Em uma corrida contra o tempo, ciência avança na busca da cura para o vírus
Há quatro meses, ninguém tinha ouvido falar. Há pouco mais de dois, foi declarada a pandemia. Agora, já são quase 2 milhões de casos e mais de 130 mil mortes na peste negra do século 21. Em
um curto espaço de tempo, o Sars-Cov-2 fez estragos sem precedentes nos
últimos 100 anos, parando o mundo e trancafiando um terço da população
em suas casas. Mas, nesse período, a Covid-19 não foi a única a avançar.
A
ciência responde à crise em um ritmo acelerado. Embora muito ainda
tenha de ser descoberto sobre o novo coronavírus, o conhecimento a
respeito dele progride diariamente, em um esforço mundial inédito.
Conectados, pesquisadores ao redor do globo — muitas vezes, de
laboratórios concorrentes — trabalham juntos para desvendar um
micro-organismo cujo diâmetro é de oitenta bilionésimos de 1m. Os
avanços têm levado a testes de vacinas e a ensaios clínicos de
medicamentos. O que ainda não se sabe, porém, é se o conhecimento já adquirido sobre o vírus será capaz de frear a pandemia ainda neste ano.
Logo
no início da crise, duas importantes pesquisas revelaram a cara do
inimigo. Em 11 de janeiro, quando a Covid-19 estava longe de parecer uma
ameaça mundial, cientistas do Centro de Saúde Pública de Xangai, na
China, deram um passo fundamental para saber com quem estavam lidando.
Eles realizaram o primeiro sequenciamento genético do Sars-Cov-2 e
compartilharam os dados em um site aberto, para que outros pesquisadores
começassem a fazer estudos sobre o vírus.
Foi
assim que o biólogo evolutivo Andrew Rambaut, da Universidade de
Edimburgo, na Escócia, descobriu se tratar de um coronavírus 90%
semelhante ao Sars-Cov-1, micro-organismo que causou a síndrome
respiratória aguda grave (Sars) em 2003. Um mês depois do primeiro
rascunho genético do micro-organismo, pesquisadores da Universidade do
Texas e do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas (Niaid)
norte-americano deram mais um passo fundamental para tentar combater o
vírus: eles revelaram a estrutura atômica da proteína spike.
Vacinas e drogas
Essa
proteína, em formato de T, é a chave que abre a fechadura da célula do
hospedeiro, permitindo que o Sars-Cov-2 se funda à membrana e entre no
citoplasma de células humanas, onde libera seu material genético e
produz cópias dele mesmo, infectando o organismo. Em março, foi a vez
desse mesmo grupo de pesquisadores identificar a fechadura, ou seja, o
receptor da spike. As duas descobertas são fundamentais, pois apontam os
principais alvos de bloqueio do mecanismo do vírus.
“Mapear
a proteína spike foi um passo essencial para cientistas ao redor do
mundo desenvolverem vacinas e drogas antivirais para combater o
Sars-Cov-2”, diz Jason McLellan, professor da Universidade de Austin que
participou da pesquisa. Esse trabalho levou ao primeiro ensaio clínico
de uma imunização contra o vírus, chefiada pelo Niaid, em instituições
norte-americanas. O diretor do instituto, o infectologista Antony Faucy, porém, disse, na época, que não se esperasse um produto antes de um ano.
Agora,
segundo um levantamento da revista Nature, há 73 projetos de vacinas em
estudos in vitro, com animais e humanos, e 42 em desenvolvimento. Na
semana passada, a China anunciou que está na segunda fase de pesquisa
clínica de uma imunização mais segura, pois não usa organismos vivos na
composição. Por enquanto, os estudos foram feitos com 108 pessoas. Com a
segurança comprovada, é o momento de assegurar se a substância é
eficaz. Caso positivo, parte-se para a terceira e última etapa, quando
se examina novamente a eficiência da vacina, mas em um número grande de
pessoas.
Alguns cientistas envolvidos em pesquisas
de imunização acreditam que, até o início do próximo ano, alguma vacina
esteja disponível. Na sexta-feira, uma equipe da Universidade de
Oxford, no Reino Unido, que já vinha desenvolvendo uma imunização para o
coronavírus que causa a Mers (síndrome respiratória do Oriente Médio,
que emergiu em 2012) afirmou que, até setembro, 1 milhão de doses
disponíveis de uma vacina para Covid-19 estarão disponíveis. A
responsável pelo projeto, a infectologista Sarah Gilbert, afirmou à BBC
que a substância é segura e será oferecida antes dos resultados sobre
eficácia.
Especialistas, porém, pedem cautela. “De um ano a 18 meses é um prazo muito otimista. Normalmente,
uma vacina segura e eficaz levará de 10 a 15 anos para ser
desenvolvida, se estiver começando do zero”, aponta Supriya Munshaw,
especialista em transferência de tecnologia da Universidade de John
Hopkins, nos Estados Unidos.
Munshaw lembra que
não é esse o caso, pois as substâncias em testes já vinham sendo
desenvolvidas para outros coronavírus, como os causadores de Sars e
Mers. Ainda assim, considera que, no próximo ano, ainda não deverá
existir uma vacina pronta no mercado. “Mesmo depois da fase III, em que
milhões de pessoas são recrutadas, esses grandes testes de vacinas podem
durar de um a cinco anos, porque você está esperando para ver se o seu
grupo vacinado tem uma incidência menor de doença que o grupo do
placebo.” A especialista destaca, porém, que diante da gravidade da
Covid-19, é possível que algumas dessas etapas sejam encurtadas.
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