Escravidão
na Bíblia | Israel Silva 12ª.Parte
| Quem
era Escravo na Bíblia e no Novo Testamento
Quem
eram os escravos na Bíblia? Como era a escravidão na Bíblia e por que Deus a
permitiu? Há um trecho do livro do Êxodo que o seu texto é bastante útil para
entendermos essas questões.
Quando
a porção do Antigo Testamento conhecida como Mishpatim começa, o temor e a
admiração da Revelação, ocorrida no Sinai, ainda podia ser sentida; as
palavras, a visão dos relâmpagos, o som dos trovões, estavam bem presentes na
mente do povo.
Mais do
que somente receber a Lei de Deus, os acontecimentos no monte Sinai foram
transformadores em diversos níveis.
A nação
Israelita foi formada por meio das experiências compartilhadas do Êxodo e da
Revelação da Palavra de Deus, e da união no propósito demonstrado aos pés
daquele monte.
E
apesar de toda aquela experiência com Deus, e da Sua Revelação, a divisão do
texto bíblico que imediatamente vem após os Dez Mandamentos, muda o foco da
narrativa.
Os
Estatutos recebidos nesta parte do Êxodo, parecem expressar uma realidade muito
menos idealística, e muito mais focada no que acontecia no “mundo real”, feito
por pessoas.
“Estes
são os estatutos [מִּשְׁפָּטִ֔ים mishpatim] que lhes proporás.”
Êxodo 21:1
Numa
clara referência à debilidade do caráter humano, as Leis presentes nesta
divisão Bíblica, fala e lida com a escravidão, e com o desentendimento e
discórdia entre as pessoas – até ao ponto de haver ódio entre elas.
O
contraste com a porção anterior, a Revelação da Lei de Deus, é impressionante!
Mesmo
se considerarmos que os Dez Mandamentos formavam as Macro-Categorias da
Lei(semelhantes com as leis de Atos 15), enquanto que os Estatutos discutidos
no Êxodo 21-23 (Mishpatim) constituem as Micro-Leis.
Ainda
assim não podemos evitar o sentimento de regressão, se levado em consideração o
senso que todo povo teve durante a Revelação no Sinai.
Há
pontos nas micro leis, em que o texto fala de inimigos e de ódio:
“Se
encontrares o boi do teu inimigo, ou o seu jumento, desgarrado, sem falta lho
reconduzirás.” Êxodo 23:4 “Se vires o jumento, daquele que te odeia, caído
debaixo da sua carga, deixarás pois de ajudá-lo? Certamente o ajudarás a
levantá-lo.” Êxodo 23:5
E quem
poderia ter pensado que após uma tão grande e elevada experiência com Deus e de
comunhão com os demais irmãos, o povo de Israel precisaria de leis para regular
o comportamento entre pessoas que odeiam uma as outras?
Quem
poderia imaginar que os membros de uma comunidade que foi criada em meio a
magnífica voz divina, poderiam considerar o seu próximo como inimigo?
Infelizmente isso só ilustra o verdadeiro conteúdo da natureza humana.
Essas
leis refletem de forma realística o mundo em que eles viviam, e que nós
vivemos, e que Deus não se engana, Ele sabe o que há interior do ser humano.
Por
isso o Senhor lança os estatutos que serviriam como guia para o comportamento
humano, “no mundo real”.
Assim,
como uma nota errada em meio a sinfonia perfeita da Revelação, somos chocados aos
termos que lidar com uma das mais poderosas e perturbadoras forças. Como
poderia a Bíblia tolerar a escravidão?
Não
desejaria Deus, fundamentalmente, que toda a humanidade fosse livre? Os
Israelitas foram libertos da escravidão do Egito para se tornarem eles mesmos
senhores de escravos?
Por
diversas vezes a Bíblia enfatiza que a escravidão no Egito foi algo que deveria
sensibilizar os Israelitas para a vulnerabilidade e o sofrimento dos outros.
Como poderia então um judeu ter um escravo?
Os
escravos do tempo bíblico
Nós
certamente sentiríamos muito mais confortáveis se Deus tivesse proibido
totalmente a escravidão.
