Alexandre Garcia: candidato forte com adversário fraco, para
impedir a vitória, só matando
O estímulo do ódio é semeado primeiro nas mentes, nas
escolas, nas artes, na propaganda disfarçada de noticiário. Depois as mentes
armam as mãos, com faca ou fuzil
Trump e Bolsonaro -
Naquele fim de tarde de sábado em que chegou a notícia do
atentado contra Trump, meu primeiro pensamento foi: Adélio americano. Isso
resumia tudo. Candidato forte com adversário fraco, para tirá-lo do rumo à Presidência,
só matando. Thomas Crooks e Adélio Bispo; fuzil e faca; Biden e Haddad; Trump e
Bolsonaro. Não matou, mas feriu e o sangue lubrifica as engrenagens da vitória.
Gerou a foto icônica, como a de Iwo-Jima, com o mesmo simbolismo da bandeira
americana.
No momento em que vi a foto, também minutos depois do
atentado, intuí que seria o mote eleitoral. No 6 de setembro de 2018 a
percepção do resultado que viria após a facada é a mesma depois dos tiros na
Pensilvânia. Postando para Trump, Bolsonaro resumiu essa outra história: “Nos
vemos na posse”.
Os agressores entraram para a História e, ao contrário do
que pretendiam, turbinaram os mitos. John Wilkes Booth com Lincoln; Leon
Czolgosz, com McKinley; Lee Harvey Oswald com Kennedy; John Hinkley com Reagan;
Adélio Bispo com Bolsonaro; e agora esse Thomas Crooks com Trump.
Leia também: Efeito Trump embala alta de bolsas e do dólar
no pregão pós-atentado
Assim como o indecifrado Adélio ajudou Bolsonaro, o jovem
Crooks antecipa o resultado eleitoral de outubro nos Estados Unidos. Entre os
americanos atacados, apenas Kennedy era do partido Democrata; os demais,
republicanos. Agora se buscam explicações para tantos erros e omissões do
Serviço Secreto que protege autoridades.
A violência — e a justificativa para atos de violência
jurídica, inconstitucionais e ilegais — tem uma origem, registrada no editorial
publicado no dia seguinte, do Wall St. Journal, endossando palavras do
ex-procurador-geral dos Estados Unidos, William Barr: “Os democratas têm que
parar com essa conversa grosseiramente irresponsável sobre Trump ser uma ameaça
existencial à democracia — ele não é.”
Lá, como cá, inventa-se essa ameaça para justificar atos
que, esses sim, ameaçam as liberdades, o devido processo legal e o estado
democrático de direito. O estímulo do ódio é semeado primeiro nas mentes, nas
escolas, nas artes, na propaganda disfarçada de noticiário. Depois as mentes
armam as mãos, com faca ou fuzil - ou mesmo com paus e pedras, que também
matam. A camuflagem é o amor, que atualiza a ficção profética de George Orwell
no seu 1984. No livro, o Ministério da Verdade estabelece que Guerra é Paz;
Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força.
Os seguidores atuais do Grande Irmão acrescentaram Ódio é
Amor, mensagem enganosa embutida todos os dias em todos os meios, até povoar
cabeças jovens como a de Tom Crooks, antes que as mãos se armassem. Depois, ele
subiu naquele telhado desocupado pelo Serviço Secreto, de onde tinha ampla
visada da cabeça de Trump.
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