13-
https://youtu.be/AgzYJmnqJVY
//Reprodução das Plantas //
14a. ParteQuando
começa um novo ser humano
(Recentemente)…
Surgiu um fenômeno, desconhecido pela antiguidade, que permeia nossa sociedade
moderna tão completamente que sua onipresença quase não deixa lugar para ser
examinado: a proibição do questionar… Confrontamo-nos com pessoas que sabem
muito bem, e porque, suas opiniões não se sustentam frente à análise crítica,
que fazem da proibição do exame de suas premissas parte de seu dogma… As
perguntas dos “seres individuais” são eliminadas pelo ukase do especulador, que
não permitirá que suas construções sejam perturbadas — Eric Voegelin, Science,
Politics and Gnosticism
(Quando
Alice questiona o uso de certas palavras, Humpty Dumpty responde, com desdém):
“Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que eu escolhi como seu
significado — nem mais, nem menos”. Alice retruca: “A questão é se você PODE
fazer com que as palavras signifiquem tantas coisas”. Humpty Dumpty: “A questão
é quem deve ser o mestre — isto é tudo!” — Lewis Carroll, Through the looking
Glass
Num
artigo anterior abordei o debate sobre o aborto apresentando alguns fatos
embriológicos sobre a vida intra-uterina para demonstrar que o feto já é um ser
humano desde a fecundação, a fertilização do óvulo pelo espermatozoide. Parti
deste ponto e agora retorno a ele, porém para recuar um pouco mais no tempo:
até o momento em que se formam as duas células presentes na fecundação. Para
isto peço aos leitores leigos condescendência para alguns nomes científicos com
os quais não estão familiarizados, mas, sem entendê-los, é impossível
compreender os primórdios de nossas existências.
Como
este não é um texto de embriologia [[i]], mas inserido no atual debate a
respeito do aborto, é preciso delimitar três campos específicos quase sempre
confundidos, gerando erros muito graves. Como dizia Aristóteles: um pequeno
erro no início leva a uma multidão de erros no final (De Coelo). Geralmente
intromete-se a “ciência” em campos nos quais nada tem a dizer, levando a
“conclusões científicas” equivocadas.
1.
Quando começa a vida
2.
Quando começa a existir um ser humano
3.
Quando se reconhece a existência de uma pessoa
A
ciência tem algo a dizer sobre o primeiro; tudo sobre o segundo; e nada sobre o
terceiro. Como escrevo do ponto de vista científico limitar-me-ei aos
comentários pertinentes.
1.
Quando começa a vida?
A
ciência não vai além de dizer que, em algum momento da evolução do universo,
deu-se uma combinação especial de aminoácidos especiais, o DNA (ácido
desoxirribonucléico) que fez surgir um fenômeno até então inexistente. O resto
é terreno exclusivo da filosofia e da religião. Como a discussão se prende mais
a quando se inicia a vida de cada ser humano, repito as minhas palavras no
artigo citado:
Um
ponto que tende a aproximar as teorias científicas das religiões é que, hoje,
não se considera que o processo vital sofra descontinuidade, isto é, que a vida
recomece a cada novo ser. Acredita-se que a vida teve um impulso inicial –
sopro vital, divino – e passou a fluir constantemente de uns seres para outros.
Pode-se dizer que a vida, após o impulso inicial continua fluindo porque os
genes se recusam a morrer e se perpetuam neste fluir. As células que conduzem
os genes, o espermatozóide e o óvulo, são obviamente células vivas e, portanto
a vida se continua desde o momento da fecundação.
Espanta-me
que teóricos e articulistas pró-vida se prendam a discussões bizantinas a
respeito de quando começa a vida. Ora, se pai e mãe são seres vivos e as
células reprodutoras também, como pode a união de duas delas criar uma
descontinuidade no processo vital? O que existiria, então, nesta
descontinuidade? Morte? Estado nem morte nem vida? Esta é uma discussão inútil
derivada da confusão entre os campos 1 e 2, que será examinado a seguir.
2.
Quando começa a existir um ser humano?
O
organismo humano possui diferentes tipos de células para diferentes atividades.
