sábado, 21 de outubro de 2023

REFLEXÃO 02

 

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ANÁLISE

Alexandre Garcia: Xingu e Gaza

"Vamos fingir que está tudo muito bem, porque, afinal, a mais de 10.000 km de distância, o Hamas quer eliminar Israel e Israel quer, antes, eliminar o Hamas. Quando e se houver paz por lá, estaremos de volta por aqui", alerta jornalista.

  

 EDITORS NOTE: Graphic content / People carry bodies of Palestinians killed in a strike on the Ahli Arab hospital in central Gaza after they were transported to Al-Shifa hospital, on October 17, 2023. A strike on a hospital compound in the Gaza Strip killed at least was blamed by officials in the Hamas-run Palestinian territory on October 17, sparking widespread condemnation and fury. But Israel's army blamed a rocket misfired by militants in Gaza. (Photo by Dawood NEMER / AFP)

EDITORS NOTE: Graphic content / People carry bodies of Palestinians killed in a strike on the Ahli Arab hospital in central Gaza after they were transported to Al-Shifa hospital, on October 17, 2023. A strike on a hospital compound in the Gaza Strip killed at least was blamed by officials in the Hamas-run Palestinian territory on October 17, sparking widespread condemnation and fury. But Israel's army blamed a rocket misfired by militants in Gaza. (Photo by Dawood NEMER / AFP) - (crédito: AFP)

São Félix do Xingu, no Pará, está a 1.600km ao norte de Brasília. Gaza está a leste, mais de 10.000km. Para os brasileiros em geral, Gaza é vizinha e São Félix do Xingu é no outro mundo. Não sei se é a tal síndrome de vira-lata, diagnosticada por Nelson Rodrigues, em que a vida brasileira vale menos que as outras, ou se é um mecanismo de fuga, identificado por Freud, que faz a gente se interessar menos por pesadelos no próprio país e viver algum sonho d'além-mar.

 

 

Fatos gravíssimos estão acontecendo ao norte de Brasília. Faz semanas que fervem os espíritos de brasileiros da Vila Renascer, resultado de um assentamento do Incra em 1994, "indevido" segundo a Funai, na reserva Apyterewa, de 980 mil hectares, onde, em 1998, viviam 218 índios parakanã.

 

Veio ordem para desalojar os colonos, que plantam de tudo e criam gado de subsistência, e demolir o povoado, inclusive a escola. Vivem da agricultura familiar e, como não têm para onde ir, resistem. A Força Nacional foi para lá — helicópteros, IBAMA, Funai — e o que acontece tem sido considerado irrelevante pelo país à sua volta.

 

Nesta semana, previsível, tivemos o primeiro sangue derramado. Um dos que resistiam recebeu dois tiros — um no tórax e outro no abdômen. Ozeias dos Santos Ribeiro, de 37 anos, produtor rural, pai de família. Morto, ironicamente, em Renascer. Em vídeo, o prefeito João Kleber relata que ligou para o governador Helder Barbalho, que ligou para o presidente Lula. Ontem, enquanto a população recebia a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, o ministro da Justiça Flávio Dino mandava suspender a operação de banir a vila para refletir.

 

Enquanto isso, em Mato Grosso do Sul, a 1.000km de Brasília, dois ônibus desembarcam com 80 índios em Rio Brilhante, e invadiram uma fazenda de 400 hectares, com 7 mil sacos de soja recém colhidos e milho por semear. Foi o que contou, na tribuna da Assembléia Legislativa, o ex-governador Zeca do PT, hoje deputado estadual. Ele garantiu que Lula pensa em garantir os direitos dos indígenas, mas nunca concordou com invasões de terras produtivas.

 

 

 

Esses episódios mostram uma insegurança básica que afeta o território nacional: a insegurança fundiária, agravada após a interpretação do Supremo do marco temporal deixado pelos constituintes. Quem poderia fazer alguma coisa, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), declarou em Paris, ao Correio Braziliense, que não vai pautar medidas populares "porque qualquer instabilidade é muito ruim para o país".

 

Manter o atual estado de coisas, para ele, é melhor. Vamos fingir que está tudo muito bem, porque, afinal, a mais de 10.000 km de distância, o Hamas quer eliminar Israel e Israel quer, antes, eliminar o Hamas. Quando e se houver paz por lá, estaremos de volta por aqui, desfrutando a paz dos passivos e omissos.

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