ORIGEM
DO POVO PALESTINO
RESUMO
1.
INTRODUÇÃO
2. AS
RELAÇÕES ENTRE A DINASTIA SELÊUCIDA E A JUDEIA
3.
JUDEIA INDEPENDENTE SOB O GOVERNO DOS MACABEUS
4. A
DINASTIA DOS HERODES NA PALESTINA
5. A
SOCIEDADE DA PALESTINA DO PRIMEIRO SÉCULO
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
SILVA,
José Roberto Limas da.
História
da Palestina do primeiro século: possíveis contextualizações e aprendizados.
O
presente artigo tem o propósito de construir um resumido roteiro histórico,
político e socioeconômico da Palestina do primeiro século. O caminho é
demasiadamente complexo, mas lançaremos mão de uma análise historicista e
cronológica a fim de compreendermos o pano de fundo onde são erguidas as bases
do Novo Testamento cristão. Os fatos históricos, mencionados nesse texto, são
um terreno comum, já mencionado por centenas de pesquisadores. Não obstante, a
presente pesquisa demonstrará a necessidade de revisitar o tema, sobretudo,
pela necessidade de contextualizar as mazelas sociais e políticas tão presentes
e tão questionadas por Jesus nos evangelhos, especialmente as desigualdades
econômicas e a marginalização dos pobres e grupos periféricos como estrangeiros,
publicanos e prostitutas. O desenvolvimento do assunto desse artigo deixará
visível, no palco da Palestina, o ambiente social, político, econômico e
cultural em que foi desenvolvido o ministério de Jesus, bem como, o espaço
vital onde ocorreram as narrativas dos evangelhos.
Palavras-chave:
Palestina, primeiro século, Novo Testamento, Judeia, Império Romano.
1.
INTRODUÇÃO
Inicialmente
havemos de dizer que estudar a Palestina do primeiro século nos impõe várias
exigências, a começar pela caracterização do nome Palestina. O nome dessa
terra, chamada Palestina, como a conhecemos hoje, não é mencionado no Novo
Testamento. A palavra Palestina é uma nominação dos gregos para a região
conhecida como Filistia, uma estreita faixa litorânea do Mar Mediterrâneo, próxima
à Judeia. Ocorre que com o tempo este nome Philistia, tornou-se Palestina, e a
região toda (Canaã) passou a ser chamada de Palestina.
O nome
bíblico para toda essa região é Canaã, Terra Santa, Terra Prometida etc. Essa
região começa nas montanhas da Síria e vai até as estepes do Neguebe (deserto)
no comprimento e do grande deserto da Arábia até o mediterrâneo na sua largura.
Quando falamos de terra prometida, podemos nos reportar aos tempos de Salomão
quando toda a Palestina (Canãa) foi ocupada pelos Hebreus (de Dã até Berseba).
Quanto
à Palestina do primeiro século, essa tinha uma configuração geopolítica
estabelecida pelos romanos, dividida basicamente nas seguintes regiões:
Idumeia/Judeia, Galileia, Pereia e Decapólis. Quando falamos de Palestina no
Novo Testamento, temos que ter em mente que esta região, em virtude de sua
posição geográfica, “estava constantemente envolvida em políticas partidárias
do Oriente Próximo antigo” (STAUMBAUGH; BALCH, 1996, p. 16), sendo assim o
caminho de exércitos de conquistadores que saiam do Egito em direção à
Mesopotâmia ou vice-versa.
Precisamos,
também, entender todo o processo histórico para chegarmos à Palestina do
primeiro século, dentro dessa configuração territorial romana. Faz-se
necessário, primeiramente, revisitar a conquista do Oriente Próximo por
Alexandre Magno, iniciando o processo de helenização desta região (nos anos de
331 a 333 a.C). Temos, nesse primeiro momento, um processo que vai configurar
cultural e socialmente a Palestina do Novo Testamento. A cultura helênica vai
influenciar o judaísmo Palestinense, que havia se estruturado no pós-cativeiro
babilônico. Não obstante, teremos, a partir desse processo histórico, uma nova
religiosidade judaica, que será constituída de grupos que apoiam a presença da
cultura grega na religião judaica e os grupos fundamentalistas que resistirão a
esse processo.
