A
verdadeira caridade
Publicado
originalmente em “O Legionário”, N.º 76, 8 de março de 1931
Nunca
será suficiente insistir sobre as idéias que meu prezado amigo Michel d’Arnoux
vem desenvolvendo nos seus excelentes artigos sobre a caridade.
Assim
como a água verdadeiramente pura não é aquela que nasce nos vales sombrios, mas
aquela que, saída do mais profundo das entranhas da terra, se eleva até o cume
dos montes, de onde brota em veios cristalinos, assim também a verdadeira
caridade não é o sentimento que tem sua origem nas afeições naturais,
transitórias e caprichosas dos homens uns pelos outros, mas sim o amor que,
saído do mais profundo do coração humano, se eleva a Deus, e de lá, em veio
límpido e cristalino, desce, como do alto de uma montanha, sobre todas as
criaturas.
A
primeira caridade, portanto, a caridade verdadeira e isenta do lodo dos afetos
humanos, é a que se eleva diretamente a Deus.
Mas o
amor de Deus, quando bem entendido, não se limita a uma adoração inerte e
exclusiva, mas se reflete sobre os homens, criaturas do próprio Deus.
São
estes os dados que nos fornece a Fé. E a observação direta dos fatos que nos
cercam confirma claramente a Fé, porquanto o verdadeiro amor ao próximo só se
encontra nas criaturas que tiverem verdadeiro amor a Deus.
Nunca
se viu um ateu beijar, num delírio de amor, as chagas repelentes de um leproso,
como fez São Francisco de Assis.
E nunca
se conseguiu manter um hospital com enfermeiras sem fé, com o zelo e a
perfeição com que o mantêm as Irmãs de Caridade.
O
verdadeiro amor ao próximo, portanto, só pode ser compreendido como um reflexo
do amor de Deus.
Mas os
homens são animais racionais, dotados de corpo material e mortal, e de alma
imaterial e imortal. A importância da alma, evidentemente, é muito maior do que
a do corpo. O corpo sadio nada é, para uma alma infeliz, senão uma insuportável
prisão, cujos grilhões são tantas vezes quebrados pelo suicídio.
Consequentemente,
os males da alma, os pecados, as infelicidades de toda a ordem, constituem para
o indivíduo um peso muito mais sério e muito mais terrível do que as moléstias
físicas.
Efetivamente,
enquanto o corpo morre e com ele desaparecem todas as enfermidades, a alma não
morre e pagará seus pecados eternamente. Por isto é que todo o Cristianismo denota
o imenso desejo que teve Deus Nosso Senhor em salvar nossas almas. Não foi para
salvar corpos que o Redentor veio ao mundo, e que um Deus se fez imolar, em
expiação de pecados de suas criaturas. Não foi para salvar corpos que a Igreja
foi instituída, nem para salvar corpos que os Sacramentos existem. Almas, almas
e sempre almas, eis o que deseja Jesus. Se cura corpos, é sempre com o escopo
principal de salvar almas. E, pelo contrário, muitas vezes dá a certas pessoas
pesadas moléstias físicas para atraí-las, por meio do sofrimento, à penitência.
O que significa que chega a fazer adoecer corpos para que as almas se salvem!
Por
conseguinte, na vida ativa, as verdadeiras obras de caridade não são somente as
que se destinam ao alívio dos sofrimentos físicos, mas sim, e de um modo
especial, as que curam as almas.
Se
estas verdades tivessem sido compreendidas, há muito tempo que teríamos entre
nós organizada a Ação Social Católica. E o País, em vez de se debater na mais
pavorosa crise moral, daria ao mundo um exemplo do caráter digno do nosso
passado.
Mas os
fundos destinados às associações piedosas têm sido quase exclusivamente
empregados, pelas almas caridosas, em hospitais, em esmolas para os corpos,
certamente muito louváveis, mas menos nobres e menos agradáveis a Deus do que
as que tendem a propagar o Reino de Cristo.
Construamos
uma universidade católica ou organizemos a Ação Social Católica, em vez de
edificar, por exemplo, um hospital. E se, por um lado, muitos corpos ficarão
privados de saúde, por outro lado, muitas almas não ficarão privadas de fé.
Plinio
Corrêa de Oliveira
Nasceu
em 1908 na cidade de Paulo. Fez os seus estudos secundários no Colégio São Luiz
e diplomou-se em 1930 em ciências jurídicas e sociais na Faculdade de Direito
de São Paulo.
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