Gradatividade
do Conhecimento
Desde
os filósofos da Antiguidade, passando especialmente pelos escolásticos, o
conhecimento foi entendido como uma adequação do pensamento à realidade. A
realidade era a referência, o ponto de apoio em relação ao qual o pensamento
deveria adequar-se.
Nessa
perspectiva objetivista, a coisa a ser apreciada, ou seja, o objeto do
conhecimento, tendia a ser vista como algo fixo e acabado. Havia um pendor por
encarar a existência como um eixo sobre o qual o pensamento deveria se
debruçar.
O
saber, sob esse entendimento, era visto como uma absorção sequencial de
elementos conhecíveis, os quais são ingeridos devida e integralmente, uns após
os outros, empilhando-se na alma da pessoa, formando assim o seu cabedal de
conhecimento.
No
entanto, é preciso reconhecer que nenhum dado, por mais simples que seja, é
absorvido, de uma vez, em sua integralidade. Quando tomamos conhecimento de um
dado qualquer, esse dado não entra em nós em sua inteireza, mas parcialmente,
passando por um filtro ativado em nós por diversos fatores circunstanciais.
Entre esses fatores encontram-se a cultura que formou o imaginário da pessoa,
sua noção da própria ignorância, seu nível de instrução e muitos outros que
podem influenciar a forma como ela assimila o conhecimento.
Assim,
aquilo que conhecemos, de acordo com as circunstâncias do momento do
conhecimento, não é a coisa em si mesma, mas uma parte dela, um aspecto dela.
Quando as circunstâncias mudam (e elas mudam ininterruptamente), absorvemos a
mesma coisa absorvida antes de uma maneira diferente, fazendo com que ela não
seja, de fato, a mesma coisa.
Em
razão disso, cada vez que nos deparamos com uma coisa qualquer, é como se ela
se abrisse um pouco mais, se desvelasse um pouco mais, permitindo que descobríssemos
algo a mais sobre ela e que nos aproximasse, um pouco mais, de sua essência
final. Por isso, dizemos que o conhecimento é um processo gradativo, ou seja,
uma abertura progressiva para a realidade.
Isso
não significa, porém, que a absorção parcial de uma coisa torna o conhecimento
sobre ela inverídico. Pelo contrário, cada ato de conhecimento representa uma
insinuação da verdade, um degrau na direção da essência da coisa, um passo em
rumo à sua substância. Cada vez que conhecemos algo, ainda que em parte,
desvelamo-no. Por isso, Tomás de Aquino dizia que a verdade é antecipada por
muitos véus.
Ainda
que o conhecimento seja parcial, isso não significa que desanimamos diante do
dele; menos ainda tornamo-nos céticos. Pelo contrário, a parcialidade do
conhecimento nos instiga a ir mais fundo, a querer saber mais, a esforçar-se
para fazer com que a verdade se apresente cada vez iluminada. Ter a noção da
parcialidade do que sabemos está longe de ser um motivo para estacionarmos, mas
serve de forte inspiração para sempre querermos conhecer mais.
Sem comentários:
Enviar um comentário