Fonte:
https://www.google.com/search?q=palestina
O
período curto da vida de Alexandre desembocou na divisão do seu império em
quatro grandes regiões (Egito, Mesopotâmia/Ásia Central, Anatólia e Macedônia),
sendo que o território da Palestina ficou sob a influência da região
Mesopotâmica/Ásia Central, com o governo
dos Selêucidas ao norte (na Síria) e ao sul pelos Ptolomeus (no Egito). Esse
território, assim, ficou num espaço que envolvia, então, certa disputa
territorial entre os Ptolomeus e os Selêucidas. Sabemos que “a dinastia
Selêucida na Síria foi de várias formas mais agressiva que a dos Ptolomeus. Em
certas épocas sob Antioco III (223-187 a. C.), o seu reino abarcou a Armênia e
os partos e até mesmo parte da Índia” (STAUMBAUGH; BALCH, 1996, p. 16). Já a
dinastia dos Ptolomeus era mais tolerante com a vida cultural e religiosa da
Palestina, em especial com os Judeus.
2. AS
RELAÇÕES ENTRE A DINASTIA SELÊUCIDA E A JUDEIA
Os
Seleucidas trouxeram grande desconforto para a Palestina, sobretudo a partir do
governo de Antíoco Epifânio, “que invadiu Jerusalém depois de cento e quarenta
e três anos que Seleuco e seus sucessores começaram a reinar na Síria” (JOSEFO,
2019, p. 561). Dito fato aconteceu quando Antíoco (que governava a Síria)
voltava do Egito, duma batalha frustrante, e resolveu se valer do apoio de
alguns partidários favoráveis a sua política helenizante da palestina, que
abriram-lhe as portas da cidade de Jerusalém. Sendo assim, ele “mandou matar
vários do partido contrário, apoderou-se de grande quantidade de dinheiro e
voltou à Antioquia” (JOSEFO, 2019, p. 561). Dessa forma, a hostilidade de
Antíoco era constante sobre grupos de judeus mais ortodoxos, sendo que, após
essa invasão mencionada acima, ele retornou dois anos depois,
despojando
o Templo das muitas riquezas de que, sabia ele, estava cheio. Tomou os vasos
consagrados a Deus, os candelabros de ouro, a mesa sobe a qual se punham os
pães da proposição e os turíbulos. Levou até mesmo as tapeçarias de escarlate e
de linho fino e pilhou tesouros que estavam escondidos havia muito tempo
(JOSEFO, 2019, p. 561).
Nesse
período, muitos judeus da Palestina incorporaram a cultura helênica às suas
práticas religiosas e sociais, especialmente entre a “nobreza da alta classe de
Jerusalém” (STAUMBAUGH; BALCH, 1996, p. 16), enquanto grupos tradicionais e
fundamentalistas do Judaísmo resistiam com animosidade a este processo de
aculturação do Judaísmo ao Helenismo. Nesse momento, a vida social e religiosa
da Judeia está fragmentada e cercada de conflitos entre os grupos liberais
(favoráveis ao estilo de vida grego) e os tradicionais (observadores estritos
da Torah, como os Fariseus).
Esse
quadro político instável era um terreno favorável para que Antíoco (dinastia
Selêucida) estabelecesse um governo mais presente e atuante sobre a sociedade
judaica, que por causa da sua religiosidade oferecia muita resistência ao seu
projeto de “governar um reino culturalmente unificado” (STAUMBAUGH; BALCH,
1996, p. 16). Ademais, ele contava agora com o apoio dos judeus helênicos, que
almejavam assumir o poder em Jerusalém. Este quadro ganhará contornos cada vez
mais dramáticos, sendo que
entre
175 e 163 a. C., os helenizantes, cujos interesses eram impedidos pelas
regulamentações detalhadas da Torah, romperam com as instituições
tradicionalistas. Fundaram, encorajados por Antíoco, uma polis no estilo grego
em Jerusalém, que completaram com um ginásio e um conselho dominado pelos
nobres não-sacerdotais da família de Tobias. As tentativas alcançaram seu
clímax em 167 a. C., quando Antìoco demoliu as muralhas da cidade de Jerusalém
e construiu uma nova fortaleza (a Acra) para a guarnição síria. Estabeleceu-se
no próprio Templo um culto dedicado ao deus grego Zeus, e Antíoco publicou
decreto proibindo a prática da religião judaica na Judeia. Os tradicionalistas
responderam com revolta armada. Sob a liderança de uma família de ricos
sacerdotes rurais, que se costuma chamar de os Macabeus, a guerra contra os
Selêucidas continuou por vinte anos. Em 164 a. C., Judas Macabeus abateu o
culto de Zeus, que viera a se conhecer como a ‘abominação da desolação’, e
restabeleceu o culto tradicional dos judeus, evento que ainda hoje se celebra
no feriado da Hannukah. (STAUMBAUGH; BALCH, 1996, p. 16).
