quinta-feira, 30 de julho de 2020

SANGUE DOURADO...

Você tem sangue dourado? Letícia Laudino tem e quase morreu por isso… parte 2

Estudo de caso do sangue dourado

Letícia Laudino  teve que enfrentar a morte com poucas horas de nascida. Era o dia 18 de outubro de 2003, em Curitiba. Com poucas horas de nascida, ela foi levada às pressas para uma UTI neonatal: ela estava com um quadro grave de anemia hemolítica  – seu sangue, mais precisamente seus glóbulos vermelhos,  estavam sendo destruídos por anticorpos recebidos de sua mãe.

Tudo levava a crer que era eritroblastose fetal, por incompatibilidade materno-fetal associada ao sistema Rh. Débora, a mãe de Letícia, já havia feito testes , quando teve seu sangue classificado como Rh negativo e, como visto anteriormente, essa incompatibilidade se instala em crianças Rh positivo em casos onde a mãe é Rh negativo, como mostrado abaixo.

Assim os médicos realizaram  rapidamente a transfusão sanguínea substitutiva, onde Letícia receberia sangue Rh negativo, para interromper a hemaglutinação em seu corpo – procedimento padrão para esses casos.

Entretanto, para a surpresa de todos, a anemia não cedeu como se esperava. Na verdade ela se agravou. Débora e Letícia tiveram que realizar testes mais avançados, o que ocorreu no Hemocentro de Curitiba, quando finalmente  a questão foi solucionada: mãe e filha tinham uma condição muito rara, conhecida como Rh nulo.

Trata-se do sangue mais raro do mundo: uma pessoa a cada seis milhões apresentam o fenótipo Rh nulo, que por isso também é chamado de sangue dourado. O fato desse sangue ser tão raro traz sérios problemas diante da necessidade de transfusão sanguínea,  pois um indivíduo Rh nulo só pode receber sangue de outro Rh nulo.

Para entendermos melhor essa questão, teremos que analisar o sistema Rh com mais detalhes. Na verdade, esse sistema não é composto por apenas uma proteína – no caso o fator Rh ou proteína RhD – mas sim por 61 proteínas! Assim, temos três fenótipos possíveis:

  • Rh positivo = Indivíduos que apresentam as 61 proteínas;
  • Rh negativo = Indivíduos apresentam 60 proteínas – só não possuem a proteína RhD. Apesar disso, suas hemácias são normais;
  • Rh nulo = Indivíduos que não apresentam nenhuma das 61 proteínas do sistema Rh.

Importante dizer que indivíduos cujo fenótipo é o de Rh nulo tendem a sofrer com um quadro de anemia branda crônica, uma vez que suas hemácias são mais frágeis devido à ausência das 61 proteínas.

Existem duas situações que podem causar o fenótipo Rh nulo:

  1. Mutação em um gene que codifica (“comanda a síntese”) uma proteína que interage com a proteína RhD, de maneira que as proteínas não são expressas (“produzidas”);
  2. Mutação no gene que codifica o fator-Rh – causa mais rara do fenótipo Rh nulo apresentando, até 2006, apenas 4 casos conhecidos.

Mas para quem acha que o problema de Letícia foi resolvido logo ao se descobrir que seu fenótipo e de sua mãe eram Rh nulo, digo que não. A mãe era Rh nulo, porém sangue A para o sistema ABO, enquanto Letícia é sangue O. Foram realizados testes para tipagem sanguínea dos outros familiares de Letícia e encontraram uma tia que também era Rh nulo, porém, assim como a mãe de Letícia, era sangue A.

Sem alternativa aparente, os médicos resolveram procurar a bióloga Lilian Maria de Castilho, professora da UNICAMP e especialista em estudos moleculares do sistema Rh. Por sorte, ela havia acabado de participar de um congresso onde ficou sabendo de um indivíduo Rh nulo e, assim como Letícia, sangue O, no Rio de Janeiro. Tratava-se de uma moradora de Nova Iguaçu, na baixada fluminense, chamada Ana Maria da Silva. Ela prontamente se dispôs a doar o sangue, que rapidamente chegou até Letícia. Ela sobreviveu.

Em 2005, uma pesquisa baseada no caso de Letícia foi realizada pela professora Lilian Castilho, sua aluna de mestrado Karina Rosa, médicos de Curitiba e do Rio de janeiro, além de pesquisadores nova-iorquinos.

Publicado na revista científica Transfusion, o estudo tratava da descoberta, através de análise de DNA, da origem genética da doença. A conclusão é que Letícia, sua mãe Débora e sua tia apresentam essa herança porque são frutos de um casamento consaguíneo – os avós da menina são primos, o que potencializa as chances da formação da combinação de genes necessária para a manifestação do fenótipo Rh nulo.

Débora foi recomendada a não ter mais filhos, pois é grande a chance de uma resposta imunitária secundária, onde a produção de anticorpos é mais intensa e a severidade da doença maior.

E para finalizar, uma dica importante para quem for Rh nulo: armazene sangue para o caso de um dia, caso você tenha necessidade de uma transfusão, possa doar para si mesmo. Essa sugestão tem sido dada a todos os indivíduos Rh nulo que são catalogados.

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