sábado, 21 de outubro de 2023

REFLEXÃO 01

 

 

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Aborto e excomunhão

Escrito em 7 de março de 2009

 

Não costumo escrever sobre assuntos que estão fazendo furor na mídia porque nestes casos raramente existe algo de racional nas discussões, mas apenas opiniões catárticas…. e muito chute, travestidos de opiniões abalizadas. Principalmente quando envolve a questão do aborto, eutanásia e a Igreja Católica. Porém, após meus últimos artigos sobre o primeiro tema alguns leitores pedem a minha posição sobre o caso da menina que engravidou por ser estuprada pelo padrasto e a excomunhão. Para não deixar meus leitores sem resposta, escreverei brevemente sobre isto agora.

 

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Para uma resposta completa eu deveria entender profundamente de três assuntos: genética, obstetrícia e Direito Canônico. Como não sou especialista em nenhuma delas, considerem que vou emitir opiniões pessoais.

 

Sobre genética voltei a estudar para escrever aquele artigo que publiquei aqui e outro(s) em andamento. Obstetrícia a última vez que estudei – e por pouco não fiz esta gratificante especialidade – foi no sexto ano médico em 1969! De lá para cá muito pouco. E nunca estudei Direito Canônico.

 

Mas vamos lá: é surpreendente que esta menina ovule aos 9 anos. Quem leu meu último artigo sabe que a liberação dos oócitos secundários, popularmente chamados óvulos, se dá na puberdade. Será um caso de puberdade precoce? E se for, por quê? Estimulação sexual precoce? Talvez. Ela, portanto, tem condições genéticas para engravidar. Outra coisa são as condições médicas, obstétricas, para parir e daí a precocidade. Se bem me lembro, nesta idade ainda não existe o alargamento necessário da bacia pélvica nem suficiente abertura pubiana para a saída do feto, mormente para um parto gemelar. Como tudo na evolução humana, o corpo da mulher vai se preparando aos poucos para a maternidade, e a menarca (primeira menstruação) só se dá quando o abdômen estiver suficientemente amoldado para acomodar o útero grávido e o púbis pronto para a saída dos fetos. Esta menina já menstruava ou engravidou na primeira ovulação?

 

Como não sou adivinho como a maioria dos que anda opinando sobre o caso pelos jornais, não posso afirmar sem dúvidas que este parto seria impossível. Seria necessária, provavelmente, uma intervenção cesárea precoce com a retirada de fetos prematuros (nos dois sentidos: temporal e de formação dos órgãos internos). Sobreviveriam? É bem possível que não. Sobreviveria a menina? Talvez sim se a intervenção fosse realizada no tempo certo por profissionais competentes. Mas opino que parto normal, a termo, seria impossível. Então, era necessário o abortamento? É uma questão que não me atrevo a julgar. Creio que a melhor conduta obstétrica seria interná-la numa maternidade de primeira, especializada em gravidez de alto risco, e acompanhar a gravidez hora a hora tomando-se a medida necessária na hora certa. Qual seria esta medida, abortamento de feto inviável por risco de três vidas, ou cesárea de fetos já viáveis? Como já disse, não sou adivinho, é preciso perguntar aos “especialistas” como o iminente (sic) obstetra e “especialista” em Direito Canônico, Dr. Merval Pereira que está cheio de certezas (Estupra, mas Não Mata, O Globo, 07/03/2009. (No caso eminente não se aplica, iminente sim, quem sabe ele começa os cursos de Medicina e Teologia agora?).

 

Quanto à excomunhão seria também necessário consultar outra “especialista” em Direito Canônico, a jornalista Fernanda de Escóssia que afirma (A Fé e a Intolerância, O Globo, 06/03/2009) ser católica e quer ensinar missa ao vigário ao proferir o absurdo que “acreditar ou não na vida desde a concepção é questão de foro íntimo e a crença de cada um não é debate do interesse da esfera pública”. Até aí os meus conhecimentos de Direito Canônico e Doutrina da Igreja chegam: para um católico não é questão de foro íntimo, nem crença pessoal, pois a Doutrina ensina que o ser humano começa na concepção e não admite contestações. Portanto, esta dona Escóssia não é católica, só pensa que é. E também não tem nem idéia do que seja Inquisição e de quando ocorreu. A Inquisição medieval não matou ninguém, dona Escóssia, era exatamente isto: inquirição, discussões intermináveis sobre a boa Doutrina e a filosofia que fizeram do medievo uma das épocas intelectualmente mais férteis da história humana. Esta história de “volta às trevas patrocinadas pela Arquidiocese de Olinda e Recife” indica que esta senhora, além de não-católica, é ignorante em história. Há muito tempo historiadores sérios já demonstraram que esta estória de “Idade das Trevas” é uma balela inventada pelo Iluminismo, que pouco iluminou, muito mais cegou. A Inquisição, que matou muito menos gente do que os totalitarismos do século XX – com a enorme vantagem numérica dos comunistas (ver em http://www.hawaii.edu/powerkills/) – foi a utilizada pelos reis de Espanha, chamados “Reis Católicos”, tão católicos como a Dona Escóssia, Fernando e Isabel. E a patrocinada por uma das personagens mais sinistras e cruéis da história: Catarina de Médicis, mãe dos últimos reis da dinastia Valois e avó, através de sua filha, dos primeiros Bourbons.

