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Olavo
de Carvalho,
Fora do tempo e fora de siNuma época em que a guerrilha comunista domina um país vizinho e no Brasil um partido marxista-leninista com serviço secreto privado e uma bela retaguarda armada está em vias de chegar ao poder, qualquer resistência ao comunismo é, surpreendentemente, acusada de estar “fora de moda”. Ressoando aos ouvidos de um povo que tem um terrível complexo de atraso, essa acusação tem imediato efeito paralisante. Preso em flagrante delito de pedofilia, um brasileiro não sentiria tanta vergonha quanto ao ser denunciado como “demodé” ou “ultrapassado”.
Mas a
acusação tem ainda uma nuance mais sutil: ela insinua que o anticomunismo está
ultrapassado porque seu inimigo não existe mais; combater o comunismo é lutar
contra fantasmas do tempo da guerra fria. A ditadura comunista que oprime um
bilhão e trezentos milhões de chineses, vietnamitas e tibetanos não existe,
Fidel Castro não existe, os guerrilheiros da Colômbia não existem, Chavez não
existe e a revolução camponesa do MST também não existe: nós é que, por sermos
retrógrados e desinformados, resistimos às suas agressões como se eles
existissem. Se fôssemos pessoas modernas, consentiríamos em que essas criaturas
da nossa imaginação, caso não pudessem provar sua inexistência, ao menos
decretassem a nossa, suprimindo-nos do rol dos existentes. Aí estaríamos na
moda. Mais que socialistas, seríamos socialites.
O
problema é que a crença na inexistência do comunismo é coisa ainda mais antiga
do que a guerra fria. O comunismo jamais gostou de admitir que existe. Na
década de 20 a OGPU (antepassada da KGB) já pagava a escritores exilados para
que escrevessem livros demonstrando que o comunismo na Rússia tinha acabado.
Mao Tsé-tung foi apresentado em comunicados oficiais do Kremlin como um
inofensivo “socialista cristão”, Fidel Castro como um progressista democrático
estilo americano. Depois de 1917, ninguém no mundo fez jamais uma revolução
comunista anunciando que era uma revolução comunista. Se querem ter idéia do
tremendo investimento que o comunismo tem feito, em dinheiro e esforço, para
provar que não existe, leiam “New Lies for Old”, de Anatoliy Golitsyn (Atlanta,
Clarion House, 1990). O autor é um ex-agente da KGB que testemunhou
pessoalmente algumas dessas gigantescas operações de desinformação.
De
outro lado, também é errado imaginar que o anticomunismo é coisa de museu.
Arquivos históricos não são museus: são depósitos de bombas. Desde a abertura
dos arquivos da KGB, o anticomunismo tornou-se o grande assunto nos círculos
acadêmicos civilizados. Ela mostrou que tudo aquilo que nos anos 60 nós, jovens
militantes, rejeitávamos como mentiras sórdidas do imperialismo, era pura
verdade. Acreditávamos que os Rosenbergs tinham sido vítimas de um complô: os
arquivos da KGB mostraram que eram mesmo espiões. Acreditávamos que os artistas
demitidos de Hollywood eram inocentes perseguidos por discriminação ideológica:
os documentos mostraram que cada um deles era um colaborador recrutado pela
KGB. Acreditávamos que o “ouro de Moscou” era um mito criado pela CIA: hoje
sabemos que bilhões de dólares saíram do Kremlin para financiar revoluções,
golpes de Estado e assassinatos políticos. Acreditávamos que os planos
comunistas de domínio mundial eram pura invencionice do Pentágono: hoje temos as
provas de que eram uma realidade. Agora, que cartas, contracheques, ordens de
serviço e memorandos estão à disposição de quem queira conferi-los nos arquivos
de Moscou, já não podemos refugiar-nos sob a desculpa de sermos “inocentes
úteis”. Como resumiu o historiador John Lewis Gaddis no título de um recente
best seller sobre a história do anticomunismo, “We Now Know”: agora sabemos.
Sabemos
que, hoje, acreditar em comunistas seria inocência perversa. Sabemos? Quem
“sabemos”? No Brasil ninguém sabe. Excetuando as buscas de William Waack, das
quais a suposta vítima de discriminação ideológica, Olga Benário, emergiu como
comprovada espiã do serviço secreto militar soviético, nenhum brasileiro quis
saber nada, e o que se vem descobrindo no mundo continua excluído da nossa
imprensa e das nossas livrarias, graças ao esforço de devotados vigilantes. Por
isso ainda há quem diga que ser anticomunista no ano 2000 está tão fora de
época quanto estava dez anos atrás. Nem mesmo em meras questões de moda é
prudente acreditar nessa gente. Por isso é preciso também rejeitar com
veemência a mentira de que essas excursões de militantes petistas a Cuba, das
quais a mais recente levou a Havana 220 deles em companhia do sr. Luís Ignácio
Lula da Silva, são meras viagens de saudosismo. A revolução continental da qual
o eterno candidato se proclama eterno apaixonado não é coisa do passado. Neste
mesmo momento, prisioneiros sofrem tortura e fome nos campos de concentração
montados pelas FARC com o apoio de Cuba e sob os aplausos do PT, enquanto o sr.
Lula pretende que acreditemos que seus contatos com o alto escalão cubano são
apenas festinhas de sessentões nostálgicos. Para acreditar nisso a gente tem de
estar não apenas fora do tempo: tem de estar fora de si.
Olavo
de Carvalho
Professor,
filósofo, escritor, ensaísta e jornalista. Escreveu mais de 40 livros, mais de
44 cursos, idealizador do Curso Online de Filosofia, o COF, contabilizando mais
de 570 aulas. [29 de abril de 1947 – 24 de janeiro de 2022]
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