Mas
como não é esse o caso, nos sentimos obrigados a confrontar esta informação
quando tentamos fazer a correlação entre a abordagem da Bíblia com a escravidão
e os direitos humanos.
Para
entendermos o que era a escravidão que o texto Bíblico se referia, primeiro
temos que distinguir entre a instituição do עבד
עִבְרִי eved Ivri – o servo Hebreu, e o
עבד כנעני
eved Cana’ani – o Cananita (o escravo não Hebreu).
Eved
ivri – o servo hebreu
Um
“Eved Ivri” não é um escravo no sentido clássico da palavra. Ele ocupa uma
posição muito mais próximo a um servo contratado, um indivíduo que vende seu
trabalho braçal por um período definido de tempo.
E há
leis bíblicas, específicas que regem o status de um “eved ivri”:
“Quando
também teu irmão empobrecer, estando ele contigo, e vender-se a ti, não o farás
servir como escravo. “Como diarista, como peregrino estará contigo; até ao ano
do jubileu te servirá; Então sairá do teu serviço, ele e seus filhos com ele, e
tornará à sua família e à possessão de seus pais.” Levítico 25:39-41
1 – Um
indivíduo se tornava um “eved ivri” apenas por duas razões: Ou em caso de estar
tão empobrecido, que não tinha mais condições de sustentar a si mesmo e a sua
família, ou ele foi condenado por crime de roubo e não tem condições de
restituir o que roubou.
No
primeiro caso, a pessoa vende a si mesmo em עבדות
avdut (servidão) para conseguir as provisões necessárias a sua própria
sobrevivência. No segundo, a corte judicial é quem o vende.
Os
recursos advindos do seu trabalho serviam para pagar as suas dívidas.
Um
“eved ivri” não é um objeto possuído por seu dono. Ele simplesmente vendeu os direitos
de seu trabalho braçal até o fim do período de sua servidão.
E
aquele que foi vendido por uma corte judicial, poderia ficar no máximo seis
anos em servidão.
“Se
comprares um servo hebreu, seis anos servirá; mas ao sétimo sairá livre, de
graça.” Êxodo 21:2
Se o יובל Yovel – Ano Jubileu, caísse em qualquer parte do
período de servidão, o “eved ivri” tinha que ser libertado.
“Então
no mês sétimo, aos dez do mês, farás passar a trombeta do jubileu; no dia da
expiação fareis passar a trombeta por toda a vossa terra, E santificareis o ano
quinquagésimo, e apregoareis liberdade na terra a todos os seus moradores; ano
de jubileu vos será” Levítico 25:9-10
Essa
era a Lei do shemitah, quando todas as dívidas eram perdoadas e os escravos
eram libertados.
É interessante
notar que com o auxílio da ferramenta de interpretação chamada Gemátria (cada
letra do alfabeto hebraico equivale a um número, semelhante aos algarismos
romanos), chegamos ao valor numérico das palavras:
עבד עִבְרִי
eved Ivri “escravo hebreu” que equivale a 358 – o mesmo valor das palavras נָחָשׁ nachash “serpente” e מָשִׁ֫יחַ mashiach “messias”.
O
primeiro pecado do homem foi no jardim do Éden, quando desobedeceu à voz de
Deus e fez a vontade da serpente. Isto resultou na expulsão do paraíso e na
consequente escravidão do pecado.
Mas
Deus providenciou o Messias, Jesus, para nos libertar desta escravidão, e agora
somos feitos servos de Deus.
“Respondeu-lhes
Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é
servo do pecado. João 8:34 Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente
sereis livres.” João 8:36
Eved
canaani – o escravo não hebreu
Aparentemente
a Bíblia aceita a existência da “escravidão clássica”, dentro da sociedade
hebraica. Porém, por meio de uma sofisticada rede de mandamentos, a Lei judaica
estabelece de fato uma “escravidão diferente”.
Quando
da aquisição de um escravo não hebreu, o seu senhor deveria apresentar aquele
escravo a possibilidade dele passar por um processo de conversão, que
permitiria que ele entrasse na sociedade hebraica l’shem avdut – por meio da
servidão.
Se o
escravo concordasse, então ele seguiria passa a passo em rumo a conversão total
ao judaísmo. Essa conversão elevava o status do escravo, tornando-o
oficialmente um eved canaani.