Com o
prevalecimento dos Macabeus e a reestruturação da vida religiosa judaica, temos
uma nova conjuntura política e social da Palestina, sobretudo por causa do
recrudescimento dos ideais nacionalistas, bem como, de um estado teocrático,
independente e expansionista. Ademais, os Macabeus expectavam uma reforma
religiosa abrangente que visava a deselenização da Palestina e a conquista de
prosélitos para a religião judaica.
3.
JUDEIA INDEPENDENTE SOB O GOVERNO DOS MACABEUS
Esse
momento da história ganha contornos marcantes, pois marca a aproximação dos
romanos da Palestina por iniciativa dos Macabeus. Com a vitória dos Hasmoneus,
Judas Macabeu é nomeado sumo sacerdote, que “constatando que o poder dos
romanos era tão grande que eles haviam submetido os Gálatas, os espanhóis e os
cartagineses, subjugado a Grécia e vencido os reis Perseu, Filipe e Antioco, o
Grande, resolveu fazer amizade com eles {…}” (JOSEFO, 2019, p. 581).
Os
romanos, que tinham grande interesse na região da Palestina, até porque
significava o livre acesso ao Egito, e com esse horizonte em mente,
estabeleceram o primeiro tratado com a dinastia dos Macabeus. O tratado era
amplamente favorável aos Macabeus e oferecia a segurança que precisavam no
ambiente hostil da Palestina, em face de possíveis retaliações da dinastia dos
selêucidas. O teor do tratado era basicamente esse:
Nenhum
dos que estão sujeitos aos romanos fará guerra aos judeus, tampouco auxiliará
os seus inimigos com trigo, navios ou dinheiro. Os romanos ajudarão os judeus
com todas as suas posses contra os que os atacarem, e os judeus auxiliarão os
romanos do mesmo modo, se estes forem atacados. Se os judeus quiserem
acrescentar ou diminuir alguma coisa a esta aliança que contraem com os
romanos, não o poderão fazer sem o consentimento de todo o povo romano, que
deverá ratificá-lo (JOSEFO, 2019, p. 581).
Nessa
perspectiva de apoio e proteção romana, após a morte de Judas Macabeu, é
nomeado como sumo sacerdote, Jônatas, que acumulou a posição de governador
também. E, assim, a partir de 152 a. C começa este processo de um governo
religioso-político na Judeia. Já em 143 a. C., Jônatas é sucedido pelo seu
irmão Simão, obtendo isenção de impostos em 142 a. C., data que marca o início
da independência da Judeia.
Com o
estabelecimento da família dos Macabeus, é definida uma dinastia vitalícia na
Judeia, chamada dos Hasmoneus que vai permanecer até o ano 63 a. C. Esse é um
período em que a Palestina passa a ser totalmente dominada pelos Judeus, agora,
patrocinados pelo apoio político de Roma. Com esse apoio, os Hasmoneus vão ampliar
continuamente seu território, anexando a Idumeia (região dos árabes), cidades
do litoral mediterrâneo e a região de Decápolis (cidades de cultura
helenizada). A geopolítica Hasmoneia era baseada especialmente na imposição do
Judaísmo e na remoção da cultura helênica, “abolindo as instituições típicas
como o ginásio e os templos pagãos” (STAUMBAUGH; BALCH, 1996, p. 16). Uma
importante observação a ser feita neste ponto é que a dinastia dos Herodes, que
vai governar a Palestina (ou parte dela) por longo período, vai proceder desta
anexação da Idumeia aos interesses políticos judaicos.
