Os
agrotóxicos e a saúde mental: uma resposta cristã
Amor ao
próximo exige ação. Exige vozes que se levantam para clamar pela vida, pelo
florescimento da criação e pela saúde mental da humanidade
Por
Tiago Pereira
Há
cerca de 60 anos, o livro “Primavera Silenciosa” foi responsável por uma
verdadeira revolução na história ambiental. A obra escrita por Rachel Carson se
tornou um marco para os movimentos ambientalistas modernos e teve um enorme
impacto na conscientização sobre os efeitos nocivos dos agrotóxicos no meio
ambiente e na saúde humana.
Carson,
que era bióloga e trabalhou por muitos anos no Serviço de Pesca e Vida Selvagem
dos Estados Unidos, denunciou os impactos causados pelos pesticidas na natureza
- especialmente nas aves e seus belos cantos - e chamou a atenção para o perigo
do uso indiscriminado de produtos químicos na agricultura e no controle de
pragas. Seu trabalho pioneiro nessa área foi responsável por iniciar um debate
global sobre a necessidade de regulamentações mais rígidas e práticas agrícolas
mais sustentáveis.
A
repercussão da influente obra foi diretamente responsável pela proibição do DDT
nos Estados Unidos e em outros países, incluindo uma tardia proibição no
Brasil. O trabalho de Carson inspirou a criação de agências regulatórias
ambientais e a implementação de leis mais rigorosas em todo o mundo, além de
ter inspirado gerações subsequentes de cientistas e ambientalistas a se
envolverem em iniciativas de conservação e proteção da natureza.
Apesar
dos avanços científicos das últimas décadas, ainda persistem muitos desafios
relacionados ao uso de produtos químicos na agricultura. A extensão dos efeitos
nocivos ao meio ambiente e à saúde humana continuam sendo estudados, e
pesquisas recentes têm alertado para uma preocupante correlação entre o uso de
agrotóxicos e a saúde mental. Alguns produtos químicos usados no controle de
pragas podem atuar como inibidores da ação de importantes neurotransmissores,
como a serotonina, prejudicando o bom funcionamento do sistema nervoso. Além
disso, alguns pesticidas podem agir como desreguladores endócrinos,
interferindo no equilíbrio hormonal do corpo humano.
As
pesquisas nesse tema têm despertado um crescente interesse em profissionais de
saúde e pesquisadores de diversas áreas. Por ser um campo de estudo em
constante desenvolvimento, os resultados podem variar dependendo do tipo de
agrotóxico, do nível e da duração da exposição, além de outros fatores
ambientais e genéticos. As evidências mais recentes, contudo, têm mostrado que
agricultores que trabalham em contato direto com agrotóxicos apresentam maiores
taxas de ideação suicida e de suicídio, além de distúrbios psiquiátricos como
depressão e ansiedade. Outros danos envolvem o comprometimento cognitivo e
problemas de atenção, memória e raciocínio, e estão associados principalmente
aos trabalhadores diretamente expostos e intoxicados pelo uso indevido dos
agroquímicos. Além destes impactos, os dados revelam que comunidades inteiras
também podem ser prejudicadas pela exposição crônica a essas substâncias. Um
fator ainda mais preocupante diz respeito à exposição aos agrotóxicos durante a
gravidez ou na infância, que pode trazer prejuízos significativos no
desenvolvimento neurológico das crianças, aumentando potencialmente o risco de
distúrbios psicológicos e de comportamento.
Quando
Rachel Carson lançou seu alerta sobre os pesticidas usados em sua época,
provavelmente não imaginava que seus efeitos seriam nocivos a ponto de afetar a
nossa saúde mental. Seis décadas depois, no entanto, continuamos enfrentando um
desafio que exige conscientização, denúncia, compaixão e ação, atitudes dignas
da vocação e da prática cristã.
Um fato
que talvez seja pouco conhecido sobre a vida de Carson é que ela nasceu em uma
família presbiteriana nos Estados Unidos, tendo crescido em um ambiente com
fortes influências cristãs. Apesar de não haver evidências substanciais de que
a fé tenha sido um ponto central em suas obras, é possível perceber como uma
ética baseada em princípios cristãos teria influenciado indiretamente sua visão
sobre a natureza e a responsabilidade humana.
Se
entendemos que as escrituras nos ensinam que somos corresponsáveis pelo
florescimento de toda a criação no papel de cultivar e guardar o jardim (Gn
2.15); e se igualmente entendemos que a mensagem do evangelho é uma mensagem de
reconciliação, como nos ensinou o apóstolo Paulo (2Co 5.18,19), temos um grande
fundamento bíblico para uma ética ambiental cristã. Nas palavras do pastor e
teólogo luterano Joseph Sittler (1904-1987), um dos pioneiros da teologia do
cuidado com a criação no século 20, “quando voltamos a atenção da igreja para
uma definição da relação cristã com o mundo natural, não estamos nos afastando
de ideias teológicas sérias e respeitáveis; nós estamos nos colocando bem no
meio delas. Existe uma motivação profundamente enraizada e genuinamente cristã
para uma atenção à criação de Deus.”
Diante
da realidade de homens e mulheres, adultos e crianças, que têm sido vítimas do
uso indiscriminado dos agrotóxicos, nossa obrigação enquanto cristãos é de nos
posicionarmos a favor da vida e nos empenharmos no amor ao próximo. E o amor ao
próximo exige ação. Assim como a Primavera Silenciosa de Rachel Carson alertou
o mundo para o risco de uma natureza privada de seus sons, precisamos agora
continuar sendo vozes que se levantam para clamar pela vida, pelo florescimento
da criação e pela saúde mental da humanidade.
Seguindo
o exemplo de Carson, podemos trabalhar em prol de influenciar a adoção de
políticas públicas voltadas cada vez mais para o bem comum e para o
florescimento humano, priorizando abordagens responsáveis em relação ao uso de
produtos químicos na agricultura e em outros setores. Podemos atuar na
sensibilização da sociedade para essas questões, organizando redes de cuidado e
atenção àqueles que já foram afetados e sofreram danos irreparáveis. Além
disso, podemos apoiar iniciativas voltadas para a agricultura sustentável,
promover o consumo consciente e incentivar os pequenos produtores. Podemos
também nos envolver em diversas iniciativas de serviço cristão, e claro,
devemos falar sobre isso nas nossas igrejas.
De
fato, existem muitas formas pelas quais podemos nos posicionar e exercermos
influência como sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13-16). Finalmente, nos
lembramos que devemos orar por todos: aqueles que sofrem, aqueles que trabalham
e aqueles que estão no poder. Mas principalmente, oramos a oração que o Senhor
Jesus nos ensinou: venha o teu Reino!
Tiago
Pereira é biólogo formado pela Universidade Federal de Viçosa, mestre e doutor
em Botânica também pela UFV, com pós-doutorado em Biologia Molecular e
Filogeografia. Atualmente, faz parte da equipe de trabalho da Associação
Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2) como coordenador nacional dos Grupos
de Estudo. É membro da igreja presbiteriana, casado com Eliza e pai de Pedro e
Maria Clara.
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