sexta-feira, 7 de março de 2025

CULTURA

 

CULTURA

O carnaval como visão da brasilidade: a utopia de Oswald de Andrade

Poeta modernista propunha a “devoração crítica” de tudo o que houvesse de interessante em outras culturas, que seria assimilado, transformado e depois convertido em artigos de exportação

por Claudio Daniel

Publicado 28/02/2025 11:00 |

 

O poeta Oswald de Andrade, que inspirou a artista plástica Tarsila do Amaral a retratar o carnaval

O modernista brasileiro Oswald de Andrade (1890–1954), em seus poemas e manifestos, apresenta a ideia do carnaval como símbolo da brasilidade – e, mais do que isso, como alegoria de uma cultura utópica, na qual a alegria, a beleza, a sensualidade, a miscigenação e a igualdade social são os ingredientes principais de uma nova “feijoada” social.

 

“O Carnaval do Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança”, escreve Oswald de Andrade no Manifesto Pau Brasil, publicado em 1924 no jornal Correio da Manhã.

 

Nesse texto, o poeta paulista apresentou a sua visão da brasilidade, recuperando elementos de nossa história colonial, geografia, culinária, danças populares e outros elementos para definir não apenas os traços de uma identidade nacional – mas também as bases de uma cultura utópica, que ele desenvolverá, mais tarde, no Manifesto Antropófago e na tese sobre o Matriarcado.

 

O poeta pensava em um conceito de “nacional” que se opunha ao colonialismo cultural da época, que submetia nossa literatura e artes a modelos estrangeiros, mas, ao mesmo tempo, não adotava uma postura excludente, xenofóbica, bem ao contrário: Oswald de Andrade propunha a “devoração crítica” de tudo o que houvesse de interessante em outras culturas, que seria assimilado, transformado e depois convertido em artigos de exportação – ele define a própria poesia pau brasil como “poesia de exportação”.

 

Seu conceito de brasilidade valoriza justamente a miscigenação, ao contrário dos nacionalismos de direita da época, como o fascismo alemão, que defendiam a ideia de uma “raça pura” e da hegemonia de uma nação sobre outras. Dentro dessa visão mais abrangente de identidade nacional, Oswald de Andrade via no Carnaval uma síntese de nossa cultura, em diálogo constante com outras culturas.

 

Esse pensamento será retomado e desenvolvido no Manifesto Antropófago, publicado em 1928 na Revista de Antropofagia, texto que reivindica uma “Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. (…) Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo. Nunca fomos catequizados. Fizemos foi o Carnaval. (…) Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade do ouro. Catiti Catiti Imará Notiá Notiá Imará Ipeju (…). A alegria é a prova dos nove. No matriarcado de Pindorama. (…) Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama”.

 

Essas ideias, que assimilavam conceitos de Rousseau, do marxismo, da psicanálise, ingeridos e transformados na digestão antropofágica, recordam ainda o conceito de carnavalização, apresentado pelo filósofo e crítico literário russo Mikhail Bakhtin em seu livro A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento. Para ele, carnavalização é um processo cultural que subverte as hierarquias sociais e as normas culturais, criando um espaço de liberdade e criatividade.

 

Isso acontece pela inversão de hierarquias, permitindo que os oprimidos sejam os protagonistas, pela mistura de culturas, criando algo miscigenado ou híbrido, e pela subversão das normas sociais, culturais ou religiosas pelo deboche. A ironia, o humor, o sarcasmo, são elementos imprescindíveis no processo de carnavalização.

 

O livro de Bakhtin, escrito em 1930, foi publicado apenas em 1965 – portanto, décadas após Oswald de Andrade ter escrito os seus poemas, manifestos e romances; apesar de não ter havido diálogo direto entre eles, reconhecemos facilmente a ideia bakhtiniana de carnavalização em algumas das principais obras literárias de nosso Modernismo.

 

É o caso o livro de poemas Pau Brasil e os romances Memórias Sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande, do próprio Oswald de Andrade, no Macunaíma, de Mário de Andrade, em Cobra Norato, de Raul Bopp e na pintura de Tarsila do Amaral, que também foi companheira de Oswald de Andrade e ilustrou dois poemas do “antropófago de cadillac” sobre o Carnaval, que apresentamos abaixo:

 

 

NOSSA SENHORA DOS CORDÕES

Evoé

Protetora do Carnaval em Botafogo

Mãe do rancho vitorioso

Nas pugnas de Momo

Auxiliadora dos artísticos trabalhos

Do barracão

Patrona do livro de ouro

Protege nosso querido artista Pedrinho

Como o chamamos na intimidade

Para que o brilhante cortejo

Que vamos sobremeter à apreciação

Do culto povo carioca

E da Imprensa Brasileira

Acérrima defensora da Verdade e da Razão

Seja o mais luxuoso novo e original

E tenha o veredictum unânime

No grande prélio

Que dentro de poucas horas

Se travará entre as hostes aguerridas

Do Riso e da Loucura

***

 

NA AVENIDA

A banda de clarins

Anuncia com os seus clangorosos sons

A aproximação do impetuoso cortejo

A comissão de frente

Composta

De distintos cavaleiros da boa sociedade

Rigorosamente trajados

E montando fogosos corcéis

Pede licença de chapéu na mão

20 crianças representando de vespas

Constituem a guarda de honra

Da Porta-Estandarte

Que é precedida de 20 damas

Fantasiadas de pavão

Quando 40 homens do coro

Conduzindo palmas

E artisticamente fantasiados de papoulas

Abrem a Alegoria

Do Palácio Floral

Entre luzes elétricas

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