Cumprindo
meu dever
Um
homem de pensamento deve ser fiel à verdade tal como ela se lhe apresenta a
cada momento no exame das questões concretas, sem deixar-se envolver por uma
atmosfera mental que tinja todo o seu horizonte de consciência com uma tonalidade
geral e prévia de “esquerda”, de “direita” ou seja lá do que for. Pessoalmente,
nunca me manifestei a favor de nenhuma política “de direita”, e é por pura
indução psicótica e ressentimento de complexados que uns sujeitos de esquerda
tentam enxergar em mim um feroz direitista. Deduzem isto das críticas que lhes
faço. Raciocinam na base schmittiana do “Quem não está conosco está do outro
lado”, mostrando que nem sequer em imaginação podem conceber que exista uma
inteligência livre, capaz de atacar o mal sem cair no automatismo mentecapto de
supor que a simples inversão da ruindade faria dela um bem.
Logicamente
falando, a posição política de um indivíduo jamais pode ser inferida das
críticas, por mais duras, que dirija a uma ideologia ou partido, pela simples
razão de que críticas idênticas podem ser feitas desde várias posições
ideológicas. O sionismo foi atacado com igual vigor pela extrema-direita e
pelos comunistas. O fundamentalismo islâmico é tão abominado pelos cristãos
conservadores quanto pela esquerda feminista e gay ou pelos liberais
modernistas e ateus.
Só uma
tomada de posição positiva em favor de determinadas políticas é que define
identidade e compromisso ideológicos. A crítica é livre e pode vir de todas as
direções.
A
mentalidade comunista, no entanto, desconhece a tal ponto a liberdade de
pensamento, subjuga tão pesadamente a inteligência ao comando partidário, que
chega a catalogar a ideologia de um sujeito não pelas intenções e valores que
ele professe, mas pela simples conjecturação hipotética e quase sempre
paranóica do benefício político ou publicitário que partidos ou correntes
possam auferir de suas palavras, ainda que oportunisticamente e contra a
vontade dele. Na imaginação dos comunistas, ninguém afirma “x” ou “y” com a simples
intenção de dizer a verdade, mas sempre com a premeditação de algum resultado
político, mesmo remotíssimo. É que eles pensam assim, eles são indiferentes à
verdade e à falsidade e só abrem a boca em vista de efeitos políticos. Por isso
imaginam que o resto da Humanidade também é assim.
Foi com
base nesse raciocínio alucinadamente projetivo que o Estado soviético chegou a
condenar como crime a indiferença política, por julgar que ela denotava
sinistras intenções contra-revolucionárias. Boris Pasternak foi parar na cadeia
por conta disso.
Da
minha parte, estou persuadido de que o homem de pensamento deve ser
escrupulosamente comedido ao opinar a favor de qualquer política em especial:
ele deve simplesmente fazer a crítica do que é ruim e perverso, deixando ao
público e aos políticos, àqueles que se orgulham de ser “homens práticos” e que
têm o dever de sê-lo, a decisão de políticas positivas que hão de suprimir ou
remediar o mal.
Ademais,
se critico a esquerda é porque hoje só existe esquerda. Não há direita nenhuma
no Brasil. Há direitistas, mas cada um fechado nas suas convicções privadas,
sem qualquer ação de conjunto. A prova mais patente é que a palavra “direita”
só aparece na imprensa com conotações sombrias e criminais, jamais como a
designação de uma corrente política que tenha o direito de existir como
qualquer outra. Apontar um homem como direitista é acusá-lo de conspirador, de
golpista, de corrupto, de torturador. Tanto é assim, que qualquer delito
cometido em interesse próprio por analfabetos coronéis do sertão é
imediatamente atribuído à “direita”, o que é pelo menos tão absurdo quanto
enxergar motivação ideológica esquerdista em todos os crimes cometidos por
meninos de rua. Só se pode falar nesse tom, impunemente, de uma minoria de
párias sem voz nem poder. O curioso é que aqueles mesmos que sem temor de
represália falam da direita nesses termos, provando com isto que ela não tem
poder nenhum, querem nos fazer crer que ela existe, que ela é uma força
organizada e manda no Brasil. Tudo isso é puro histrionismo de uma esquerda que
sabe que está no poder mas não deseja assumir as responsabilidades de sua
situação.
Hoje o
establishment é esquerdista, a oposição também. Leiam as cartilhas de
marxismo-leninismo do Ministério da Educação e me digam se um governo que educa
as crianças nessa mentalidade não é comunista em espírito, conformado
provisoriamente com o capitalismo que não pode suprimir. E qual governo sem
forte inspiração comunista desejaria a supressão do sigilo bancário? Nessas
condições, seria hipocrisia eu falar mal da “direita” só para me fazer de bom
menino e afetar uma independência estereotipada. A independência autêntica não
teme os rótulos que lhe queiram impor e não foge deles mediante o apelo a
discursos de ocasião. Diz o que tem de dizer, e pronto. A confusão que façam em
torno dela corre por conta da malícia e da sem-vergonhice de cada um.
Artigo
escrito pelo saudosos Professor Olavo de Carvalho.
Publicação
original em: https://olavodecarvalho.org/cumprindo-meu-dever/
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