não pode
Dá-me
um beijo na fronte dolorida
Que ela
arde de febre, minha mãe.
Aninha-me
em teu colo como outrora
Dize-me
bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme
em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme.
Os que de há muito te esperavam
Cansados
já se foram para longe.
Perto
de ti está tua mãezinha
Teu
irmão, que o estudo adormeceu
Tuas
irmãs pisando de levinho
Para
não despertar o sono teu.
Dorme,
meu filho, dorme no meu peito
Sonha a
felicidade. Velo eu.
Minha
mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me
apavora a renúncia. Dize que eu fique
Dize
que eu parta, ó mãe, para a saudade.
Afugenta
este espaço que me prende
Afugenta
o infinito que me chama
Que eu
estou com muito medo, minha mãe.
–
Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro , 1933). em “O Caminho para a Distância”.
São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
§
DE
JOELHOS
“Bendita
seja a Mãe que te gerou.”
Bendito
o leite que te fez crescer
Bendito
o berço aonde te embalou
A tua
ama, pra te adormecer!
Bendita
essa canção que acalentou
Da tua
vida o doce alvorecer …
Bendita
seja a Lua, que inundou
De luz,
a Terra, só para te ver …
Benditos
sejam todos que te amarem,
As que
em volta de ti ajoelharem
Numa
grande paixão fervente e louca!
E se
mais que eu, um dia, te quiser
Alguém,
bendita seja essa Mulher,
Bendito
seja o beijo dessa boca!!
–
Florbela Espanca, em “Livro de Mágoas”. Lisboa: Editorial Estampa, 2012.
§
LAMENTO
DA MÃE ORFÃ
Foge
por dentro da noite
reaprende
a ter pés e a caminhar,
descruza
os dedos, dilata a narina à brisa dos ciprestes,
corre
entre a luz e os mármores,
vem
ver-me,
entra
invisível nesta casa, e a tua boca
de novo
à arquitetura das palavras
habitua,
e teus
olhos à dimensão e aos costumes dos vivos!
Vem
para perto, nem que já estejas desmanchando
em
fermentos do chão, desfigurado e decomposto!
Não te
envergonhes do teu cheiro subterrâneo,
dos
vermes que não podes sacudir de tuas pálpebras,
da
umidade que penteia teus finos, frios cabelos
cariciosos.
Vem
como estás, metade gente, metade universo,
com
dedos e raízes, ossos e vento, e as tuas veias
a
caminho do oceano, inchadas, sentindo a inquietação das marés.
Não
venhas para ficar, mas para levar-me, como outrora também te trouxe,
porque
hoje és dono do caminho,
és meu
guia, meu guarda, meu pai, meu filho, meu amor!
Conduze-me
aonde quiseres, ao que conheces, – em teu braço
recebe-me,
e caminhemos, forasteiros de mãos dadas,
arrastando
pedaços de nossa vida em nossa morte,
aprendendo
a linguagem desses lugares, procurando os senhores
e as
suas leis,
mirando
a paisagem que começa do outro lado de nossos cadáveres,
estudando
outra vez nosso princípio, em nosso fim.
–
Cecília Meireles, em “Mar absoluto e outros poemas”. São Paulo: Global editora,
2015.
§
MATER
Tu,
grande Mãe!… do amor de teus filhos escrava,
Para
teus filhos és, no caminho da vida,
Como a
faixa de luz que o povo hebreu guiava
À longe
Terra Prometida.
Jorra
de teu olhar um rio luminoso.
Pois,
para batizar essas almas em flor,
Deixas
cascatear desse olhar carinhoso
Todo o
Jordão do teu amor.
E
espalham tanto brilho as asas infinitas
Que
expandes sobre os teus, carinhosas e belas,
Que o
seu grande clarão sobe, quando as agitas,
E vai
perder-se entre as estrelas.
E eles,
pelos degraus da luz ampla e sagrada,
Fogem
da humana dor, fogem do humano pó,
E, à
procura de Deus, vão subindo essa escada,
Que é
como a escada de Jacó.
– Olavo
Bilac, de ‘Alma Inquieta’ (1888), em “Poesias”. Olavo Bilac. Rio de Janeiro:
Edições de Ouro, 1978.
POEMA À
MÃE
No mais
fundo de ti,
eu sei
que traí, mãe
Tudo
porque já não sou
o
retrato adormecido
no
fundo dos teus olhos.
Tudo
porque tu ignoras
que há
leitos onde o frio não se demora
e
noites rumorosas de águas matinais.
Por
isso, às vezes, as palavras que te digo
são
duras, mãe,
e o
nosso amor é infeliz.