Os
traços de corrupção e degeneração foram se evidenciando na dinastia Hasmoneia,
como acontecesse costumeiramente em toda dinastia, com brigas familiares,
conflitos entre as seitas do judaísmo, perseguição política, desencadeando uma
guerra civil na Judeia. Nesse estado de coisas, os Romanos que acompanham as
mazelas políticas da família dos Hasmoneus, resolveram intervir. Desta forma,
no ano 63 a. C, o general Pompeu entrou em “Jerusalém, sitiou e conquistou a
área do templo, provocou um banho de sangue, entrou e profanou o Santo dos
Santos e assumiu a Judeia como Estado-vassalo de Roma sob a fraca autoridade do
sumo sacerdote Hircano II, do qual tirou o título de rei” (DONNER, 1997, p.
512).
Nesse
primeiro momento do domínio Romano, a Palestina foi anexada à Síria (sede da
antiga dinastia Selêucida), devolvendo autonomia política às regiões como a de
Decápolis e removendo o acesso da Judeia ao mediterrâneo. Em suma, a configuração
política e geográfica da Palestina ficou mais reduzida, voltando à configuração
anterior ao governo dos Hasmoneus.
4. A
DINASTIA DOS HERODES NA PALESTINA
A
anexação da Idumeia e a ligação da família dos Herodes à família dos Hasmoneus
viabilizaram a introdução dos Herodes no governo da Palestina, em face do
momento de fraqueza político-religiosa dos Hasmoneus, depostos na invasão
romana. Outro fato importante para a introdução da dinastia Idumeia na
Palestina, foram as boas relações que os Herodes possuíam com os Romanos,
devido aos serviços militares prestados pelos Herodes quando Jerusalém foi
invadida pelos Partos, sendo reassumida posteriormente por Herodes, apoiado
pelo governador da Síria.
Dessa
forma, a família Herodes conseguiu os auspícios dos Romanos em 43 a. C, sendo
Herodes declarado como rei de uma Judeia que “abarcava a Galileia, a Pereia e
Samaria” (STAUMBAUGH; BALCH, 1996, p. 18). Num futuro próximo, Herodes vai
receber o controle de numerosas cidades gregas da costa do mediterrâneo e vai
distribuir a população da Judeia, reduzindo “a superpopulação no território
judaico original” (STAUMBAUGH; BALCH, 1996, p. 19).
Podemos
dizer que este Herodes se considerava “o senhor da Palestina na época do
nascimento de Jesus como um daqueles príncipes vassalos a quem os grandes usam
e toleram {…}” (ROPS, 2008. p. 76). Era um mal necessário para os romanos, que
precisavam de uma liderança leal na Palestina. O papel de vassalo leal foi
sempre cumprido com maestria por Herodes, pois estava sempre a cargo dos
melhores serviços romanos. A Palestina do nascimento de Jesus é assim, então,
governada por um homem poderoso que dirigia com mão de ferro a mesma, com poder
de nomear, inclusive o sumo sacerdote do templo. Não obstante, “uma grande
parte da opinião pública (entre os judeus) estava contra ele, por ser Idumeu,
praticamente incircunciso, um filho de Esaú {…}” (ROPS, 2008. p. 77).
Resumindo
este período de Herodes (37 a. C – 4 a. C), podemos dizer que a vida política
de Israel se apresentou sempre conturbada e à beira de levantes e conspiratas,
sempre abafadas de forma violenta pelo mesmo Herodes. A rotina do governo de
Herodes pode ser resumida assim:
Num dia
o povo ficava sabendo que centenas de fariseus tinham sido enforcados por
criticar em voz demasiado alta o governador, em outro que trezentos oficiais,
suspeitos de conspiração em Samaria, tinha sido linchados por uma multidão
atiçada pela polícia; ou talvez que os jovens que haviam tentado remover a
águia dourada colocada pelo tirano no portão do templo foram apedrejados ou
queimados vivos. Num clima de tanta violência o Massacre dos Inocentes no
Evangelho se enquadra com perfeição e naturalidade (ROPS, 2008. p. 79).
Após a
morte de Herodes, o governo da Palestina foi fracionado entre seus filhos,
destinando as regiões de Idumeia, Judeia e Samaria para Arquelau Herodes;
Antipas Herodes ficou com a Galileia e Filipe ficou com a região de Basã.
