Social,
filantrópico e missionai: conheça o futuro do empreendedorismo no Brasil –
parte 1
Por
Paulo Humaitá
Nas
últimas décadas, o empreendedorismo passou a ser mais encorajado em muitos
países ao redor do mundo, principalmente como estratégia de impacto social e
missões. Este artigo, às vezes realista, por outras vezes futurista, tem como
objetivo entregar uma reflexão do porquê, gradualmente, o mundo está percebendo
que o empreendedorismo e a inovação trabalham em conjunto para minimizar a pobreza
através do emprego (jobs), mas também para acelerar a Grande Comissão (Jesus).
Para
nós, cristãos, isso passa por um resgate da compreensão bíblica de que todos os
seguidores de Jesus estão em missão e de que, doar para missões, é muito longe
de ser a única forma com que a esmagadora maioria dos membros de uma igreja
local participa desse movimento. Doar é o mínimo que podemos fazer, além de ser
uma obrigação bíblica que podemos realizar com muita disposição e alegria.
Entretanto, quantas pessoas têm tentado terceirizar o seu papel na missão de
Deus ao doar financeiramente mas não investindo a própria vida no Reino? Se
realmente nos importamos com missões, é muito importante que comecemos a
aprofundar e analisar criticamente o impacto de como fazemos a missão acontecer
ao redor do mundo.
O
futuro do impacto social é o empreendedorismo
Empreender
com boa intenção não é suficiente para gerar um impacto positivo. É preciso ter
uma tese clara e um modelo sustentável de negócio, o que não aconteceu com a Toms
Shoes, um exemplo negativo de empreendedorismo de impacto.
Ao doar
um par de calçados por cada um que era vendido a um país pobre, a empresa gerou
impactos negativos irreparáveis ao influenciar um comportamento de dependência
nas comunidades que apoiava. Isto é, a imagem que ficou é a de que ninguém
precisava se esforçar, estudar e trabalhar, pois ganhavam o que precisavam: o
calçado, o alimento, etc. Além disso, o projeto acabou levando os negócios
locais de calçados à falência, gerando mais desemprego e mais pobreza a essas
localidades. A boa intenção gerou mais desgraça para aquelas comunidades e a
Toms Shoes, depois de anos de reflexão, abandonou este modelo.
Esse
ponto também é destacado pela economista internacional, Dambisa Moyo, em seu
livro Dead Aid, que avalia a ajuda filantrópica como um alívio temporário de
problemas. Mas que a única força capaz de criar 1,8 bilhão de novos empregos e
combater a pobreza da África é o empreendedorismo. No livro From Aid to Trade,
o empreendedor haitiano Daniel Jean-Louis e a empreendedora norte-americana
Jacqueline Klamer estudaram o impacto negativo no Haiti. Como resposta ao
terremoto devastador de 2010, muitas ONGs correram para o país para aliviar a
fome. Mas quando a crise imediata cessou, elas falharam em fazer a transição da
ajuda humanitária para empreendedorismo e negócios. Como resultado, eles não só
deixaram muitas crianças dependentes da filantropia para sobreviver, como
também os pais das crianças que perderam seus empregos. Uma das organizações foi
a FMSC (Feed My Starving Children) que foi fundada em 1987 com a missão de
“alimentar os pequeninos de Deus que tem muita fome física e espiritual”.
Porém, o arroz dado pela FMSC era comprado nos EUA e enviado até o Haiti, mesmo
que muitos empreendedores haitianos produziam arroz em suas plantações. O
estudo constatou que: “no curto prazo, o programa ajuda muitas crianças
haitianas a sobreviver, mas prejudica os seus futuros ao colocar uma pressão
mercadológica desnecessária nos fazendeiros haitianos, ao invés de fomentar a
economia local”. O resultado da boa intenção no Haiti foi desastroso, gerando
ainda mais pobreza para o país. Este é o impacto que queremos das nossas
organizações cristãs?
Certa
vez, estava em um almoço privado com um filantropo francês que gerenciava um
fundo de alguns bilhões de euros. Quando perguntado sobre a sua tese de
impacto, ele disse: “só fazemos doações para o norte da África e Europa
central”. Ao ser questionado sobre a motivação da sua tese regional, ele
respondeu: “no fundo, fazemos isso para deixar essas pessoas dependentes, dessa
forma elas não criam negócios que possam competir com os negócios europeus”.
Empreender
é também expressar de forma evidente o caráter criativo de Deus. Ao estabelecer
políticas ou práticas como essas mencionadas acima, resultando em pessoas
dependentes e acomodadas, cometemos um crime contra a humanidade. A ausência
dessa liberdade econômica rouba das pessoas e famílias a autonomia que poderiam
ter empreendendo ou se beneficiando da atividade empreendedora através de um
bom emprego. Afinal, Deus nos chamou para sermos trabalhadores.