Tudo
porque perdi as rosas brancas
que
apertava junto ao coração
no
retrato da moldura.
Se
soubesses como ainda amo as rosas,
talvez
não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu
esqueceste muita coisa;
esqueceste
que as minhas pernas cresceram,
que
todo o meu corpo cresceu,
e até o
meu coração
ficou
enorme, mãe!
Olha —
queres ouvir-me? —
às
vezes ainda sou o menino
que
adormeceu nos teus olhos;
ainda
aperto contra o coração
rosas
tão brancas
como as
que tens na moldura;
ainda
oiço a tua voz:
Era uma
vez uma princesa
no meio
de um laranjal…
Mas —
tu sabes — a noite é enorme,
e todo
o meu corpo cresceu.
Eu saí
da moldura,
dei às
aves os meus olhos a beber,
Não me
esqueci de nada, mãe.
Guardo
a tua voz dentro de mim.
E
deixo-te as rosas.
Boa
noite. Eu vou com as aves.
–
Eugénio de Andrade, em “Primeiros poemas – As mãos e os frutos – Os amantes sem
dinheiro”. eBook. Lisboa: Assírio & Alvim, 2014.
§
MÃE
Conheço
a tua força, mãe, e a tua fragilidade.
Uma e
outra têm a tua coragem, o teu alento vital.
Estou
contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta
Estou
contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.
Vejo-te
menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho
Sempre
frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,
Quantas
aflições! Sempre uma força te erguia vertical,
sempre
o alento da tua fé, o prodigioso alento
a que
se chama Deus. Que existe porque tu o amas,
tu o
desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.
E assim
estás no meio do amor como o centro da rosa.
Essa
ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.
Com o
teu amor humano e divino
quero
fundir o diamante do fogo universal.
–
António Ramos Rosa, em “Antologia poética”. [prefácio, seleção e bibliografia
de Ana Paula Coutinho Mendes]. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2001.
§
FONTE
II
No
sorriso louco das mães batem as leves
gotas
de chuva. Nas amadas
caras
loucas batem e batem
os
dedos amarelos das candeias.
Que
balouçam. Que são puras.
Gotas e
candeias puras. E as mães
aproximam-se
soprando os dedos frios.
Seu
corpo move-se
pelo
meio dos ossos filiais, pelos tendões
e
órgãos mergulhados,
e as
calmas mães intrínsecas sentam-se
nas
cabeças filiais.
Sentam-se,
e estão ali num silêncio demorado e apressado
vendo
tudo,
e
queimando as imagens, alimentando as imagens
enquanto
o amor é cada vez mais forte.
E
bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor
feroz.
E as
mães são cada vez mais belas.
Pensam
os filhos que elas levitam.
Flores
violentas batem nas suas pálpebras.
Elas
respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua
cara está no meio das gotas particulares
da
chuva,
em
volta das candeias. No contínuo
escorrer
dos filhos.
As mães
são as mais altas coisas
que os
filhos criam, porque se colocam
na
combustão dos filhos, porque
os
filhos estão como invasores dentes-de-leão
no
terreno das mães.
E as
mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e
atiram-se, através deles, como jactos
para
fora da terra.
E os
filhos mergulham em escafandros no interior
de
muitas águas,
e
trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na
agudeza de toda a sua vida.
E o
filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e
através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas
chávenas e nos garfos.
E
através da mãe o filho pensa
que
nenhuma morte é possível e as águas
estão
ligadas entre si
por
meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe
que toca a mão pressentida do filho.
E por
dentro do amor, até somente ser possível
amar
tudo,
e ser
possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.
–
Herberto Helder, excerto do poema *“Fonte” (‘A Colher na Boca, 1961). em
‘Poemas completos’. Coleção Grandes Escritores Portugueses. Rio de Janeiro:
Tinta da China, 2016.
§
FALA DE
MÃE E FILHO
«Meu
filho:
onde
vais
que
tens do rio o caminhar?»
Não
espreites a estrada, mãe,
que eu
nasci
onde o
tempo se despenhou.
«Meu
filho:
onde te
posso lembrar
se
apenas te dei nome para te embalar ?»
Mãe,
minha mãe:
não te
pese saudade
que eu
voltarei sempre
como
quem chega do mar.
«Meu
filho:
onde te
posso nascer
se meu
ventre seco
nunca
ninguém gerou?»
Mãe,
nascerás sempre
na
pedra em que te escuto:
a tua
ausência, meu luto,
teu
corpo para sempre insepulto.
– Mia
Couto, em “Tradutor de Chuvas”. Lisboa: Editorial Caminho, 2011.
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