E um
“eved canaani” tinha suas obrigações, mas também gozava da plena proteção da
Lei de Deus, e dos privilégios relativos ao seu status.
Havia
diversas recomendações na halachá (o conjunto de Leis judaicas), com obrigações
éticas de tratar um “eved canaani” com bondade e consideração.
Seus
mestres não podiam nem mesmo envergonhá-los em público. Nas refeições, eles
deveriam ser os primeiros a serem servidos. Ninguém podia insultá-los. Eles
possuíam direitos que em outras culturas não teriam jamais.
Mesmo
não tendo o total status de um cidadão hebreu, ainda assim um “eved canaani”
fazia parte dessa sociedade, e como membro dela recebia a possibilidade de
conhecer o Deus de Abraão, Isaque e Jacó – e de fazer parte do pacto e da
aliança com Deus.
Não se pode
ignorar que o mundo daquela época praticava a escravidão. Todas as nações em
volta de Israel tinham seus escravos. E nessas nações, os escravos eram
tratados como mera mercadoria, com brutalidade e horror e crueldade.
Permitindo
que os Israelitas adquirissem estes escravos, Deus fazia com que esses homens e
mulheres que não possuíam mais a sua própria vida, agora pudessem ter nova
esperança, ao encontrar o Deus de Abraão e entrar em uma aliança com Ele.
Isso
era parte da promessa que Deus havia feito com Abraão:
“Em
ti serão benditas todas as famílias da terra.” Gênesis 12:3
Evitando
as práticas brutais das nações vizinhas, os Israelitas deveriam afetar
positivamente o mundo em que estavam inseridos, mostrando novas práticas de
vida.
Eles
tinham que encontrar um modo concreto de mitigar, diminuir o sofrimento humano
“no mundo real”.
E a
aquisição desses homens e mulheres para dentro da sociedade Israelita, deveria
ser um meio para melhorar a vida deles, principalmente por meio da conversão,
do aprendizado da Lei de Deus e do entrar no pacto e na aliança com Deus, que
era oferecido a esses “escravos”.
Era uma
posição que ia para além das origens pagãs desses homens e mulheres,
trazendo-os para uma experiência única de ter comunhão com o verdadeiro Deus.
A
liberdade do eved canaani
“E
quando alguém ferir o olho do seu servo, ou o olho da sua serva, e o danificar,
o deixará ir livre pelo seu olho. E se tirar o dente do seu servo, ou o dente
da sua serva, o deixará ir livre pelo seu dente.” Êxodo 21:26-27
Não
menos significante era a forma que um escravo não hebreu ganhava a sua
liberdade. Se ele fosse ferido por seu senhor, em seu olho ou dente, sairia
livre.
Os
olhos são a janela da alma, e uma visão errada do mundo pode nos levar a pior
das escravidões que é a do pecado.
E
somente quando somos “atingidos” nos olhos, mudando a nossa visão de vida é que
podemos enxergar que a verdadeira liberdade é ser “um servo” de Deus.
“A
candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo
o teu corpo terá luz; Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será
tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais
trevas!” Mateus 6:22-23
De
forma semelhante, o conteúdo do nosso caráter é expressado por aquilo que
falamos.
Sendo
atingidos no “dente”, na nossa boca, significa experimentar uma mudança de
caráter, mudança de vida que só pode ser conseguido quando nos fazemos servos
de Deus.
“O
homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o bem, e o homem mau, do mau
tesouro do seu coração tira o mal, porque da abundância do seu coração fala a
boca.” Lucas 6:45
Muitas
vezes é necessário que recebamos esse “golpe santo”, de Deus. Não podemos nos
esquecer das nossas origens espirituais, nós somos “avadim“, servos de Deus.
Ele é o nosso Senhor e Mestre, e tem pleno direito de nos corrigir.
“Eu
repreendo e castigo a todos quantos amo; sê pois zeloso, e arrepende-te.”
Apocalipse 3:19 “Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor,
para não sermos condenados com o mundo.” 1 Coríntios 11:32
Nós
somos servos comprados do mundo, não com o vil metal perecível, mas com algo
muito superior e eterno, com o Seu precioso sangue. Temos um Mestre, temos um
Senhor.
