C. S.
Lewis e a identidade cristã
Para C.
S. Lewis a solução para as consequências letais do individualismo solitário e
do coletivismo ideológico massificante é a vida cristã
Por
Rosifran Macedo
Um tema
muito debatido atualmente é a identidade. Por um lado, encontramos uma ênfase
no individualismo com o discurso que cada um deve navegar no mar das ideias
predominantes e criar sua própria identidade a partir de si mesmo. Neste
sentido uma corrente define que nossos sentimentos constituem o nosso verdadeiro
“self” e para ser “autêntico” é necessário sempre expressá-los.
Por
outro lado, há os que defendem que a identidade individual está sempre ligada à
comunidade1 , sendo atualmente a comunidade digital uma das maiores
influenciadoras na construção da identidade. Vivendo numa sociedade tão
polarizada, com polos antagônicos, somos forçados a definir nossa identidade
nos identificando, obrigatoriamente, com um deles. Não há muito espaço para um
pensamento independente dos opostos predominantes e somos forçados a “nos
posicionarmos” entre os dois extremos. Se questionarmos a veracidade dos
extremos nos encontraremos no calabouço dos discriminados sendo alvo de tiros
dos dois lados.
Para C.
S. Lewis a solução para as consequências letais do individualismo solitário e
do coletivismo ideológico massificante é a vida cristã. “O cristão não é
chamado ao individualismo, mas para ser membro do Corpo Místico. Uma
consideração das diferenças entre o coletivismo secular e o Corpo Místico é,
portanto, o primeiro passo para compreender como o Cristianismo, sem ser
individualista, pode ainda contrariar o coletivismo.” 2
Segundo
Lewis, a palavra “membro” é um termo de origem cristã que, na sociedade, foi
esvaziado do seu significado bíblico. O uso atual de “membro de uma classe ou
de um clube” se refere a unidades iguais dentro de um grupo, e é quase o oposto
do significado paulino, que tem a ideia de “órgão”, partes “essencialmente
diferentes e complementares entre si” que difere tanto na estrutura quanto na
função. As diferenças reforçam a individualidade e geram a verdadeira unidade
orgânica.
A
sociedade na qual adentramos através do batismo não é uma coletividade, mas sim
um Corpo, no qual o Cabeça é tão diferente dos seus membros que eles não
partilham nenhuma qualidade com “Ele” exceto por analogia. Como criaturas somos
“unidos” ao Criador, como mortais ao imortal, como pecadores redimidos ao
Redentor impecável. A vida que derivamos da nossa união com Ele deve ser o
fator dominante no nosso cotidiano e é, de fato, o que estabelece a nossa
verdadeira “identidade”. Como disse Jesus:
“Eu sou
a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito
fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo.15.5).
Lewis
afirma: “O sacrifício da privacidade egoísta que diariamente nos é exigido, é
diariamente recompensado cem vezes mais no verdadeiro crescimento da
personalidade que a vida do Corpo encoraja. A obediência é o caminho para a
liberdade, a humildade o caminho para o prazer, a unidade o caminho para a
personalidade.” 3
A vida
cristã defende a nossa identidade pessoal do coletivismo não por isolamento,
mas ao nos dar, no corpo místico, um status de órgão, o qual é cósmico, eterno
e partilha da imortalidade do Cabeça. Mas Lewis enfatiza que esta conquista
gloriosa não nos é concedida como a “indivíduos em si,” mas sim porque a
partilhamos com o Vencedor. E ela só é alcançada através da renúncia diária do
“self” natural. Assim o cristianismo resolve a antítese entre o individualismo
e o coletivismo, com uma personalidade eterna e inextinguível: “Por um lado,
ele se opõe implacavelmente ao nosso individualismo natural; por outro lado,
devolve àqueles que abandonam o individualismo a posse eterna do seu próprio
ser pessoal, até mesmo dos seus corpos”.4
Lewis
defende a ideia de que a “identidade pessoal” não é um ponto do qual iniciamos
e que iremos desenvolvê-la de dentro para fora. A individualidade inicial é
“apenas uma paródia, uma sombra desta”. A verdadeira identidade nos vai sendo
dada ao assumirmos diariamente na vida da Igreja o lugar na “estrutura do
cosmos eterno para o qual fomos desenhados”. Somos como um bloco de mármore
sendo lapidados, ou como o metal sendo moldado, mas mesmo agora já temos uma
noção do formato que estamos sendo trabalhados. O nosso valor individual e
nossa identidade não estão em nós, mas os recebemos pela união em Cristo. Não
adianta tentar ficar procurando um lugar no Templo Vivo que seja adequado às
nossas características. Só teremos nossa verdadeira identidade quando formos
moldados para ocupar o lugar preparado para nós, já há muito tempo. “Seremos
pessoas verdadeiras, eternas e realmente divinas somente no Céu, assim como
somos, mesmo agora, corpos coloridos somente quando estamos na luz” 5. Então,
nos tornaremos a coluna no templo de Deus, descrita em Apocalipse 3.12:
“Farei
do vencedor uma coluna no templo do meu Deus, de onde jamais sairá. Escreverei
nele o Nome do meu Deus e... igualmente escreverei nele o meu novo Nome”.
E
assim, “como órgãos do Corpo de Cristo, como pedras e pilares no Templo, temos
a certeza da nossa identidade eterna e viveremos para nos lembrarmos das
galáxias como um conto antigo.”
Notas
1. Timothy Keller, God’s Wisdom for Navigating Life,
p.95.
2. C. S. Lewis, The Weight of Glory, p.163.
3. Ibid, p.167.
4. Ibid, p.172.
5. Ibid, p.174.
Rosifran
Macedo é pastor presbiteriano, mestre em Novo Testamento pelo Biblical
Theological Seminary (EUA). É missionário da Missão AMEM/WEC Brasil, onde foi
diretor geral por nove anos. Atualmente, dedica-se, junto com sua esposa Alicia
Macedo, em projetos de cuidado integral de missionários.
Sem comentários:
Enviar um comentário