*A EXONERAÇÃO DE SÉRGIO MORO*
_Por Valtécio Pedrosa_, promotor de justiça do Estado da Bahia.
Pode-se definir o herói como aquele que se destaca dos
comuns por agir com extraordinária coragem e bravura,
compelido por objetivos altruístas. Para ser considerado herói,
o sujeito tem que fazer algo fora do normal, em meio a outros
que não externem a vontade ou não possua a capacidade de
fazer, ainda que o enfrentamento lhe expunha ao perigo ou lhe
custe a própria vida. Sérgio Moro foi um juiz excepcional;
diferenciado, por sua habilidade intelectual em vencer os
meandros intermináveis de uma legislação exageradamente
favorável aos bandidos. Soube conduzir os processos
criminais, com cuidado e equilíbrio para evitar nulidades,
mesmo diante dos mais terríveis ataques. Mas isso não lhe
qualifica como herói, senão como um excelente magistrado. No país afora existem muitos magistrados com tais
qualidades. Não despertam a atenção midiática porque trabalharam em causas que não envolvem tanta gente
poderosa. Ademais, arriscar a própria vida no exercício
destemido da judicatura, também não é condição suficiente
para qualificar um juiz como herói. O risco é inerente ao
exercício da magistratura no âmbito criminal, a exemplo da
juíza Patrícia Acioli, assassinada em 2011, em razão de seu
histórico de condenações contra traficantes e milicianos.
Ninguém deve ser considerado herói apenas por ter exercido
seu cargo com competência e honestidade, sobretudo quando
se é pago justamente para isto.
Tendo sido um excelente magistrado, não induz
necessariamente a mesma proficuidade para ser Ministro de
Estado. E nesse sentido, errou o Presidente Bolsonaro em tê-lo
nomeado, assim como errou o Sérgio Moro em ter aceitado a
nomeação. Acontece. Em primeiro lugar, não foi devidamente
aferida a identidade ideológica entre os dois. E segundo lugar,
a natureza das instituições são diferentes. Trabalhar no Poder
Judiciário sendo juiz é muito diferente de trabalhar sob o
regime de hierarquia de uma política ministerial. Como juiz, se age com ampla liberdade de convencimento dentro de
parâmetros legais para tomar as decisões. Não há
necessidade de consulta prévia aos membros de tribunais
superiores para decidir. O juízo é formado de forma
independente de acordo com a livre apreciação das provas e o
que diz a lei. Possíveis equívocos são corrigidos por meio de
recursos, cuja reforma do julgado pela instância superior não
acarreta qualquer penalidade para o juiz. Há, como se diz entre
os profissionais do direito, a independência funcional. Quando
se vai para um Ministério, a personalidade amalgamada
durante anos de independência funcional deve ser
prontamente abandonada. Como Ministro de Estado, você
deve satisfação ao Presidente da República. Ou você obedece
ou pede exoneração. Simples assim. Diferentemente da
magistratura, o Ministro de Estado não tem independência
funcional. Acreditar tê-la é, no mínimo, ingenuidade. O juiz
toma decisões jurídicas; o Ministro de Estado toma decisões
políticas. Por isso, a Constituição dá ao Presidente a
prerrogativa de escolher e exonerar livremente seus ministros,
sem necessidade de qualquer fundamentação, tenha ou não
tenha razão.
O fato de o Presidente da República desejar ter maior
afinidade política com o Diretor da Polícia federal é
absolutamente normal. Ter acesso aos relatórios de atividades;
investimentos em determinadas áreas, como políticas de
fronteiras, tráfico de drogas e armas, prioridades de
operações, etc., decorre do seu poder supremo de supervisão.
Sempre foi assim. Não há qualquer crime de responsabilidade
a ser atribuído ao Presidente por querer se inteirar das
atividades de seus subordinados. O que não é admissível é
que o Presidente interfira em casos concretos que estejam
sendo devidamente apurados, ou ordene apurações sem
fundamento para tirar proveito pessoal ou político, porque isso
contraria outros princípios constitucionais inerentes à atividade
policial. Mas, ao Presidente não é vedado o estabelecimento de ordenações genéricas para a Polícia Federal, pelo menos
enquanto ela não for contemplada com a autonomia
conquistada pelo Ministério Público, por exemplo.
Sob este aspecto, o Ministro Sérgio Mouro não repetiu a
dose do desempenho magistral que teve na judicatura. Não foi
bom para o Presidente Bolsonaro, nem o seria para qualquer
outro presidente, em vistada dificuldade em compreender que
seu novo status mais o aproxima de um servidor subordinado,
do que um juiz independente.
Por fim, a forma pela qual se utilizou para materializar sua
saída do Ministério da Justiça não dignificou a sua história
enquanto magistrado. Em vez de pedir a exoneração e
procurar as instâncias próprias para noticiar os “crimes" do
Presidente, preferiu a dramatização oportunista numa coletiva
de imprensa e a revelação de conversas íntimas numa
emissora de televisão oposicionista. É lamentável.
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