8ª.Parte //“Os negros também escravizaram brancos”:
Por Rodrigo Prates
“Os europeus não inventaram a escravidão”. “Negros
já escravizavam antes da colonização”. “Negros escravizaram brancos por mais de
700 anos”. Talvez estas frases estejam entre as maiores falácias produzidas e
reproduzidas no Brasil dos últimos anos. A ideia por trás delas é que as
políticas de ações afirmativas implementadas no país, as cotas étnico-raciais,
são um engodo. Não existe dívida histórica. Não existe reparação, afinal, os
“brancos” já foram escravizados pelos “negros”.
Mas onde e quando os “negros” escravizaram os
“brancos”? A resposta é simples: o quadro mental configurado por estas orações
antagonizara “negros” e “brancos” durante a presença muçulmana na Península Ibérica
medieval a partir do século VIII. Quadro que nos remetera a outro, este
composto pelas mãos brilhantes do pintor Albrecht Altdorfer (1480-1538) em
1529: a Batalha de Isso. Na obra de Altdorfer as tropas de Alexandre e Dário
foram representadas sob as vestimentas do século XVI e.c. – os macedônicos eram
os alemães e os persas eram os turcos. Uma batalha do século IV a.e.c renascera
no pincel de um artista seiscentista.
Altdorfer cometera o pecado máximos dos
historiadores, o anacronismo, ao imputar nas sociedades grega e persa a sua
própria realidade. Podemos dizer que o objeto deste ensaio compartilhara com
estes ideais: mesmo que distante a escravidão dos “brancos” empreendida pelos
“negros” se aproximava do século XXI para negar uma “mentira”: os brancos não
possuem nenhuma dívida histórica com os negros. As cotas étnico-raciais seriam
uma falácia. Porém, esta “apropriação” do passado incorrera em determinados
anacronismos que moldaram a bel prazer uma história de séculos.
O primeiro deles fora a delimitação de um “Império
Mouro” unificado, pois, mesmo que possamos encontrar estes termos em obras
cristãs principalmente no reino de Castela e posteriormente em Portugal, ele
mesmo não fora um consenso em sua época. No Livro dos Feitos, narrativa autobiográfica
de Jaime I de Aragão (1208-1276), as populações muçulmanas ibéricas eram
chamadas de “sarracenas”. Por outro lado, no período expansionista dos
primeiros califados, este “império” – termo exógeno ao tempo e espaço aqui
analisados – autodenominava-se como Dar al-islam, o mundo muçulmano (EL FASI;
HRBEK, 2010). Sob um princípio identificador religioso, o Dar al- islam
abarcara populações árabes, persas, sírias, berberes, dentre outras.
Mas e a “invasão da Península Ibérica”? Importa
destacar que discordamos diametralmente do termo invasão da Península Ibérica
pois este concebe que as populações que ali viveram detinham uma espécie de
propriedade atemporal ou eterna da península. Seguindo este raciocínio,
visigodos e romanos também tomaram aquelas terras, ou seja, invasor que toma de
invasor recebe cem anos de perdão! Assim, na conquista (e não invasão!) da
Península Ibérica, as tropas muçulmanas foram majoritariamente formadas por
berberes oriundos do Norte da África (RUCQUOI, 1995) o que não significara
assumir que estes eram “negros”. De acordo com Richard Fletcher, o termo
“mouros” fora utilizado tanto para descendentes de berberes e árabes na
península e posteriormente estendido ao norte da África – vide a região da
Mauritânia – bem como para cristãos ibéricos que se converteram ao islamismo
(FLETCHER, 2006).
Outro anacronismo constante nestas ideias fora uma
clivagem entre “negros” e “brancos” nas sociedades ibéricas medievais. Apesar
das legislações cristãs e muçulmanas proibirem o casamento inter-religioso,
encontramos na Península Ibérica várias referências a casamentos entre homens e
mulheres das duas religiões (RUCQUOI, 1995). Pressupor uma distinção étnica
entre brancos e negros não faz sentido quando nos referimos a Península Ibérica
medieval. Por exemplo, a concepção do Dar al-islam entrevia a necessidade de um
mundo não-muçulmano o Dar al-harb – que no futuro deveria se tornar muçulmano –
mas também uma categoria intermediária que permitira as relações entre
muçulmanos e não-muçulmanos o Dar al-sulh. E mais, o reconhecimento dos
dhimmis, cristãos e judeus que viviam dentro do mundo muçulmano sob um imposto
específico (RUCQUOI, 1995). Assim, os muçulmanos mantiveram escravos, mas
também uma vasta população livre cristã chamada de moçárabes.
Resolvido o falso problema de “negros” e “brancos”
partamos aos “700 anos”. Este número surgira de uma cronologia simples que
iniciara em 711 com a chegada das tropas berberes e árabes e terminara em 1492,
quando os Reis Católicos conquistaram o reino de Granada. Só que esta
cronologia é um dado que, como veremos, é errôneo tanto acerca da escravidão
quanto da presença muçulmana na península.