 

 

Houve participação da Igreja Católica nestes acontecimentos? Sim, mas jamais um projeto de extermínio patrocinado pelo Vaticano, como o Holodomor comunista (ver os artigos sobre o tema na seção com este nome do meu site) e a “solução final da questão judaica” nazista.

 

Embora eu não seja um especialista em Direito Canônico, como os dois citados, não me parece que para a excomunhão seja necessário um processo Canônico, é automática nos casos previstos, e o abortamento é um deles. Alguns defendem que não depende nem mesmo de um ato de algum prelado, mas do fato em si passível de excomunhão ter sido cometido. É preciso reconhecer que a excomunhão não é um ato humano, mas Divino. Incorre em excomunhão – expulsão do seio dos fiéis – todo católico que comete um pecado cuja pena é esta, independentemente de que qualquer outra pessoa, prelado ou não, tome conhecimento. Esta ideia idiota se refere a uma crença generalizada – cada vez mais! – de que crime é o que é conhecido pela sociedade.  O que se passa na calada da noite não!

 

Outra pérola do “especialista” Merval é que “o chefe da Igreja Católica em Recife a coloca em flagrante distanciamento com o sentimento generalizado da população brasileira, que ela deveria representar”. A ênfase é minha para mostrar o ridículo desta afirmação: a Igreja não é representante dos homens, mas sim de Deus e pouco importa o “sentimento generalizado da população”. A observação de “mestre” Merval não é burrice, é má fé mesmo, pois todo o seu artigo é uma defesa aberta da demonologia da libertação.  Finalmente Dom José Cardoso Sobrinho deu a deixa para ser atacado por ter limpado a sua Arquidiocese do lixo demonológico que lhe impôs o “bispo vermelho”, Helder Câmara. A comunalha jamais aceitou sua ação depuradora.

 

Concepção é um termo religioso para o mais correto fertilização e como expressei no meu último artigo sobre o tema não há discussão possível: a vida não começa, flui, e o novo ser já está presente após a fertilização com o nome de zigoto.  A única discussão possível é se dever-se-ia matar dois seres humanos na presunção de que poderiam matar o hospedeiro. Isto sim é questão de foro íntimo para os não-católicos. É claro que a tchurma da campanha a favor do aborto e da eutanásia e contra a Igreja Católica – por estes e qualquer outro motivo! – está deitando e rolando! Até Sua Eminência Ignorântica, São Luis Ignácio, Doutor Ignóris Causa em tudo, meteu a sua colher de “especialista” em Teologia e Medicina, afirmando do alto de sua bendita insapiência que “a medicina está mais correta do que a Igreja”.

 

Os meus milhões (!) de leitores sabem que não sou católico, mas me identifico com a Igreja em função da minha profissão, pasmem, pois sendo psicanalista deveria atacar as religiões porque segundo Freud, um Mestre na clínica dos distúrbios mentais, mas que também tinha sua empáfia de se meter em tudo, disse que a religião é apenas uma neurose obssessivo-compulsiva coletiva e “provou” que Moisés não era judeu, mas egípcio. Minha identificação com a Igreja é porque também sou considerado um dinossauro por continuar fazendo psicanálise e não esta mixórdia em que se transformou minha Especialidade – com E maiúsculo mesmo e sem aspas – em função da “modernidade”. Recuso-me a aceitar esta falácia de que o homem mudou com os tempos. A mente humana continua exatamente a mesma desde o início dos tempos. A maioria dos que se denominam psicanalistas, incluindo as instituições formadoras, estão destruindo a psicanálise, tal com a demonologia da libertação está destruindo a Igreja Católica.  Segundo o depoimento do pároco de Alagoinha, Pe. Edson Rodrigues, que acompanhou todo o processo a coisa é muito mais escabrosa do que saiu na imprensa oficial.

 

 

Heitor De Paola

Heitor De Paola é escritor e comentarista político, membro da International Psychoanalytical Association e Clinical Consultant, Boyer House Foundation, Berkeley, Califórnia, e Membro do Board of Directors da Drug Watch International.

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