P. ex., neurônios para transmitir os impulsos elétricos; o parênquima pulmonar
com células que formam os alvéolos, destinados às trocas de oxigênio e CO2 no
sangue; células gástricas que secretam ácido clorídrico; etc. Um caso especial
são as células reprodutoras, espermatozóides e óvulos, chamadas gametos.
Estudemos como elas se formam e quais as diferenças entre as femininas e as
masculinas.
GAMETOGÊNESE
Denomina-se
gametogênese o processo pelo qual as células sexuais primitivas evoluem para
gametos sexuais maduros: o espermatozóide no homem (espermatogênese) e os
oócitos definitivos (óvulos) nas mulheres (oogênese). Estes dois processos se
dão de forma diferente no aspecto temporal. Antes, porém, é necessário
esclarecer que as células humanas possuem 46 cromossomos [[ii]], sendo esta uma
característica que as diferem de quaisquer outros seres vivos. Adiante veremos
porque isto é fundamental.
ESPERMATOGÊNESE
Inicia-se
logo após a puberdade e continua até a velhice. Antes da puberdade as células
chamadas espermatogônias permanecem inativas. Como os testículos além de
produzirem tais células também produzem um hormônio chamado testosterona esta
age incrementando o número das células e algumas são ativadas e amadurecem,
vindo a se chamar espermatócitos primários. Através do processo de maturação
que reduz o número de cromossomos à metade (23) tornam-se secundários, e
espermátides que serão convertidos finalmente nos espermatozóides.
ESPERMATOGÔNIAS–à
ESPERMATÓCITOS 1 e 2–à ESPERMÁTIDES–à ESPERMATOZÓIDES
43
CROMOSSOMOS 23
CROMOSSOMOS
OOGÊNESE
Inicia-se
ainda no período fetal e aos cinco meses de gestação o feto feminino já conta
com o número máximo de oócitos primários: 7 milhões. Não mais haverá formação
de novos oócitos. No nascimento permanecem apenas de 700.000 a 2 milhões, que
na puberdade se reduzem a 400.000, agora plenamente maturados: oócitos
definitivos. Estes é que são liberados mensalmente nos períodos menstruais.
Note-se que estas células permanecem com 46 cromossomos e, ao contrário das
masculinas, passarão a contar com apenas 23 cromossomos somente quando e se
forem fertilizadas, por meio do processo de meiose – divisão celular na qual a
célula é dividida em duas e cada célula nova possui a metade dos cromossomos
[[iii]] da célula-mãe. Não fertilizadas são expelidas com os 46 cromossomos na
menstruação.
OOGÔNIAS–à[5MESES]–àOÓCITOSPRIMÁRIOS–à[PUBERDADE]–àOÓCITOS
SECUNDÁRIOS
43
CROMOSSOMOS
FERTILIZAÇÃO
A
fertilização começa quando um espermatozóide entra em contato com um oócito
secundário (óvulo), geralmente na trompa de Falópio, e termina pela mesclagem
dos cromossomos paternos e maternos que então prossegue seu caminho até a
nidação no endométrio (camada interna do útero, que já começa a se preparar
para receber o novo ser). O oócito sofre o processo de meiose, perde 23
cromossomos e os restantes se interpenetram aos cromossomos paternos formando
uma nova célula, zigoto, ou embrião unicelular, com 46 cromossomos, portanto já
um ser humano, que passará a se dividir não mais por meiose, mas por mitose
(ver nota 3).
Um dos
mitos mais corrente é que esta célula seria apenas um ovo, ou óvulo fecundado.
Ora, mulheres – ou qualquer animal que se reproduza por meios similares – não
são aves nem répteis cuja fecundação se dá num local chamado cloaca e o ovo
quando maduro é expelido para prosseguir a formação através de métodos de
aquecimento exteriores – diz-se ‘chocar’ um ovo. Também não formam placenta,
pois o ‘feto’ não precisa de alimentação materna usando os nutrientes do ovo
até que possa romper a casca. O zigoto além de microscópico morreria se expulso
do útero materno. O termo ‘óvulo fecundado’ é mais enganador ainda, pois existe
um óvulo em processo de fecundação, tão logo este termine já é um novo ente.
Nem óvulo nem espermatozóide: um novo ser humano. Portanto, usar estes termos é
fazer como Humpty Dumpty: dar significados falsos a esta fase do
desenvolvimento humano para ter o poder de extingui-lo sem culpa.