Quando berberes e árabes iniciaram o processo de
conquista da península, muitos duques visigodos se converteram ao islamismo a
fim de manter seu status quo. De maneira similar muitos bispos cristãos também
não ofereceram resistência aos recém-chegados e mantiveram a antiga autoridade
em suas dioceses (RUCQUOI, 1995). Por outro lado, com a consolidação da
política expansionista dos reinos ibérico-cristãos no decorrer dos séculos XI e
XIII, estes também fizeram muçulmanos escravos. E pouco a pouco os reinos
muçulmanos foram resumidos a um único reino, Granada, que em 1246 se tornara
vassalo do reino de Castela (RUCQUOI, 1995). Deste modo, os 700 anos de
escravidão branca se tornam inverossímeis quando contrapostos a realidade
ibérica.
No Livros dos Feitos vemos sobre as conquistas
frente aos muçulmanos o seguinte: “fizemos cativos os sarracenos da ilha que
estavam rebelados na montanha, para que fizessem a nossa vontade, e os demos
àqueles que os desejavam, para povoarem a terra na condição de cativos” (JAIME
I DE ARAGÃO, 2010). Se muçulmanos escravizaram cristãos, cristãos também
escravizaram muçulmanos, o que não significara qualquer revanchismo. A
escravidão fora uma instituição principalmente vinculada a guerra que mesmo
antes e depois do Império Romano se mantivera em boa parte do Mediterrâneo, no
entanto, sem ocupar um lugar central naquelas sociedades. Estes ocuparam uma
presença ínfima frente aos servos e camponeses no decorrer da Idade Média
(PERNOUD, 2005). E entre a população livre, para Brian Cátlos, os mudéjares –
muçulmanos que viviam sob o domínio cristão – integraram-se aos territórios
aragoneses e catalães por meio de suas atividades produtivas e comerciais.
Proprietários ou arrendatários do rei, estas populações muçulmanas sob o
domínio cristão possuíram direitos semelhantes aos de seus vizinhos de outras
religiões (CÁTLOS, 2010).
No intuito de superar uma síndrome da Batalha de
Isso, não podemos então falar que os negros escravizaram os brancos por mais de
700 anos por uma série de fatores:
1) não é possível estabelecer uma antagonização
entre brancos e negros nestes séculos;
2) Se nem todos se tornaram escravos em 711 – na
verdade um número pequeno – este número decresceu de modo exorbitante até 1246,
caracterizando números que não podem ser levados a sério;
3) Porque simplesmente a maior parte da população
não era escrava.
No decorrer deste texto não falamos sobre a
escravidão moderna ou sobre a dívida histórica tendo em consideração a vasta
produção sobre o tema na língua portuguesa, contudo, vale lembrar que a
escravidão praticada por cristãos e muçulmanos se distingue totalmente daquela
do período moderno tendo em vista a caracterização cada vez mais racial no
século XIX, mas principalmente a diferença colossal dos números e da
centralidade do escravo na economia e produção.
De acordo com Marcelo Rede, o que sociologicamente
caracterizaria um escravo, sem é claro constituir um modelo atemporal foram as
relações de trabalho:
“o escravo seria, então, aquele tipo de trabalhador
que, no interior do processo de produção, não estaria apenas apartado do
controle dos meios produtivos (característica que compartilha com outros tipos
de trabalhadores, inclusive o assalariado), mas também privado do controle de
seu próprio esforço produtivo. Vale dizer, é marcado pela ausência de soberania
quanto à sua inserção no processo que garante a subsistência material, quanto à
sua posição produtiva elementar” (REDE, 1998).
Sério, falácia é esse vitimismo! a Europa
foi predominantemente negra por séculos, vocês só buscam o conhecimento até
onde lhes convém. Os preconceituosos são os próprios negros, que se acham
inferiores, somos todos iguais! Só a título de conhecimento, vcs podem observar
e procurar estudar um pouco mais; vejam o que ocorre no mundo científico: “Há
19.000 anos, alguém enterrou na Cantábria uma das mulheres mais misteriosas da
pré-história europeia. Trata-se da Dama Vermelha, que em seus 35 ou 40 anos
recebeu uma sepultura muito estranha, o que poderia indicar um significado
sagrado. Seu cadáver tinha decomposto ao ar livre e, em seguida, seus ossos
foram cobertos com tinta vermelha. Tanto deviam respeitar aquela mulher que um
de seus ossos foi cuidadosamente devolvido ao túmulo depois que um animal
selvagem o profanou para se alimentar. Além de uns desenhos esquemáticos e a
presença de pólen, pouco se sabe sobre a mulher e o significado que a cultura à
qual pertencia queria dar à sua sepultura. A senhora é um dos 51 indivíduos que
foram analisados neste estudo. A equipe de Manuel González Morales está
preparando uma reconstrução do aspecto que teve essa mulher, cujo genes mostram
que era negra, explica.” Manuel Gonzáles Morales, pesquisem sobre seu estudo.
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