Espanto
aristotélico
Em
nossa sociedade, há um constante estímulo à realização concreta, à
transformação da matéria em algo útil e rentável. Nesse contexto, o movimento
interior, o cultivo do espírito, aquilo que é silencioso e invisível é visto
com desconfiança, como algo inútil e sem relevância. Pode-se até tolerar que
alguém se dedique ao exercício intelectual, mas se dele não se extrair nenhum
fruto palpável, torna-se desprezível.
Num
ambiente assim, refratário à interioridade, poucas pessoas sentem-se
incentivadas a desenvolver o espírito, a trabalhar o pensamento. Elas percebem
que nessa sociedade materialista há pouco espaço para o exercício do intelecto.
Formatadas numa cultura pragmática, elas não desenvolvem a necessidade de
questionar profundamente nada, afinal, acostumaram-se a tomar o visível como
real e o palpável como evidente.
Para
falar a verdade, vivemos numa sociedade anti-filosófica.
Principalmente,
porque, para se fazer filosofia, é preciso um interesse que, se não despreza as
questões práticas, pelo menos não se move por elas.
A
filosofia exige uma curiosidade desapegada, um olhar para a existência
interessado mais na compreensão dela do que naquilo que dela se pode extrair.
Uma curiosidade que só pode ser movida pela consciência de que há algo além
daquilo que é evidente e, junto disso, um deslumbramento pelo mistério que se
apresenta. A pessoa maravilhada com o que pode haver, então, sente-se
impulsionada por compreender melhor as coisas.
O
interesse intelectual surge desse impulso por adentrar o, até aqui,
desconhecido. Consciente de sua ignorância e inconformado com ela o homem
lança-se a tentar dirimi-la, fazendo as perguntas necessárias para solucionar
esse problema. Por isso, Aristóteles dizia que a Filosofia começa pelo espanto.
É
verdade que esse espanto pode ser recalcado. Muitas pessoas percebem que há
algo além, sentem que há um mistério fora do que é patente e, ainda assim,
escolhem, conscientemente ou não, sufocar essa sensação. Talvez, muito da
neurose do nosso mundo contemporâneo venha disso. O que fica claro é que apesar
do espanto ser necessário para o exercício da filosofia, ele não é suficiente.
Por
isso, Heidegger assinalava que esse espanto aristotélico não se trata de um
fato inicial, apenas, mas exige um estado constante da pessoa. A Filosofia
requer uma curiosidade ininterrupta, uma necessidade contínua por entender
melhor o que há por detrás do sabido.
Talvez,
não coincidentemente, Jesus Cristo dissesse que o reino dos céus pertencia as
crianças, afinal, não há ninguém mais curioso e questionador como elas. Assim,
poderíamos ir além de Aristóteles e dizer que o espanto não é apenas o início
da filosofia, mas o seu alimento cotidiano.
A
verdade é que só quem vive deslumbrado com a grandeza e mistério da vida é
capaz de ser filósofo.
Fábio
Blanco
Fabio
Blanco é professor de Oratória, Retórica e Argumentação, além de instrutor de
escrita argumentativa. Desde 2010 é idealizador do NEC - Núcleo de Ensino e
Cultura, sob o qual encontram-se os seus projetos Liceu de Oratória e Filosofia
Integral.
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