Realidades furtivas
Posted by Lissânder Dias
No corretor do Terminal Rodoviário do Tietê, muita gente
indo e vindo. Eu sigo para o guichê do metrô. Preciso ir até a outra rodoviária
(Barra Funda). Entre tantas pessoas que atravessam meu caminho, surge um rapaz
bem apressado. Enquanto ando, olho de relance para ele e vejo algo inusitado:
uma vírgula gigante está tatuada em sua testa. Sorrio por dentro e fico me
perguntando: “Por que ele tatuou justamente uma vírgula?”.
Obviamente não tenho respostas, mas tal cena me fez pensar
que vírgulas são importantes. Pelo menos para aquele cara, né? Não, vírgulas
são importantes para todos nós. Não há saúde sem vírgulas, sem pausas, sem
pequenos descansos que nos dão fôlego para longas caminhadas. A vírgula impede que
optemos pelo ponto final antes da hora. Ela nos ajuda a seguir em frente.
*
Ao longo daquela tarde (antes de encontrar o cara da
vírgula) fiquei no Tietê à espera do horário mais adequado para sair. Neste
período, por duas vezes fui abordado por mulheres pedindo alguma ajuda (para
comprar comida ou passagens). Uma delas estava com um bebê, dormindo no colo.
Quando isso acontece, costumo ajudar, mas sempre sinto tristeza por não ver
esperança nos olhos dessas pessoas. Uma das maiores lástimas é a perda de
esperança.
Nesta tarde eu não vi o tempo passar, absorto que estava
nessa realidade que tornamos furtiva, entre a pobreza, o inusitado e o silêncio
da espera. Minha mente girava com uma ciranda ininterrupta.
Esperar a hora do embarque é a parte mais fácil de hoje. Mas
o que esperar quando a vida de uma pessoa se reduz a olhar de baixo para cima,
refém da misericórdia alheia?
Talvez tenha sido isso que aconteceu com aquela mulher que
encontrou Jesus. Ela insistiu pelo favor de Cristo, dizendo que até os cães
comiam das migalhas que caíam da mesa dos homens”. Jesus se surpreendeu com
tamanha vontade de receber ajuda. Sim, a misericórdia pode parecer humilhante,
mas ela também é uma porta de transformação quando é sustentada pela esperança
da cura. Ela nos coloca de volta à mesa por causa da bondade de outro.
*
Ao chegar na segunda rodoviária, eu sigo para o guichê de
ônibus e pergunto se não posso adiantar meu embarque, já que ainda faltam 2
horas para a partida. A funcionária pede minha passagem, dá sinais positivos,
mas no final diz que não há permissão. A regra estabelece que só posso trocar a
passagem três horas antes. “Que droga!”, penso. Me retiro, questionando a mim
mesmo: por que não vim aqui antes?
Depois de tudo isso, agora estou aqui sentado, escrevendo
essas singelas palavras, que não sei se terão alguma conclusão. Na verdade, eu
só queria registrar essas realidades furtivas que talvez se conectem com algo
maior ou talvez sejam apenas vírgulas inesperadas nas narrativas da vida.
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