Cientificamente,
ocorre na fertilização uma mudança radical de simples partes de dois seres
humanos numa nova existência genética, num novo ser completo em si mesmo.
Espermatozóide e óvulo cessam de existir, se mesclam num novo ser humano: o
zigoto. Este ser humano unicelular imediatamente passa a produzir proteínas e
enzimas especificamente humanas e geneticamente dirigem e comandam seu
crescimento e desenvolvimento, diferentemente da crença falaciosa de que é a
mãe que determina estes processos. Os gametos, em si mesmos, não produzem
proteínas e enzimas humanas, pois são células com a metade apenas dos
cromossomos necessários, não são indivíduos, são somente partes que potencialmente
produzirão um ser humano, são seres in potentia. Já o zigoto é um ser completo em si mesmo e
deve ser encarado como a primeira fase de um ser que nada mais pode ser senão
um ser humano. O zigoto não é um ser in potentia, é um ser plenamente formado.
A vida
pré-natal é, por conveniência, dividida em duas partes sucessivas: embrionária
e fetal. A primeira ocupa as primeiras oito semanas e daí em diante até o
nascimento segue-se a fase fetal. O desenvolvimento receberá nomes apropriados
às novas fases pelas quais passará: mórula (aproximadamente quatro dias),
blástula (5-7 dias), embrião bi-laminar (segunda semana), embrião (segunda
semana), embrião tri-laminar (terceira semana). Seguir-se-ão novas fases de
desenvolvimento: feto, nascituro, bebê, criança, púbere, adolescente, adulto,
idoso. Foi proposital a colocação aqui desta série para mostrar que todas são
fases de desenvolvimento de um mesmo ser.
Portanto,
o produto da fertilização não é apenas uma bolha disforme, um amontoado de
células, nem uma peça de tecidos maternos.
SEXO
Alega-se
que o zigoto é um ser assexuado. A controvérsia aqui, além do debate sobre o
aborto, se estende para o debate sobre sexualidade. Para justificar o ‘direito
de escolher’ o sexo, como se fosse uma opção e não um determinismo genético
incontornável, a palavra sexo vem sendo abolida e substituída por ‘gênero’. Da
mesma forma que o aborto é considerado um ‘direito de escolha’ da mulher, o
gênero também seria um ‘direito de escolha’ de todos os seres humanos. Uma
falácia pseudo-científica das mais difundidas hoje em dia é que alguns nascem
heterossexuais e outros homossexuais ou até mesmo formas mais aberrantes, como
zoofilia, pedofilia e sei lá quantas mais.
O fato
científico é que o produto da fertilização já é um menino ou uma menina,
dependendo do tipo de espermatozóide que fertilize o óvulo: se possui 22
cromossomos autossômicos (não sexuais) e dois cromossomos X será uma menina; se
possuir 22 autossômicos um X e um Y será um menino. As características sexuais
futuras serão determinadas por este fator genético. Não há terceira
alternativa!
USO DE
CÉLULAS TRONCO EMBRIONÁRIAS
Esta é
outra controvérsia que envolve um número muito grande de falácias pseudocientíficas.
A principal é a invenção de uma fase de desenvolvimento que já provei acima que
não existe: a fase pré-embrionária que se estenderia até o 14° dia após a
fertilização sendo, portanto, moralmente justificável usar tais células para
pesquisa experimental, para tratamento médico, abortadas ou doadas. Não discuto
o aspecto moral, pois estou restrito ao ponto de vista científico. E não há
nada cientificamente que comprove a existência de tal fase sendo, portanto, uma
criação moral artificial, uma racionalização para justificar o uso destas
células.
Esta
idéia surgiu em 1979, nos escritos do teólogo Jesuíta – note-se, não um
cientista – Richard McCormick no seu trabalho como membro do Ethics Advisory
Board do Departamento de Saúde, Educação e Bem Estar Social dos EUA e do
biólogo em desenvolvimento de rãs – note-se rãs, não seres humanos – Cliffrord
Grobstein em seu artigo para a Scientific American External Human Fertilization
(1979) e no clássico livro Science and the Unborn: Choosing Human Futures, de
1988. Em 1984, na Inglaterra, o British Warnock Committee também passou a
usá-lo. Desde então o termo ‘pré-embrionário’ vem sendo usado por filósofos,
bio-eticistas, advogados e teólogos.