Hoje no
Brasil existe um crescente movimento de empreendedorismo de impacto formado por
alguns milhares de novos negócios que surgiram na última década. Para estes
empreendedores e investidores, o retorno em impacto importa tanto, ou até mais,
do que o retorno em dinheiro. Quem é reconhecido como o principal precursor
deste movimento no mundo? O economista muçulmano Muhammad Yunus, criador do
conceito de microcrédito e que através de um banco social impactou a vida de
milhões de pessoas em Bangladesh e, com isso, foi ganhador do Nobel da Paz em
2006. O empreendedorismo é uma ferramenta poderosa para enfrentar os grandes
desafios do mundo contemporâneo.
O
futuro da filantropia é o empreendedorismo
A
evolução da filantropia tem apresentado mudanças significativas ao longo do
tempo, e sua relação com o empreendedorismo tem se tornado cada vez mais
próxima. Agora, a filantropia não se limita apenas a doações, mas também em
abordagens empreendedoras que visam maximizar o impacto social. A filantropia
empreendedora reconhece que é necessário não apenas tratar os sintomas, mas
também curar as raízes dos problemas sociais.
A
verdade é que o empreendedor, embora possa causar muito impacto na sociedade,
está sozinho na jornada, principalmente no início. Ao contrário de outros
países, um típico empreendedor brasileiro não possui capital próprio e não
consegue contar com ajuda de capital inicial de FFFs (Family, Friends and Folks
ou Familiares, Amigos e Parceiros). Ao mesmo tempo, o crescente número de
investidores-anjo no Brasil é formado por investidores mais conservadores, que
aplicam o capital somente após a validação do negócio em demonstrar uma solução
que funciona e vendas a clientes, o que é diferente da lógica de
investimento-anjo em países mais desenvolvidos. E para o empreendedor chegar
até lá? Quantos milhões de brasileiros são excluídos do ecossistema
empreendedor devido a este cenário?
Este é
um dos motivos porque há um crescente movimento de fundos filantrópicos e
fundações norte-americanas que, ao apoiarem modelos puramente assistencialistas
durante décadas, compreenderam que tais modelos transformam comunidades de uma
forma muito limitada. As fundações, geralmente conectadas a empresas familiares
que repassam a elas uma parte do lucro, têm se tornado mantenedoras de
incubadoras e aceleradoras de negócios quando observam que o que traz impacto
positivo para as comunidades é o impulsionamento do empreendedorismo local.
É neste
cenário que surge o Blended Finance, um modelo que investe recursos de
diferentes fontes, que podem ser privadas, públicas ou filantrópicas. Agora,
pare e responda: é um nobre destino usar filantropia para geração de emprego e
renda? Com um bom emprego e uma renda melhor, as famílias podem investir mais
em qualidade de vida, educação, saúde e até as suas igrejas são melhores
assistidas.
Existem
diversos cases conhecidos de filantropia empreendedora, sendo um ótimo exemplo
a Fortlev, uma empresa brasileira que se especializa em soluções para
armazenamento de água. Eles são líderes no Brasil no setor de caixas de água,
fornecem produtos de alta qualidade e realizam programas de inclusão, ajudando
comunidades carentes no sertão brasileiro a terem acesso a água potável e
criando oportunidades de emprego local. Com o projeto Água Viva, levam água
para o sertão brasileiro através do empreendedorismo, tais como ações de
plantações via hidroponia, entre outras, onde famílias bem pobres do sertão, que
antes nem acesso à água tinham, agora lideram seus negócios, gerando renda,
melhor qualidade de vida, educação para as próximas gerações, e ainda tem
acesso a água limpa.
A
mudança de paradigma não está acontecendo somente do ponto de partida do setor
empresarial, mas emerge também de dentro do terceiro setor. Um exemplo disso é
a organização Water4, uma associação sem fins lucrativos com operações na
África. Nos últimos anos, eles pararam de enxergar o africano como alguém que
só precisa receber água e começaram a enxergar pessoas como seres econômicos,
descobrindo que um alto percentual delas poderia pagar pela água consumida. Um
exemplo disso foi o que aconteceu com Augustina, dona de um salão de beleza na
comunidade rural Wassa em Uganda. Antes, ela levava 3 a 4 horas por dia
carregando água de longe para lavar o cabelo de seus clientes, mas agora ela
paga pela conveniência da água que chega ao seu salão, ganhando tempo para
atender mais clientes, o que gerou quatro novos empregos na sua comunidade e conseguiu
colocar seus filhos na escola. O primeiro poço furado pela Water4 há mais de
uma década continua ativo somente devido aos negócios locais que foram surgindo
dessa forma e, atualmente, eles se tornaram a maior organização provedora de
água em todo o continente africano. É uma organização sem fins lucrativos que
gera impacto incubando e acelerando negócios.
É
importante ressaltar que não se trata de uma competição entre abordagens
filantrópicas, mas sim de união para aumentar o impacto global. A filantropia
empreendedora chega para ajudar a construir uma visão de futuro onde a
solidariedade se alia à inovação. É uma abordagem que está moldando o amanhã da
filantropia, oferecendo esperança e soluções duradouras para os desafios que
enfrentamos.
Por
Paulo Humaitá, CEO e founder da Bluefields Aceleradora @bleufields_aceleradora.
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