Infelizmente
Moro
não entendeu nada.
Por
Paulo
Polzonoff Jr.
13/12/2023
19:00
Moro
não entendeu nada. Não entendeu quando pôs os corruptos mais perigosos do
Brasil na cadeia e, se achando invencível, se esqueceu de blindar o celular do
ataque de hackers inescrupulosos. Não entendeu quando largou o cargo oficial de
juiz federal (e o cargo simbólico de herói da nação) para se tornar ministro da
Justiça no governo Bolsonaro. Não entendeu quando saiu do governo do jeito que
saiu. E agora, durante a sabatina de Flávio Dino, não entendeu o que está em
jogo e por isso se deixou fotografar aos risos e abraços com o mais novo
ministro do STF.
As
imagens mostram Dino e o ex-juiz da Lava Jato e senador prestes a ser cassado
num clima que vai além da cordialidade protocolar. Há ali um quê de
cumplicidade, com direito a conversinha ao pé do ouvido e risadas, gostosas
risadas neste momento que muitos veem como decisivo para a consolidação da
ditadura do Judiciário. De acordo com Bela Megale, do jornal “O Globo”, durante
o mexerico Dino teria tentado “assuntar, em tom de brincadeira, o voto do
senador”. Que manteve o mistério.
O
mistério. Ah, o mistério. Aí está outra coisa que Moro ainda não entendeu: na
política brasileira contemporânea não há espaço para mistérios desse tipo. Não
há espaço para hesitações nem estratégias do tal xadrez 4D. Assim como não há
espaço para conversas ao pé do ouvido, risadinhas e abraços num adversário que
é visto, por metade da população e pela totalidade dos eleitores de Moro, como
inimigo.
Cordialidade
e civilidade
Diante
da repercussão negativa das imagens, Sergio Moro tentou se explicar. Falou em
polarização – vê se pode uma coisa dessas! Disse que é crítico ao atual governo
(ô!), mas que isso não deveria ser empecilho para o que ele chamou primeiro de
“cordialidade” e depois de “civilidade”. “Acho que o país precisa disso
[civilidade] para que nós possamos diminuir a polarização”, emendou, piorando
consideravelmente o já sofrível soneto.
Mais
uma vez: Moro não entendeu nada. Não entendeu que Flávio Dino no STF é o fim de
qualquer cordialidade ou civilidade jurídica. Pelo contrário, Dino no STF é a
consolidação de uma justiça-entre-milhões-de-aspas, que mal consegue disfarçar
a truculência e o autoritarismo que a animam. Uma justiça ativista, militante e
inquestionavelmente ideologizada. Uma justiça progressista, com indisfarçáveis
influências comunistas. Moro não entendeu que vai ser cassado e, se calhar,
preso. Moro não entendeu que não há civilidade alguma (muito menos
cordialidade!) no desejo de vingança de Lula.
Moro
não entendeu o impacto que essa imagem de sua cordialidade e civilidade
inoportunas terá sobre milhões de brasileiros que num passado bem recente viram
nele, Moro, uma esperança de moralização da política. Moro não entendeu que o
momento não é de criticar a tal da polarização, e sim de proteger um dos polos
que está sendo massacrado pelo outro. Tem gente presa, Moro! Tem gente que já
morreu na cadeia! Tem gente censurada, com as contas bloqueadas e o passaporte
cancelado! Moro não entendeu que não, não vivemos “a mais absoluta normalidade
democrática”, como disse cinicamente o presidente do STF, Luís Roberto Barroso.
O que
esperávamos dele
Ah,
Moro, Moro, Moro. Moro não entendeu que esperávamos dele (e alguns continuarão
esperando) sangue nos olhos. Não arrogância, e sim aquela altivez de quem age
por convicção e não respeita os adversários – que, por sinal, não o respeitam.
Moro não entendeu que queríamos vê-lo se articulando não só pela rejeição de
Flávio Dino, mas também pelo impeachment de pelo menos uns três ministros do
STF. Moro não entendeu que queríamos vibrar, torcer, nos empolgar com aquele
juiz da marmitinha (lembra dele?) e que botou atrás das grades ninguém menos do
que Lula.
Mas
parece que não tem jeito. Porque Moro não entendeu que, em meio a tantas más
notícias, e todos os dias, a imagem dele de tititi com Flávio Dino é repugnante
e reforça a ideia de que há todo um Sistema a nos subjugar, a nos escravizar, a
nos parasitar. Moro não entendeu que alguém que já foi considerado herói não
tem o direito de confraternizar com os vilões. Moro não entendeu isso.
Por que,
Moro?
Por que
Moro é incapaz de entender o momento e a postura que exigimos dele não sei. Mas
tenho algumas hipóteses. Talvez lhe falte um mínimo de cultura para além dos
códigos processuais. O tal do imaginário de que o Escorsim tanto fala. Talvez
lhe falte fé. Talvez o que lhe falta sejam convicções. Talvez, quero crer que
não (quero?), lhe falte brio. Talvez lhe falte acertar as contas com um passado
de trágicos erros estratégicos. Ou talvez o que lhe falte seja apenas talento
para navegar no lodo da política. Talvez lhe falte um amigo.
Ou
talvez Moro tenha sido apenas uma projeção inatingível das nossas expectativas
mais exageradas. Seja lá qual for a explicação, uma coisa é certa: Sergio
Fernando Moro, o homem e não o personagem, não entendeu nada. Infelizmente. E
infelizmente já não tenho a menor esperança de que um dia ele venha a entender
a dimensão dos seus gestos, das suas omissões, da sua polidez descabida e da
sua fraqueza. Infelizmente. Mil vezes infelizmente. Uma pena, Moro. Confesso
que fiz força para acreditar em você.
Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor
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