https://youtu.be/6EiM5XpGBPk?si=HTsNOYJAGGAmxbPY
Análise profunda: os riscos da eleição na França e a OTAN
Contrariando as expectativas geradas após o primeiro turno
das eleições na França, onde a direita garantiu uma vitória expressiva, uma
forte coalização de esquerda foi formada com um grande engajamento partidário e
popular, o que garantiu uma vitória importante, mas com um sabor amargo para
Emmanuel Macron. O resultado acima de tudo, pode colocar a França em um
perigoso limbo político.
A aliança de esquerda da Nova Frente Popular e a coalizão de
centro-esquerda do presidente Emmanuel Macron frustraram uma vitória da direita
nas eleições legislativas de domingo, levando a uma das maiores mudanças
políticas da história recente da França. Esta vitória surpreendeu até mesmo
alguns legisladores da coalizão de esquerda.
A situação, porém, ao contrário do que é pregado pela mídia,
não foi uma batalha entre a frente de esquerda pela democracia contra uma
extrema-direita neofascista que destruiria a França. Temos, na verdade, a
ascensão de uma extrema-esquerda que pode tirar a França dos trilhos.
A recém-formada Nova Frente Popular terminou à frente da
coalizão de centro-esquerda do presidente Emmanuel Macron. O triunfo eleitoral
da nova aliança foi um choque para muitos, após décadas em que a esquerda
francesa foi definida por suas profundas divisões. Mas os fortes resultados do
movimento anti-imigração de Le Pen no primeiro turno inspiraram as várias
forças de esquerda do país a se unir.
Compreenderemos a situação por tópicos:
Macron subestimou a insatisfação francesa
Macron convocou eleições antecipadas no mês passado, depois
que sua coalizão foi derrotada pelo Reagrupamento Nacional (partido de Le Pen)
nas eleições para o Parlamento Europeu, apostando que a perspectiva de um
governo de direita pressionaria os eleitores franceses a reafirmar seu governo.
Embora no domingo ele parecesse ter acertado sobre como a
população responderia à ameaça do primeiro governo de direita do país desde a
Segunda Guerra Mundial, ele parece ter subestimado o apelo da esquerda.
No primeiro turno, a Nova Frente Popular ficou em segundo
lugar, com 28% dos votos, atrás dos 33% dos votos a favor do Reagrupamento
Nacional de Le Pen. A aliança de centro-esquerda de Macron obteve apenas 21%.
Uma coalizão inusitada
A Nova Frente Popular é uma aliança de última hora, nascida
da necessidade, que reúne dois partidos de esquerda — o Partido Socialista e o
Partido Verde — e dois movimentos de extrema-esquerda — a França Aberta, de
Jean-Luc Mélenchon, e o Partido Comunista.
As eleições francesas são decididas distritalmente. Enquanto
o Reagrupamento Nacional e a Nova Frente Popular tiveram mais de trinta
candidatos, cada um que obteve mais de 50% dos votos eleitos diretamente para o
Parlamento, outros distritos foram para um segundo turno entre os dois ou três
candidatos mais votados.
Nos distritos onde os candidatos de Le Pen obtiveram uma
vitória apertada, a aliança de esquerda de Macron e a coalizão centrista uniram
forças, encorajando os candidatos mais fracos a desistir das urnas. Assim, mais
de duzentos candidatos de esquerda desistiram de suas posições no segundo turno
para evitar a divisão dos votos.
No domingo, o líder do Reagrupamento Nacional, Jordan
Bardella, que seria o primeiro-ministro em um governo de direita, condenou a
“aliança de desonra e perigosas correções eleitorais” que, segundo ele, não
apenas impediu seu partido de conquistar a maioria, mas também interrompeu o
processo democrático. “Ao paralisar deliberadamente nossas instituições,
Emmanuel Macron não apenas empurrou o país para a incerteza e instabilidade”,
disse Bardella, “ele também privou os franceses de uma resposta para seus
problemas diários por muito tempo”.
Uma vitória de propaganda ou com poder efetivo?
Embora a Nova Frente Popular tenha permanecido na liderança,
está longe de garantir uma maioria parlamentar. A menos que membros moderados
da aliança consigam formar um governo com os aliados de centro-esquerda de
Macron, a França pode ser mergulhada em um impasse político.
Após as primeiras exibições no domingo, Mélenchon, a figura
mais conhecida da aliança, que falaremos mais a seguir, pediu a Macron que
convidasse o bloco a formar um governo.
“O presidente deve se curvar e admitir essa derrota sem
tentar evitá-la”, disse Mélenchon. “Nenhum subterfúgio, arranjo ou combinação
seria aceitável” para remover sua coalizão do poder, acrescentou.
Mas mesmo alguns dentro da coalizão de esquerda consideram
Mélenchon radical demais. Formado com a intenção expressa de derrotar Le Pen,
resta saber se seus membros podem continuar a resolver suas diferenças e
apresentar uma frente unida.
Antes mesmo da votação desta quinta-feira, François Ruffin,
uma das figuras mais carismáticas da esquerda, rompeu com Mélenchon, chamando-o
de “obstáculo” e dizendo que não se alinharia mais à esquerda radical na
Assembleia Nacional se fosse reeleito.
