Toda a
vida em poema de Olavo Bilac
A
Viagem da Vida: Velhice, 1842, de Thomas Cole
Excerto
do Boletim Parnaso, publicado em 20 de outubro de 2023. Clique aqui para ler o
boletim na íntegra.
Como
vocês descobriram, os poetas parnasianos, de grande veia positivista, se
opunham ao romantismo e ao simbolismo, mas nem sempre essa regra era cumprida,
— afinal, poesia não se faz apenas de técnicas, não é mesmo? — principalmente
quando falamos de Olavo Bilac. A obra Tarde, na verdade, é uma obra, de modo
geral, bastante existencialista. Eis o poema:
Ciclo
Manhã.
Sangue em delírio, verde gomo,
Promessa
ardente, berço e liminar:
A
árvore pulsa, no primeiro assomo
Da
vida, inchando a seiva ao sol… Sonhar!
Dia. A
flor — o noivado e o beijo, como
Em
perfumes um tálamo e um altar:
A
árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta
à voz dos pássaros… Amar!
Tarde.
Messe e esplendor, glória e tributo;
A
árvore maternal levanta o fruto,
A
hóstia da ideia em perfeição… Pensar!
Noite.
Oh! Saudade!… A dolorosa rama
Da
árvore aflita pelo chão derrama
As
folhas, como lágrimas… Lembrar!
Claramente
temos aqui um soneto, uma métrica impecável, solenidade no vocabulário,
preciosismo linguístico entre outras características parnasianas. Mas o leitor
atento logo percebe que o poema é rico em simbolismo, ainda que “direto”. O
poeta fala da vida e suas fases, do nascimento à velhice.
Vou
fazer uma rápida explanação, apenas para dar vias ao leitor, sem o impossível
propósito de esgotar o poema. Percebam como Bilac se utiliza dos períodos de um
dia para simbolizar o avanço da idade, logo nas primeiras palavras de cada
estrofe: manhã, dia, tarde e noite. Vejam a descrição de cada período. A manhã
pulsa, é ardente, delirante. É a primeira e segunda infância, cheia de
curiosidade, tendo o mundo a ser explorado. O dia é o momento de juventude,
período de paixão, risada, beijos, cantos. É a juventude em sua plenitude até
“festiva”, digamos. A tarde é a maturidade, é quando colhemos os frutos, as
glórias, quando o vigor já foi bem usado e agora “frutificamos”, temos filhos,
posses, obras etc. Mas ainda é momento de produzir e correr. E eis que vem a
noite, o instante do desgaste vital, da dor, a essa altura já perdemos alguns
amigos, familiares, amores, glórias, força. As folhas caem, é a velhice.
Perceberam
o simbolismo? É lindo, não concordam? Reparem que podemos também comparar às
quatro estações do ano: primavera, verão, outono e inverno. Do mais vibrante ao
mais frio e mórbido. E para fecharmos este tópico, peço para que observem as
últimas palavras de cada estrofe, são verbos que representam cada fase ou
estação da vida: Sonhar, Amar, Pensar e, por fim, Lembrar. E como num instante,
como a leitura de um soneto, saímos do sonho, de “toda uma vida pela frente” e
chegamos às memórias daquilo que já foi vivido.
Desejo
sinceramente que tenham uma boa “noite”, companheiros de vida! E espero que toda
essa profundidade não tenha deixado vocês para baixo, pois o show não pode
parar. Sigamos!
Anderson
C. Sandes
Poeta,
cronista, ensaísta. Articulista no PHVox. Vivo de poesia pra não morrer de
razão. Reflexões sobre arte e literatura. Autor de Baseado em Fardos Reais, de
Arte & Guerra Cultural: preparação para tempos de crise, e organizador da
antologia Quando Tudo Transborda.
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