Relacionamentos
Esther
Perel é psicoterapeuta. Nasceu na Bélgica, filha de sobreviventes do
holocausto. Hoje é professora da universidade de Nova York e especialista em
temas como solidão e relacionamentos contemporâneos, incluindo relações
amorosas. No festival SXSW, realizado em Austin, no Texas, que se encerrou
ontem, ela roubou a cena. No meio de uma pletora de palestras sobre tecnologia,
sua fala sobre comportamento humano foi a mais importante em minha opinião.
Ela
desenvolveu o fascinante tema da "intimidade artificial". Seu argumento
é que estamos vivendo nossas vidas em permanente estado de atenção parcial.
Quando nos relacionamos com nossos amigos, amantes ou familiares nunca estamos
100% presentes. Nossa atenção está sempre dividida entre as pessoas e o nosso
celular, mídias sociais, alertas de mensagem e assim por diante. Nesse contexto
não é possível intimidade real.
As
mídias sociais e nosso celular funcionam como anestesia seletiva para as
relações humanas. Queremos as partes boas do convívio, que são do nosso
interesse, mas evitamos ao máximo atrito, conversas desconfortáveis, tédio etc.
Sempre que algo desconfortável começa a se materializar, partimos para o mundo
confortável e controlado do celular, que nos distrai do que é verdadeiramente
humano.
Essa é
a intimidade artificial. Estamos todos vivendo coletivamente o experimento do
rosto parado que o psicólogo Edward Tronick realizou nos anos 1970. Nele, uma
mãe primeiro é gravada se relacionando normalmente com seu bebê de 6 meses. Ela
sorri, o bebê sorri de volta. Ela fala algo e o bebê dá uma gargalhada. No
segundo momento a mãe paralisa seu rosto. Ela olha fixamente para o bebê, sem
expressar qualquer reação. O bebê então gargalha. A mãe permanece impassível. O
bebê então começa a gritar. Nenhuma reação da mãe. O bebê então chora e grita
desesperadamente, até que a mãe retoma suas reações normais e acolhe a criança.
No
mundo que estamos vivendo hoje somos todos simultaneamente a mãe e a criança.
Como somos incapazes de dar atenção integral ao outro, estamos sempre em dívida
emocional com as pessoas que nos cercam. Ao mesmo tempo, somos também o bebê,
sedentos por atenção. Nunca houve uma carência tão grande por escuta e
acolhimento como a que vivenciamos coletivamente no mundo de hoje.
Uma
pesquisa realizada nos EUA em 2019 apontou que 22% dos "millenials"
têm hoje zero amigo. 25% dizem não ter nenhum conhecido. Muitos têm um número
de seguidores gigantesco em redes sociais, mas amigos mesmo, nenhum. Em
gerações anteriores o número dos sem-amigos girava em torno de 9%. Não é por
acaso que ansiedade e depressão são um dos assuntos que mais circulam em mídias
sociais hoje entre adolescentes e também crianças. Na era da intimidade
artificial, não são só as amizades que estão em risco, mas também as relações
amorosas e familiares. Apertem os cintos para a sociedade da solidão, com
consequências nefastas para todos os campos da vida humana.
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