A perversidade da luta por um “bem maior”
Toda vez que um cristão, uma igreja ou uma nação sacrifica princípios por um ideal, não importa o quão aparentemente nobre seja este ideal, o caminho se tornou necessariamente injusto.
O anúncio de que o presidente está infectado pelo coronavírus agitou as notícias na semana passada. Em meio a campanhas para que ele morresse foi lançado naquele que é, talvez, o jornal de maior circulação no país um artigo com o título “Porque eu torço para que o presidente morra” escrito como opinião de um dos editores deste jornal.
Desejar a morte de um governante não é novidade, e, apesar de lamentável em vários sentidos, não constitui crime em si. O que chocou a opinião, apesar de algumas defesas inócuas, é ter esta opinião não apenas expressa, mas defendida com embasamento teórico. Ou seja, deixou de ser apenas uma opinião para se tornar um raciocínio, um argumento, na perspectiva do autor, defensável.
O argumento usado foi o do consequencialismo. Este é um termo um tanto desconhecido, mas que expressa uma linha de pensamento tão antiga como a humanidade e tão perigosa como a mesma. Segundo um professor de filosofia, “O consequencialismo é uma doutrina do âmbito da filosofia moral e da ética que afirma que o valor moral de um ato é determinado exclusivamente por suas consequências.” [1]
Embora mais sofisticado como argumento, uma simplificação desta linha de pensamento é que os fins justificam os meios.
Isso poderia ser varrido para o baú de opiniões radicais e descabidas (convivemos com tantas…) se não fosse um exemplo de uma linha de raciocínio muito presente entre brasileiros, infelizmente, também entre cristãos. Anos atrás um político dito cristão afirmou que “fazer gol para Jesus, até com a mão vale…”.
Nesta sua fala ele foi confrontado por um outro cristão que o alertou que “se for com a mão não é gol para Jesus, é gol contra”. Isso pois, se for necessária uma mentira, um desvio, algum pecado, não estamos mais a serviço de Cristo, mas a serviço de outros interesses.
Este tipo de pensamento, não importa o que se pensa do governante ou da pessoa, já foi usado com quase as mesmas palavras há muito tempo atrás em Jerusalém. Em João capítulo 11, versos 45 a 50 lemos:
Muitos dos judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que Jesus fizera, creram nele. Mas alguns deles foram contar aos fariseus o que Jesus tinha feito. Então os chefes dos sacerdotes e os fariseus convocaram uma reunião do Sinédrio. “O que estamos fazendo? “, perguntaram eles. “Aí está esse homem realizando muitos sinais miraculosos. Se o deixarmos, todos crerão nele, e então os romanos virão e tirarão tanto o nosso lugar como a nossa nação”. Então um deles, chamado Caifás, que naquele ano era o sumo sacerdote, tomou a palavra e disse: “Nada sabeis! Não percebeis que vos é melhor que morra um homem pelo povo, e que não pereça toda a nação”.
Acompanhem o raciocínio: (1) esse homem está fazendo muitos sinais miraculosos, (2) todos crerão neles, portanto (3) ele deve morrer pelo bem da nação! Não é incrível? Eles reconhecem que os sinais eram realmente miraculosos, reconhecem que todos virão a crer nele, mas para um fim “melhor”, devemos matar alguém que é reconhecidamente um homem de Deus.
No meio da conversa surge o argumento central: os romanos virão e tirarão nosso lugar. Nesta frase fica revelada a distorção do raciocínio. O critério essencial para definir o bem de uma nação ou grupo não é (ou não deveria ser) minhas preferências ou privilégios.
Este é o problema fundamental desta linha de pensamento. Uma vez que eu (ou meu grupo) escolho o que é o bem maior, todos meus atos são justificados. Assim terroristas matam inocentes por um “bem maior”, um país dito cristão como a Alemanha, matou 6 milhões de judeu por um “mundo melhor”, a união soviética matou 30 milhões por um “futuro mais justo”, Che Guevara fuzilou homossexuais por uma sociedade igualitária.
O problema com a filosofia do “fim justifica os meios” é que por um ideal (definido por quem afirma esta posição, não pela maioria, muito menos pela vontade de Deus) tudo se torna correto. A própria moral pode ser distorcida. Afinal há um bem maior em jogo…
Toda vez que um cristão, uma igreja ou uma nação sacrifica princípios por um ideal, não importa o quão aparentemente nobre seja este ideal, o caminho se tornou necessariamente injusto. A palavra afirma este princípio de várias formas. Jesus pede que sejamos santificados na verdade (João 17.17), Paulo nos exorta a seguir a verdade em amor (Efésios 4.15), Tiago nos alerta que a ira do homem não produz a justiça de Deus (Tiago 1.20).
Não são só os fins que importam, os “meios” também importam! O caminho para uma sociedade mais juta não é o ódio ou a violência, nem o incentivo para que este ou aquele morra. Nós somos chamados a lutar reconhecendo que nossa luta não é contra carne ou sangue (Efésios 6.12), nem sequer nossa luta deve seguir o padrão humano ou devemos usar armas carnais, mas poderosas em Deus (2ª Coríntios 10.3 e 4)!
Minha oração por mim mesmo e por você é que sejamos conhecidos não apenas por nobres e puros ideais, mas também por um caminhar santo.
[1] https://www.infoescola.com/filosofia/consequencialismo/
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