A
Questão Militar
Como
católicos temos o direito de dizer, a respeito das classes armadas, o bem e o
mal que quisermos. É uma liberdade que se permite aos velhos amigos. E ninguém
mais do que a Igreja pode intitular-se uma velha amiga de todas as forças militares
do mundo civilizado.
Realmente,
em uma época em que o sentido da hierarquia e da disciplina se evapora, em que
o idealismo desaparece, em que soçobra o amor a uma vida austera e metódica,
ficam em extraordinária evidência as reais afinidades que ligam o espírito
religioso e o espírito militar.
O que
exige o espírito militar?
Em
primeiro lugar, o patriotismo. Ou as classes armadas constituem uma corporação
dedicada à pátria até o sacrifício completo dos seus mais legítimos interesses
privados, ou ela se desviará inevitavelmente da nobreza de suas funções, para
constituir um bando mais ou menos numeroso de vis “condottieri”. Ora, o que
exige o Catolicismo, não só dos militares, mas de todos os fiéis? Precisamente
o mesmo amor à pátria, que é o eixo do espírito militar.
Em
segundo lugar, não se compreende exército sem disciplina. Ora, neste capítulo,
qual é o ensinamento da Igreja? Que o homem se submeta àqueles que
legitimamente o governam, quer no âmbito da família, quer no do trabalho, do
Estado, ou no da Igreja, porque a origem divina da autoridade transforma
qualquer ato de indisciplina familiar, política ou religiosa, num atentado
contra a autoridade do próprio Deus.
Em
terceiro lugar, a austeridade de vida. O militar debochado é uma aberração.
Física e moralmente, o militar precisa ser austero, precisa ser continente,
para ser realmente válido. Quem leva às manobras e aos exercícios militares um
corpo depauperado pela orgia, minado pela moléstia, prostrado pela fadiga das
longas noitadas, rouba à Pátria, subtraindo para fins ilícitos o que de mais
precioso existe no manancial de sua energia física. Sobrevenha uma guerra e os
derrotistas, os pessimistas, os desanimados, que são a peste de uma tropa em
combate, serão inevitavelmente aqueles mesmos que levaram ao campo de batalha,
em holocausto à Pátria, corpos contaminados pelo germe mortal do vício. Mais do
que fisicamente, porém, moralmente se exige a austeridade. Que resistência para
as privações, que energia contra os contratempos, que sobranceria no
infortúnio, pode ter um militar que habituou sua vontade a capitular
sistematicamente diante das injunções de uma imaginação insaciável, e cujo
coração é um vaso de lascívia, onde sufocam todos os sentimentos nobres e todas
as grandes aspirações? Poderá, neste charco, florescer o edelvais do heroísmo?
[a palavra original alemã “edelweiss” significa “nobre e branco”; é o nome de
uma planta com flores que, apesar da baixa temperatura e outros fatores
adversos, floresce na região dos Alpes, n.d.c.]
Ora, o
que exige o Catolicismo? Que todos, militares ou não, sejam austeros, sejam
castos, sejam continentes segundo o estado de vida que abraçaram.
Com
toda razão, pois, se pode dizer que, em tempo de paz, as duas maiores escolas
de defensores da Pátria para os tempos de guerra são precisamente a Igreja e o
Exército. Uma, fazendo, de cada homem prestante, um germe, um soldado ideal,
pela austeridade de sua vida, pela rija têmpera de sua vontade, pela sua grave
compreensão da disciplina e por seu nobre idealismo. E o outro, fazendo, deste
patriota morigerado, austero e obediente, um militar competente e atilado.
Não
são, pois, Igreja e Exército velhos amigos e, mais do que isto, velhos aliados?
Respondem
afirmativamente não só grandes teólogos de todos os tempos, e generais de mais
consumado valor, mas também os inimigos comuns que o Clero e os militares têm
entre todos, os agitadores e todos os petroleiros [terroristas] de nosso
século.
Ideais
comuns e inimigos comuns, eis aí um cimento bastante resistente para consolidar
as amizades mesmo quando novas. Quanto mais se essas amizades datam não de
ontem nem de anteontem, mas de séculos de uma tradição ininterrupta de sincera
cordialidade.
Por
esta razão, quando um católico fala a um militar – entre nós já os militares
católicos são a regra geral, em lugar dos militares positivistas de há alguns
anos – fá-lo com a liberdade, a franqueza, a amistosa sem-cerimônia de um
irmão.
Apressamo-nos,
pois, em declarar com uma rude sinceridade: desgosta-nos profundamente a
atitude que a classe militar vem assumindo. A classe militar propriamente não.
Mas um grupo de militares que, representado numericamente pela minoria, e
agindo somente em número reduzido de regiões, espalha por todo o Brasil a peste
contagiosa do mau exemplo da indisciplina.
E temos
conosco, como verdade indiscutível, que todo o bom militar nos dará razão.
No dia
em que a espada se arvorar em juiz de última instância para resolver as
questões debatidas nos parlamentos, neste dia, poderemos fazer os funerais do
Exército e do Brasil.
Do
Exército, porque neste dia estaria ele morto. Não cremos, absolutamente, que
nosso exército pactuaria com uma tal ordem de coisas. Ele morreria porque
estaria morta sua alma, isto é, sua tradição, que é a tradição gloriosa e
disciplinadora de Caxias. Ele morreria porque ele conservaria, apenas, da
existência os sinais externos. Mas ele seria um corpo sem alma, um navio sem
leme, a navegar ao sabor do capricho das correntezas do “espírito
revolucionário”.
Do
Brasil, porque no dia em que os generais, os capitães ou os tenentes – não
importa sua patente – se atirassem contra o poder civil para destruí-lo,
estaria implicitamente reconhecido aos sargentos ou soldados rasos o direito de
se atirarem contra as autoridades superiores do próprio Exército. E, neste dia,
a bandeira vermelha estaria içada no Brasil.
É a
lógica impiedosa dos fatos. Conta um livro sobre a revolução paulista de 1924
que, ao ser preso pelos revolucionários chefiados por João Francisco,
perguntou-lhes o Comandante Quirino: “Então, violam a disciplina?” Ao que o
Cel. João Francisco, imperturbável, redarguiu: “Pois o Exército já não
destronou o Imperador?”
É
tremenda a lógica das revoluções. Eis aí um caso patente. Um ato de rebelião
praticado em 1889 a servir de justificativa para uma revolução em 1924,
revolução esta que já continha, “in ovo”, a de 1930 e, talvez, a de 1932.
Quer
isto dizer que o “Legionário” toma partido pelo poder civil? Sim.
Quer
isto dizer que o “Legionário” toma partido pela política seguida, no Brasil, de
há muito, pelo elemento civil, em relação ao Exército e à Armada? Positivamente
não.
É o que
explicaremos em nosso próximo número.
Plinio
Corrêa de Oliveira
Nasceu
em 1908 na cidade de Paulo. Fez os seus estudos secundários no Colégio São Luiz
e diplomou-se em 1930 em ciências jurídicas e sociais na Faculdade de Direito
de São Paulo.
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