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Aborto
e excomunhão
Escrito
em 7 de março de 2009
Não
costumo escrever sobre assuntos que estão fazendo furor na mídia porque nestes
casos raramente existe algo de racional nas discussões, mas apenas opiniões
catárticas…. e muito chute, travestidos de opiniões abalizadas. Principalmente
quando envolve a questão do aborto, eutanásia e a Igreja Católica. Porém, após
meus últimos artigos sobre o primeiro tema alguns leitores pedem a minha posição
sobre o caso da menina que engravidou por ser estuprada pelo padrasto e a
excomunhão. Para não deixar meus leitores sem resposta, escreverei brevemente
sobre isto agora.
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Para
uma resposta completa eu deveria entender profundamente de três assuntos:
genética, obstetrícia e Direito Canônico. Como não sou especialista em nenhuma
delas, considerem que vou emitir opiniões pessoais.
Sobre
genética voltei a estudar para escrever aquele artigo que publiquei aqui e
outro(s) em andamento. Obstetrícia a última vez que estudei – e por pouco não
fiz esta gratificante especialidade – foi no sexto ano médico em 1969! De lá
para cá muito pouco. E nunca estudei Direito Canônico.
Mas vamos
lá: é surpreendente que esta menina ovule aos 9 anos. Quem leu meu último
artigo sabe que a liberação dos oócitos secundários, popularmente chamados
óvulos, se dá na puberdade. Será um caso de puberdade precoce? E se for, por
quê? Estimulação sexual precoce? Talvez. Ela, portanto, tem condições genéticas
para engravidar. Outra coisa são as condições médicas, obstétricas, para parir
e daí a precocidade. Se bem me lembro, nesta idade ainda não existe o
alargamento necessário da bacia pélvica nem suficiente abertura pubiana para a
saída do feto, mormente para um parto gemelar. Como tudo na evolução humana, o
corpo da mulher vai se preparando aos poucos para a maternidade, e a menarca
(primeira menstruação) só se dá quando o abdômen estiver suficientemente amoldado
para acomodar o útero grávido e o púbis pronto para a saída dos fetos. Esta
menina já menstruava ou engravidou na primeira ovulação?
Como
não sou adivinho como a maioria dos que anda opinando sobre o caso pelos
jornais, não posso afirmar sem dúvidas que este parto seria impossível. Seria
necessária, provavelmente, uma intervenção cesárea precoce com a retirada de
fetos prematuros (nos dois sentidos: temporal e de formação dos órgãos
internos). Sobreviveriam? É bem possível que não. Sobreviveria a menina? Talvez
sim se a intervenção fosse realizada no tempo certo por profissionais
competentes. Mas opino que parto normal, a termo, seria impossível. Então, era
necessário o abortamento? É uma questão que não me atrevo a julgar. Creio que a
melhor conduta obstétrica seria interná-la numa maternidade de primeira,
especializada em gravidez de alto risco, e acompanhar a gravidez hora a hora
tomando-se a medida necessária na hora certa. Qual seria esta medida,
abortamento de feto inviável por risco de três vidas, ou cesárea de fetos já
viáveis? Como já disse, não sou adivinho, é preciso perguntar aos
“especialistas” como o iminente (sic) obstetra e “especialista” em Direito
Canônico, Dr. Merval Pereira que está cheio de certezas (Estupra, mas Não Mata,
O Globo, 07/03/2009. (No caso eminente não se aplica, iminente sim, quem sabe
ele começa os cursos de Medicina e Teologia agora?).
Quanto
à excomunhão seria também necessário consultar outra “especialista” em Direito
Canônico, a jornalista Fernanda de Escóssia que afirma (A Fé e a Intolerância,
O Globo, 06/03/2009) ser católica e quer ensinar missa ao vigário ao proferir o
absurdo que “acreditar ou não na vida desde a concepção é questão de foro
íntimo e a crença de cada um não é debate do interesse da esfera pública”. Até
aí os meus conhecimentos de Direito Canônico e Doutrina da Igreja chegam: para
um católico não é questão de foro íntimo, nem crença pessoal, pois a Doutrina
ensina que o ser humano começa na concepção e não admite contestações.