Entretanto, Arquelau não conseguiu suportar as pressões e os conflitos na
região da Judeia, sendo substituído por Procuradores Romanos. Dessa maneira, as
regiões onde Jesus desenvolveu seu ministério efetivamente (Galileia e Judeia)
eram governadas por dois atores principais: Na Judéia e Samaria, um oficial
romano; na Galileia, Herodes Antipas.
Feitas
estas breves considerações sobre o cenário político da Palestina, vamos pensar
no cenário social da Palestina no Novo Testamento.
5. A
SOCIEDADE DA PALESTINA DO PRIMEIRO SÉCULO
A
maioria da população era campesina, vivendo em aldeias e não em grandes
cidades. Essa realidade não era muito diferente do restante do Império Romano,
que tinha na população rural a esmagadora maioria. E isso é explicado pelo fato
de a economia do “Império Romano estar baseada nas atividades agrárias”
(ALFOLDY, 1989, p. 114) e diferentemente do que muitos pensam, a economia do
Império não era movida primeiramente pelos tributos ou pelas operações
comerciais, mas pelas atividades agrícolas. Situação semelhante era vivida no
ambiente da Palestina, estando a maioria da população envolvida com atividades
do campo, haja vista as muitas parábolas contadas por Jesus, enfatizando o
mundo rural (pastores, agricultores, pescadores etc).
A
demografia urbana é bastante surpreendente, nesse sentido, uma vez que as
grandes cidades eram exceção, prevalecendo as cidades pequenas, sendo que “a
maior parte das mais de 1000 cidades do Imperium Romanum tinha provavelmente
uma população de 10.000 a 15.000 habitantes” (ALFOLDY, 1989, p. 114). “Uma
cidade com mais de 20.000 habitantes (como Pompeia) já era considerada uma
cidade média, enquanto eram muito poucas as cidades com uma população de 50.000
a 100.000 habitantes, como Pérgamo {…}” (ALFOLDY, 1989, p. 114). Assim, as
únicas grandes cidades, “além de Roma, cujo número de habitantes é calculado em
talvez 1.000.000, eram Alexandria no Egipto e Antioquia na Síria, com algumas
centenas de milhar” (ALFOLDY, 1989, p. 114).
Imagem
2- Mapa do Império Romano – início do segundo século
Fonte:
Disponível em: https://www.google.com/search?q=
Com
relação à estratificação social e às condições econômicas da população na
Palestina, “a grande maioria dos judeus, nos tempos em que Jesus viveu na
Galileia, Transjordânia e Judéia, vivia em pequenas aldeias, e não em grandes
cidades como Tiberíades e Jerusalém” (STAUMBAUGH; BALCH, 1996, p. 74), e isso
explica o fato de Jesus privilegiar sua missão no ambiente de pequenas
comunidades e no campo, como se vê nesta passagem do Novo Testamento: “ Ao cair
da tarde, vieram os discípulos a Jesus e lhe disseram: O lugar é deserto, e vai
adiantada a hora; despede, pois, as multidões para que, indo pelas aldeias,
comprem para si o que comer” (ALMEIDA, 2008, p. 1268)
Outra
questão que explica muito as condições sociais e econômicas da população da
Palestina, eram as moradias precárias, havendo famílias mais pobres que moravam
num cômodo só, fator agravado pelo fato de que “era raro que as pessoas
ficassem sem se casar” (STAUMBAUGH; BALCH, 1996, p. 75), além de ser comum a
geração de muitos filhos, impactando ainda mais a economia doméstica. Nesse
contexto social de uma população basicamente rural e uma economia
essencialmente agrícola, o atestado de prosperidade era a posse da terra. A
realidade na Palestina, como nas demais regiões do Império Romano, era de
polarização dos grupos sociais, os ricos possuíam a posse da terra e os pobres
trabalhavam nela, de forma precária e sem a retribuição econômica suficiente
para a sua manutenção. Somos informados de que “muitos romanos ricos, entres os
quais a maioria dos senadores, como por exemplo, Plínio o Jovem ou Herodes
Ático, muitos cavaleiros e a maioria dos decuriões da cidade deviam a sua
fortuna às propriedades rurais que possuíam {…}” (ALFOLDY, 1989, p. 114),
enquanto os pobres realizavam o trabalho braçal no campo.