O que
não é plenamente divulgado é que tanto os autores americanos quanto os
britânicos admitem que o limite de 14 dias é arbitrário e poderá ser mudado de
acordo com as necessidades. Quais necessidades? Um cientista diria que um
determinado limite comprovado poderá ser mudado se cientificamente refutado por
pesquisa mais profunda, jamais por necessidade. Por que tais necessidades não são
explicitadas? Pode-se supor que se os
embriões com esta idade não forem viáveis para as pesquisas muda-se para 28
dias ou qualquer outra data aleatoriamente.
Outra
falácia relacionada com esta diz que a gravidez só é iniciada com a nidação do
zigoto no endométrio. Obviamente esta idéia serve para acomodar o conceito de
gravidez com a fertilização in vitro, onde a fertilização se dá numa Placa de
Petri [[iv]] e só então introduzido no útero para nidar. Obviamente, se o
embrião não está dentro do corpo da mulher esta não está grávida. Mas esta
situação artificial não pode substituir o conceito tradicional de gravidez
normal.
3.
Quando se reconhece a existência de uma pessoa?
Esta é
uma discussão que não envolve diretamente a ciência, mas pertence à teologia, à
filosofia e ao direito. Entretanto muito se tem abusado de conhecimentos
supostamente científicos para defender uma clivagem entre ser humano e pessoa.
Uma
delas é que o cérebro humano – a sede da racionalidade e da sensibilidade – só
estará plenamente desenvolvido durante a juventude. Mas a conseqüência lógica
de basear a existência da pessoa neste fator excluiria a seguinte lista de
seres humanos da condição de pessoa: os doentes mentais, os retardados, os
portadores de Alzheimer ou Parkinson, os comatosos, etc. E eles não deveriam
ter os mesmos direitos éticos e legais atribuídos às pessoas? Muitos
bio-eticistas defendem esta idéia e que estas pessoas deveriam substituir os
animais nas experiências ‘científicas’ [[v]].
Platão
descrevia os sofistas como pessoas muito populares e muito bem pagas, experts
na arte de torcer palavras, capazes de docemente transformar o mal no bem e
convencer que o branco é negro.
[1]
Este texto é baseado fundamentalmente nos artigos When do Human Beings Begin? “Scientific” Myths and Scientific Facts e The Impact of International
Bioethics on the “Sanctity of life ethics” and the Ability of ob-Gyn’s
(Obstetric Gynecologists) to practice according to conscience, ambos de Dianne N. Irving, M.A., Ph.D, Bioquímica, Bióloga,
Professora de História da Filosofia e Ética Médica Georgetown University,
Catholic University of America, The Dominican House of Studies. Vários trechos foram copiados
literalmente em tradução livre de minha autoria. Como as interpretações e conclusões
são minhas, a autora não pode ser responsabilizada por elas.
[2] Não
tendo pretensões de ser um trabalho científico, mas jornalístico, não incluirei
notas de referências específicas, apenas aquelas necessárias para indicar as
fontes principais. Pela mesma razão tentei usar a linguagem mais simples
possível para o entendimento dos leitores que não estão familiarizados com o
assunto.
[3] Um
cromossomo é uma longa sequência de DNA, que contém vários genes, e outras
sequências de nucleótidos com funções específicas.
[4]
Deve-se diferençar de mitose: a divisão de uma célula em duas, cada qual com o
mesmo número de cromossomos que a anterior.
[5]
Julius R. Petri (1825-1921), bacteriologista alemão inventou a placa que leva
seu nome, utilizada para a colonização de bactérias em laboratório.
[6] Ver, entre outros, Peter Singer (Practical Ethics,
Should the Baby lives: The problem of handicapped infants), Michael Tooley
(Abortion and Infanticide), R. G.Frey (The Ethics of the Search for Benefits:
Animal Experimentation in Medicine).
Heitor
De Paola
Heitor
De Paola é escritor e comentarista político, membro da International
Psychoanalytical Association e Clinical Consultant.
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