Portanto, esta dona Escóssia não é católica, só pensa que é. E também não tem
nem idéia do que seja Inquisição e de quando ocorreu. A Inquisição medieval não
matou ninguém, dona Escóssia, era exatamente isto: inquirição, discussões
intermináveis sobre a boa Doutrina e a filosofia que fizeram do medievo uma das
épocas intelectualmente mais férteis da história humana. Esta história de
“volta às trevas patrocinadas pela Arquidiocese de Olinda e Recife” indica que
esta senhora, além de não-católica, é ignorante em história. Há muito tempo
historiadores sérios já demonstraram que esta estória de “Idade das Trevas” é
uma balela inventada pelo Iluminismo, que pouco iluminou, muito mais cegou. A
Inquisição, que matou muito menos gente do que os totalitarismos do século XX –
com a enorme vantagem numérica dos comunistas (ver em
http://www.hawaii.edu/powerkills/) – foi a utilizada pelos reis de Espanha,
chamados “Reis Católicos”, tão católicos como a Dona Escóssia, Fernando e
Isabel. E a patrocinada por uma das personagens mais sinistras e cruéis da
história: Catarina de Médicis, mãe dos últimos reis da dinastia Valois e avó,
através de sua filha, dos primeiros Bourbons.
Houve
participação da Igreja Católica nestes acontecimentos? Sim, mas jamais um
projeto de extermínio patrocinado pelo Vaticano, como o Holodomor comunista
(ver os artigos sobre o tema na seção com este nome do meu site) e a “solução
final da questão judaica” nazista.
Embora
eu não seja um especialista em Direito Canônico, como os dois citados, não me
parece que para a excomunhão seja necessário um processo Canônico, é automática
nos casos previstos, e o abortamento é um deles. Alguns defendem que não
depende nem mesmo de um ato de algum prelado, mas do fato em si passível de
excomunhão ter sido cometido. É preciso reconhecer que a excomunhão não é um
ato humano, mas Divino. Incorre em excomunhão – expulsão do seio dos fiéis –
todo católico que comete um pecado cuja pena é esta, independentemente de que
qualquer outra pessoa, prelado ou não, tome conhecimento. Esta ideia idiota se
refere a uma crença generalizada – cada vez mais! – de que crime é o que é
conhecido pela sociedade. O que se passa
na calada da noite não!
Outra
pérola do “especialista” Merval é que “o chefe da Igreja Católica em Recife a
coloca em flagrante distanciamento com o sentimento generalizado da população
brasileira, que ela deveria representar”. A ênfase é minha para mostrar o
ridículo desta afirmação: a Igreja não é representante dos homens, mas sim de
Deus e pouco importa o “sentimento generalizado da população”. A observação de
“mestre” Merval não é burrice, é má fé mesmo, pois todo o seu artigo é uma
defesa aberta da demonologia da libertação.
Finalmente Dom José Cardoso Sobrinho deu a deixa para ser atacado por
ter limpado a sua Arquidiocese do lixo demonológico que lhe impôs o “bispo
vermelho”, Helder Câmara. A comunalha jamais aceitou sua ação depuradora.
Concepção
é um termo religioso para o mais correto fertilização e como expressei no meu
último artigo sobre o tema não há discussão possível: a vida não começa, flui,
e o novo ser já está presente após a fertilização com o nome de zigoto. A única discussão possível é se dever-se-ia
matar dois seres humanos na presunção de que poderiam matar o hospedeiro. Isto
sim é questão de foro íntimo para os não-católicos. É claro que a tchurma da
campanha a favor do aborto e da eutanásia e contra a Igreja Católica – por
estes e qualquer outro motivo! – está deitando e rolando! Até Sua Eminência
Ignorântica, São Luis Ignácio, Doutor Ignóris Causa em tudo, meteu a sua colher
de “especialista” em Teologia e Medicina, afirmando do alto de sua bendita
insapiência que “a medicina está mais correta do que a Igreja”.
Os meus
milhões (!) de leitores sabem que não sou católico, mas me identifico com a
Igreja em função da minha profissão, pasmem, pois sendo psicanalista deveria
atacar as religiões porque segundo Freud, um Mestre na clínica dos distúrbios
mentais, mas que também tinha sua empáfia de se meter em tudo, disse que a
religião é apenas uma neurose obssessivo-compulsiva coletiva e “provou” que
Moisés não era judeu, mas egípcio. Minha identificação com a Igreja é porque
também sou considerado um dinossauro por continuar fazendo psicanálise e não
esta mixórdia em que se transformou minha Especialidade – com E maiúsculo mesmo
e sem aspas – em função da “modernidade”. Recuso-me a aceitar esta falácia de
que o homem mudou com os tempos. A mente humana continua exatamente a mesma
desde o início dos tempos. A maioria dos que se denominam psicanalistas,
incluindo as instituições formadoras, estão destruindo a psicanálise, tal com a
demonologia da libertação está destruindo a Igreja Católica. Segundo o depoimento do pároco de Alagoinha,
Pe. Edson Rodrigues, que acompanhou todo o processo a coisa é muito mais
escabrosa do que saiu na imprensa oficial.
Heitor
De Paola
Heitor
De Paola é escritor e comentarista político, membro da International
Psychoanalytical Association e Clinical Consultant, Boyer House Foundation,
Berkeley, Califórnia, e Membro do Board of Directors da Drug Watch
International.
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