Política
ANÁLISE
Alexandre
Garcia: Dividir ou conciliar
"O
mundo digital sabe como separar os mentirosos, os ardilosos, os mercenários, da
mesma forma como o mercado afasta o mau produto. Cedo ou tarde, o enganador é
descoberto, exposto e excluído. Não é necessário um Estado-tutor", afirma
o jornalista
Lula e Pacheco - O Congresso Nacional sediou
uma cerimônia para marcar um ano da invasão dos prédios dos Três Poderes da
República, em Brasília. O evento nomeado
Lula e
Pacheco - O Congresso Nacional sediou uma cerimônia para marcar um ano da
invasão dos prédios dos Três Poderes da República, em Brasília. O evento
nomeado "Democracia Inabalada", contou com a presença do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do presidente do Senado Rodrigo Pacheco
(PSD-MG) e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto
Barroso. - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
No
evento Democracia Inabalável apareceram duas correntes: a da conciliação como
alternativa à polaridade radicalizada e a corrente da separação ainda maior,
com punições, sem anistia, sem esquecer, agravando o apartheid de hoje. Pelo
que se ouviu nos discursos, do lado da conciliação estão os presidentes do
Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Como se
sabe pelo resultado das urnas, o país está dividido ao meio. Do lado que
consolida a divisão, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, e os
presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, e da
República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Os
conciliadores querem diálogo civilizado entre progressistas e conservadores,
liberais e estatizantes, opositores e governistas. Os separatistas sugerem que
com os outros a forma de tratar é com a punição e censura. O presidente do TSE
foi além, ao ver nas redes sociais o maior perigo para a democracia. Não lhe
ocorre que as redes são democracia na sua essência.
A ágora
grega onde se debatiam as questões das cidades-estado agora está universalizada
pela via digital. Cada pessoa tem voz para exercer seu poder, em lugar de
depender de monopólios que lhe calavam e substituíam, a pretexto de falar pelo
povo. Voz de cada um está garantida pelos artigos 5º e 220 da Constituição
Cidadã.
Se
houver nas redes ofensa a direitos alheios, o Código Penal prevê, nos artigos
138 e 139: calúnia, injúria e difamação (resta aumentar as penas). Além disso,
no art. 5º da Constituição, o inciso X estabelece que são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, com direito a
indenização por danos materiais ou morais.
Autoridades
que vivem em palácios julgam que o povo precisa de tutor. Mas o mundo digital
sabe como separar os mentirosos, os ardilosos, os mercenários, da mesma forma
como o mercado afasta o mau produto. Cedo ou tarde, o enganador é descoberto,
exposto e excluído. Não é necessário um Estado-tutor, para o que teriam que
rasgar mais uma vez a Constituição.
Protejam-nos
dos bandidos das saidinhas, das audiências de custódia, dos corruptos, das leis
lenientes, dos desvios dos agentes do Estado que, dos farsantes nas redes
sociais, protegemo-nos nós. Porque será fatal para a democracia deixar nossa
liberdade ao arbítrio de um tutor.
Aliás,
no evento falaram em não permitir impunidade, para evitar o retorno do crime.
Espero que tenham falado no sentido amplo: não permitir impunidade também para
os que praticam corrupção, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, omissão,
prevaricação, advocacia administrativa, abuso do poder.
Não
ouvi reclamação contra o cancelamento de princípios da Constituição, num evento
que se propunha a fortalecer a democracia. A Constituição se impõe com a
punição dos fanáticos — ou ignorantes, ou mercenários — que destruíram artes,
história, patrimônio público. Mas Constituição impõe-se também a todos.
Numa
democracia, não há nada nem ninguém acima da Lei Maior. Ouvi declarações grandiloquentes
e genéricas em defesa da Constituição, mas ninguém reclamou especificamente do
encolhimento da liberdade de expressão, o cancelamento da inviolabilidade de
deputados e senadores por quaisquer palavras. As agressões à liberdade de
expressão sem anonimato, à liberdade de reunião sem armas, à vedação de
qualquer tipo de censura, ao amplo direito de defesa, à proibição de tribunal
de exceção, à exigência de juiz natural e do devido processo legal. Sem isso,
democracia inabalável se reduz a um rótulo de evento.
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