Esse
quadro de desigualdade social encontrava-se espalhado por todo o território do
império e temos conhecimento sobre a concentração de terras (latifúndios) nas
mãos de uma pequena parcela da população, sendo que “nas províncias
mediterrânicas, como em África, onde em meados do século I d. C., as
propriedades de seis grandes proprietários, cobriam metade do país {…}”
(ALFOLDY, 1989, p. 123). Essa infeliz e desigual distribuição de riquezas
acentuava os problemas sociais e a miséria da população pobre, pois os modos de
vida de ricos e pobres eram radicalmente diferentes, uma vez que as famílias
ricas moravam em palácios luxuosos, enquanto os pobres moravam amontoados em
casebres, o que patrocinava relações sociais opressivas onde os pobres se
sujeitavam a humilhações constantes (ALFOLDY, 1989, p. 123).
A
compreensão de sua posição no extrato social, por parte do morador da
Palestina, diferia razoavelmente da leitura que o resto da população do império
fazia. Rops (2008) analisa essa diferença de percepção do judeu palestinense em
relação às demais nações:
O que
isolava, porém, completamente Israel das demais nações do mundo antigo era a
sua atitude em relação a esta desigualdade social e aos privilégios da riqueza.
O princípio religioso era absoluto: com exceção da classe sacerdotal, que era
tida como possuindo uma graça especial, todos os leigos judeus mantinham
estritamente uma posição de igualdade entre eles (…). Quer dizer, somos iguais,
sou tão bom quanto eles. Um humilior romano encontrando um abastado patrício em
sua toga listada de púrpura a caminho do senado, com todos os seus clientes à
sua volta, não sentia um igual; mas o mais desgraçado dos fiéis, de pé no átrio
do Templo, com os braços levantados para
o céu em oração, sabia que aos olhos de Javé ele era tão bom quanto Herodes”
(ROPS, 2008, p. 161).
Esse
sentimento de ser digno de uma vida melhor, de não se sentir inferiorizado em
relação ao indivíduo que está numa posição econômica ou social acima da sua,
produziu no judeu a crença de que a pobreza e a miséria são circunstanciais e
não uma condição irrevogável e imutável. Isso acentuava a luta entre classes
(no dizer moderno de Marx) e possibilitava a mobilidade social, uma vez que a
pobreza era uma condição eventualmente provisória e que precisava ser
acompanhada de certa dose de inconformismo.
Essa
perspectiva explica muito o quadro de conflitos sociais presentes na Palestina
Judaica, evidenciado nos textos dos evangelhos. Percebe-se, claramente, que o
equilíbrio da sociedade parecia incerto e sua solidez, precária, prevalecendo a
inimizade entre as classes por quaisquer motivos, sejam eles políticos, sociais
ou religiosos. Um clima constante de animosidade ronda a Palestina do Novo
Testamento, sendo que “o povo comum se sentia miserável, se apegava a qualquer
esperança e a quaisquer homens que, guardando a fé, lhes oferecessem um futuro
melhor” (ROPS, 2008. p. 181). Este é o terreno fértil onde a mensagem do Novo
Testamento vai ser proclamada pela igreja judaica da Palestina.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A
compreensão do processo histórico que desemboca na Palestina do primeiro século
é essencial para percebermos os matizes sociais e religiosos do Novo
Testamento. O ministério de Jesus não acontece num vácuo cultural e social,
pelo contrário, seu discurso vai ao encontro de um sistema social e político
opressivo e marginalizador do morador da Palestina e, evidentemente, estendido
a todo ser humano. Essa compreensão será tanto mais produtiva se feita de uma
forma sistêmica e transdisciplinar, considerando todos os elementos sociais,
políticos, filosóficos e religiosos que estão em torno da narrativa bíblica.
Nesse
sentido, o estudo da Palestina do primeiro século nos ajuda a refletir sobre o
modus vivendi de nossa geração que, de certa maneira, repete as injustiças
sociais dessa época e que foram combatidas por Jesus com suas palavras, seu
suor, suas lágrimas e seu sangue derramado na cruz
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