“Sabendo
que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados
da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais, Mas
com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado”
1 Pedro 1:18-19
RESPOSTA
Há
uma tendência de olhar para a escravidão como algo do passado. Entretanto,
estima-se que hoje em dia mais de 27 milhões de pessoas estejam sujeitas à
escravidão: trabalho forçado, comércio sexual, propriedade herdável, etc. Como
aqueles que foram redimidos da escravidão do pecado, os seguidores de Jesus
Cristo devem ser os principais defensores do fim da escravidão humana no mundo
de hoje. A pergunta surge, entretanto, por que a Bíblia não fala fortemente
contra a escravidão? Por que a Bíblia, de fato, parece apoiar a prática da escravidão
humana?
A
Bíblia não condena especificamente a prática da escravidão. Ela dá instruções
sobre como os escravos devem ser tratados (Deuteronômio 15:12-15; Efésios 6:9;
Colossenses 4:1), mas não a declara ilegal. Muitos veem isto como se a Bíblia permitisse
todas as formas de escravidão. O que muitas pessoas não compreendem é que a
escravidão nos tempos bíblicos era muito diferente da escravidão praticada nos
últimos séculos em muitas partes do mundo. A escravidão na Bíblia não era
baseada exclusivamente em raça. As pessoas não eram escravizadas por causa da
sua nacionalidade ou pela cor da sua pele. Nos tempos bíblicos, a escravidão
era mais um status social. As pessoas vendiam a si mesmas quando não conseguiam
pagar os seus débitos ou sustentar a sua família. No Novo Testamento, às vezes,
médicos, advogados e até políticos eram escravos de outra pessoa. Na verdade,
algumas pessoas escolhiam serem escravas para ter todas as suas necessidades
providas pelos seus senhores.
A
escravidão dos últimos séculos era frequentemente baseada exclusivamente na cor
da pele. Os negros eram considerados escravos por causa da sua nacionalidade –
muitos donos de escravos realmente acreditavam que os negros eram “seres
humanos inferiores” em relação aos brancos. A Bíblia definitivamente condena a
escravidão baseada na raça porque ensina que todo ser humano é criado por Deus
e feito em Sua imagem (Gênesis 1:27). Ao mesmo tempo, o Antigo Testamento
permitia e regulava a escravidão econômica. A questão-chave é que a escravidão
permitida pela Bíblia não se assemelhava de modo algum à escravidão racial que
tem atormentado nosso mundo nos últimos séculos.
Além
disso, tanto o Antigo quanto o Novo Testamento condenam a prática do
"roubo de homens", que é o que aconteceu na África no século XIX. Os
africanos eram atacados por caçadores de escravos, que os vendiam aos
traficantes de escravos, os quais, por sua vez, os levavam ao Novo Mundo para
trabalhar em plantações e fazendas. Esta prática é abominável para Deus. De
fato, a pena para tal crime na Lei Mosaica era a morte: "O que raptar
alguém e o vender, ou for achado na sua mão, será morto" (Êxodo 21:16). Da
mesma forma, no Novo Testamento, os comerciantes de escravos são listados entre
aqueles que são "ímpios e profanos" e estão na mesma categoria que
aqueles que matam seus pais ou mães, homicidas, adúlteros e pervertidos, e
mentirosos e perjuros (1 Timóteo 1:8-10).
Outro
ponto crucial é que o propósito da Bíblia é apontar o caminho para a salvação,
não para reformar a sociedade. A Bíblia muitas vezes aborda questões de dentro
para fora. Se uma pessoa experimentar o amor, a misericórdia e a graça de Deus
ao receber a Sua salvação, Deus reformará a sua alma, mudando o modo como pensa
e age. Uma pessoa que experimentou o dom da salvação de Deus e a libertação da
escravidão do pecado, conforme Deus reforma sua alma, perceberá que escravizar
outro ser humano é errado. Ela verá, com Paulo, que um escravo pode ser
"um irmão no Senhor" (Filemon 1:16). Uma pessoa que verdadeiramente
experimentou a graça de Deus será, por sua vez, graciosa para com os outros.
Essa seria a prescrição da Bíblia para acabar com a escravidão.
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