Macron disse que a extrema-esquerda é tão perigosa quanto a
extrema-direita, particularmente o partido de Mélenchon, e alegou no mês
passado que a aliança inclui partidos que propagam o antissemitismo.
Para formar a aliança, os partidos de esquerda tiveram que
acertar um candidato por circunscrição. Para frustração da esquerda “moderada”,
que inclui o Partido Socialista, que moldou por muito tempo a política
francesa, o partido de Mélenchon ganhou uma cota especialmente alta de
candidatos.
Nesta segunda-feira, 08 de julho, o atual primeiro-ministro,
Gabriel Attal, renunciou ao seu cargo, como é praxe, porém a renúncia foi
negada por Macron, que lhe solicitou que permanecesse no cargo por hora. Macron
anunciou que vai esperar para ver como a Assembleia Nacional, que será
instalada em 18 de julho, está “estruturada” para decidir quem ele nomeia como
próximo primeiro-ministro, segundo a Presidência.
Marine Le Pen, lamentou a derrota do seu partido, mas
lembrou que duplicaram o seu apoio, razão pela qual considerou que “lança as
bases para a vitória futura. Apesar de termos toda a estrutura conta nós,
incluindo a imprensa, que tomou partido nesta campanha”. Le Pen, apontou que em
dezenas de zonas eleitorais, a direita está a um ou dois pontos da vitória,
mostrando um crescimento constante dos movimentos de direita. “A maré está
subindo, não o suficiente desta vez, mas continua subindo. É uma vitória
adiada”, disse Le Pen, que finalizou colocando Macron contra a parede: “O que
ele vai fazer agora? Nomear Mélenchon como primeiro-ministro?”.
A bomba relógio Jean-Luc Mélenchon
Mélenchon, de 72 anos,
é o líder do Movimento França Insubmissa. Iniciou a sua carreira
política no Partido Socialista (PS) em 1976, e depressa ascendeu nas suas
fileiras. Ele foi eleito senador pelo departamento de Essonne em 1986 e ocupou
o cargo até 2009. Durante seu tempo no PS, Mélenchon assumiu várias funções,
sendo a mais proeminente a de Ministro Delegado para a Educação Profissional no
governo de Lionel Jospin entre 2000 e 2002.
Insatisfeito com a liderança moderada do PS, Mélenchon
decidiu em 2008 fundar o Partido de Esquerda (Parti de Gauche), alinhando-se ao
Partido Comunista Francês para formar a Frente de Esquerda (Front de Gauche).
No entanto, seu verdadeiro destaque se consolidou em 2016 com a criação do
França Insubmissa, movimento que reúne diversos setores da esquerda e promove
uma plataforma antineoliberal.
Mélenchon concorreu à presidência em 2012, 2017 e 2022. Na
eleição de 2017, ele obteve expressivos 19,58% dos votos no primeiro turno,
ficando em quarto lugar. Sua plataforma inclui propostas contundentes, como a
convocação de uma Assembleia Constituinte para estabelecer uma Sexta República
para substituir a atual Quinta República, a fim de reformar profundamente as
instituições políticas e promover uma democracia mais direta e participativa,
segundo o próprio.
Nas eleições deste domingo, a coalizão frente popular, que
possui Mélenchon como sua figura de proa, terminou em primeiro lugar
conquistando 182 cadeiras no parlamento. Mélenchon afirmou ser o porta-voz do
bloco de esquerda e disse estar “pronto para governar”. Ele pediu a Macron que
os convide a formar um governo: “A derrota do presidente da República e de sua
coalizão está claramente confirmada. O presidente deve se curvar e admitir essa
derrota sem tentar evitá-la”.
Seria costume que Macron, que pode permanecer presidente até
2027, oferecesse o cargo de primeiro-ministro ao líder da maior aliança ou
partido no Parlamento. Mas a aliança de esquerda parece fraca demais para
conseguir formar um governo relativamente estável no momento.
O perfil de Mélenchon e suas políticas como possível
primeiro-ministro podem colocar a França em uma rota perigosa. Suas propostas
incluem implementar um salário-mínimo de 1.400 euros líquidos por mês, uma
reforma tributária para taxar mais as grandes fortunas, a transição para um
modelo econômico ecológico que favoreça as energias renováveis e a rejeição do
uso da energia nuclear. Além disso, Mélenchon defende a saída da França da Otan
e a renegociação de tratados europeus para priorizar a soberania nacional e a
solidariedade entre os povos.
Internacionalmente, Mélenchon expressou forte apoio a
movimentos de esquerda na América Latina, especialmente ao chavismo na
Venezuela, o que lhe rendeu críticas e admiração. Ele é conhecido por sua
postura crítica em relação às intervenções militares ocidentais e defende um
mundo multipolar, tal qual Dugin e Putin.
No momento, a rejeição a seu nome é alta no congresso
recém-eleito, ele é o oposto de um candidato de consenso, tão odiado pela coalizão
centrista de Macron quanto por sua própria coalizão.
Paulo Henrique Araujo
Analista político, palestrante e escritor; é o fundador do
portal PHVox e também apresenta os programas nosso canal do YouTube. É um
estudioso da história brasileira, principalmente referente ao período colonial
e monárquico, e da geopolítica latino-americana.
Sem comentários:
Enviar um comentário