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ANÁLISE
Alexandre
Garcia: Xingu e Gaza
"Vamos
fingir que está tudo muito bem, porque, afinal, a mais de 10.000 km de
distância, o Hamas quer eliminar Israel e Israel quer, antes, eliminar o Hamas.
Quando e se houver paz por lá, estaremos de volta por aqui", alerta
jornalista.
EDITORS NOTE: Graphic
content / People carry bodies of Palestinians killed in a strike on the Ahli
Arab hospital in central Gaza after they were transported to Al-Shifa hospital,
on October 17, 2023. A strike on a hospital compound in the Gaza Strip killed
at least was blamed by officials in the Hamas-run Palestinian territory on
October 17, sparking widespread condemnation and fury. But Israel's army blamed
a rocket misfired by militants in Gaza. (Photo by Dawood NEMER / AFP)
EDITORS NOTE: Graphic content / People carry bodies of
Palestinians killed in a strike on the Ahli Arab hospital in central Gaza after
they were transported to Al-Shifa hospital, on October 17, 2023. A strike on a
hospital compound in the Gaza Strip killed at least was blamed by officials in
the Hamas-run Palestinian territory on October 17, sparking widespread
condemnation and fury. But Israel's army blamed a rocket misfired by militants
in Gaza. (Photo by
Dawood NEMER / AFP) - (crédito: AFP)
São
Félix do Xingu, no Pará, está a 1.600km ao norte de Brasília. Gaza está a
leste, mais de 10.000km. Para os brasileiros em geral, Gaza é vizinha e São
Félix do Xingu é no outro mundo. Não sei se é a tal síndrome de vira-lata,
diagnosticada por Nelson Rodrigues, em que a vida brasileira vale menos que as
outras, ou se é um mecanismo de fuga, identificado por Freud, que faz a gente
se interessar menos por pesadelos no próprio país e viver algum sonho
d'além-mar.
Fatos
gravíssimos estão acontecendo ao norte de Brasília. Faz semanas que fervem os
espíritos de brasileiros da Vila Renascer, resultado de um assentamento do
Incra em 1994, "indevido" segundo a Funai, na reserva Apyterewa, de
980 mil hectares, onde, em 1998, viviam 218 índios parakanã.
Veio
ordem para desalojar os colonos, que plantam de tudo e criam gado de
subsistência, e demolir o povoado, inclusive a escola. Vivem da agricultura
familiar e, como não têm para onde ir, resistem. A Força Nacional foi para lá —
helicópteros, IBAMA, Funai — e o que acontece tem sido considerado irrelevante
pelo país à sua volta.
Nesta
semana, previsível, tivemos o primeiro sangue derramado. Um dos que resistiam
recebeu dois tiros — um no tórax e outro no abdômen. Ozeias dos Santos Ribeiro,
de 37 anos, produtor rural, pai de família. Morto, ironicamente, em Renascer.
Em vídeo, o prefeito João Kleber relata que ligou para o governador Helder
Barbalho, que ligou para o presidente Lula. Ontem, enquanto a população recebia
a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, o ministro da Justiça
Flávio Dino mandava suspender a operação de banir a vila para refletir.
Enquanto
isso, em Mato Grosso do Sul, a 1.000km de Brasília, dois ônibus desembarcam com
80 índios em Rio Brilhante, e invadiram uma fazenda de 400 hectares, com 7 mil
sacos de soja recém colhidos e milho por semear. Foi o que contou, na tribuna
da Assembléia Legislativa, o ex-governador Zeca do PT, hoje deputado estadual.
Ele garantiu que Lula pensa em garantir os direitos dos indígenas, mas nunca
concordou com invasões de terras produtivas.
Esses
episódios mostram uma insegurança básica que afeta o território nacional: a
insegurança fundiária, agravada após a interpretação do Supremo do marco
temporal deixado pelos constituintes. Quem poderia fazer alguma coisa, o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), declarou em Paris, ao Correio
Braziliense, que não vai pautar medidas populares "porque qualquer
instabilidade é muito ruim para o país".
Manter
o atual estado de coisas, para ele, é melhor. Vamos fingir que está tudo muito
bem, porque, afinal, a mais de 10.000 km de distância, o Hamas quer eliminar
Israel e Israel quer, antes, eliminar o Hamas. Quando e se houver paz por lá,
estaremos de volta por aqui, desfrutando a paz dos passivos e omissos.
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