Racismo
no Brasil: todo mundo sabe que existe, mas ninguém acha que é racista, diz
Djamila Ribeiro
'Se
estamos ainda hoje no Brasil e somos maioria, é porque o povo negro vem
resistindo, mesmo com tantas ações que visam o extermínio desse povo', diz Djamila
Ribeiro.
A filosofa e escritora Djamila Ribeiro define assim o comportamento do brasileiro
em relação ao racismo: todo mundo sabe que existe, mas ninguém acha que é
racista.
Nesta
entrevista à BBC News Brasil, a autora do Pequeno Manual Antirracista diz o que
deve ser feito por quem quer combater o racismo e sobre o papel dos pais na
educação antirracista de seus filhos.
"Não
basta só reconhecer o privilégio, precisa ter ação antirracista de fato. Ir a
manifestações é uma delas, apoiar projetos importantes que visem à melhoria de
vida das populações negras é importante, ler intelectuais negros, colocar na
bibliografia. Quem a gente convida pra entrevistar? Quem são as pessoas que a
gente visibiliza?"
Djamila
Ribeiro e Tábata Amaral estão em lista da BBC de 100 mulheres influentes no
mundo
O que
aconteceu antes da prisão de George Floyd e como foram seus últimos 30 minutos
de vida
Ribeiro
é mestre em filosofia política pela Unifesp e uma das vozes mais influentes do
movimento pelos direitos das mulheres negras no Brasil. Ela está na lista da
BBC de 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo.
Sobre o
assassinato de George Floyd nos Estados Unidos e os protestos contra violência
policial, Djamila destaca que é importante se indignar, mas aponta que no
"racismo à brasileira" temos "tendência de olhar pra fora e não
enxergar o que acontece no Brasil".
Ribeiro
diz que os protestos são importantes, mas lembra que não são a única forma de
resistência. "Se estamos ainda hoje no Brasil e somos maioria, é porque o
povo negro vem resistindo, mesmo com tantas ações que visam o extermínio desse
povo."
Morte
de Miguel 'mostra como ideia de supremacia branca funciona no Brasil', diz
historiadora
Djamila
Ribeiro - Tanto no Brasil como nos EUA, a violência racial é um tema que tem
sido debatido historicamente pelos movimentos negros, mas nos EUA, o que tem
acontecido nos últimos tempos — as manifestações, as reações em relação ao
assassinato do George Floyd — pelo que acompanhei, só teve uma manifestação dessa
magnitude na época do movimento dos direitos civis, mas isso não quer dizer que
as pessoas não estivessem se manifestando.
No
Brasil, às vezes a gente faz umas comparações 'ah, mas nos Estados Unidos as
pessoas estão nas ruas e no Brasil, não', como se no Brasil a gente não tivesse
uma série de lutas e resistências contra esse sistema de opressão. Não podemos
reduzir resistência somente a manifestações.
Claro
que as manifestações são fundamentais: é importante ir às ruas, denunciar o que
está acontecendo, mas às vezes a gente limita isso à questão das manifestações
e muitas vezes no Brasil as pessoas apoiam o que está acontecendo lá sem
enxergar a realidade do que está acontecendo no Brasil. Esse é um dos pontos
mais críticos pra mim, de ver pessoas se manifestando nas redes sociais, muito
indignadas, sendo que Brasil é um dos países que mais mata, tem uma das
polícias mais violentas.
Claro
que o que acontece lá tem que gerar nossa indignação, mas eu fico refletindo
sobre o racismo à brasileira, que a gente tem muito mais uma tendência de olhar
pra fora e não olhar pra nossa própria realidade, a não enxergar o que acontece
no Brasil.
Sinto
um cinismo por parte de muitas pessoas que quando a gente convoca atos no
brasil essas pessoas não vão ou naturalizaram esses assassinatos e depois elas
ficam muito chocadas ou muito surpresas com o que acontece nos EUA sem enxergar
nossa realidade aqui.
Estados
Unidos: assassinato de George Floyd despertou grande onda de protestos.
É
importantíssimo a gente refletir, parar de naturalizar aqui no Brasil esses
assassinatos de jovens negros no Brasil — a cada 23 minutos um jovem negro é
assassinado no Brasil. E o quanto a gente precisa pensar esses desafios aqui
dentro do nosso país, sobretudo num momento de muita repressão aos movimentos
sociais, num momento de corte de políticas públicas para populações negras.
Acho
extremamente importante o que acontece nos Estados Unidos, mas chamo atenção
para que as pessoas tenham mais consciência sobre o que se passa aqui no
Brasil, na nossa realidade, que as pessoas negras historicamente vêm
denunciando mas que infelizmente as pessoas parece que não enxergam quão grave
é esse problema ético que temos no país, de assassinato de pessoas negras.
BBC
News Brasil - Você mencionou que os protestos não são a única forma de fazer
resistência. De que forma essa resistência acontece hoje no Brasil?
Ribeiro
- Historicamente, desde o período da escravidão, os próprios quilombos, que
foram organizações políticas de resistência e enfrentamento à escravidão, o
Quilombo dos Palmares teve mais de cem anos de existência incomodando a Coroa
Portuguesa. As próprias revoltas, como Balaiada e dos Malês, diversas revoltas
indígenas.
No
Brasil, a gente às vezes é privado da nossa própria história de resistência. O
que nos contam é que os negros foram escravizados e ponto, não falam que
existiram resistências. É muito importante saber que os quilombos foram
organizações políticas de resistência e até hoje temos comunidades descendentes
de quilombos, os quilombolas, ainda lutando para ter direito à titulação das
suas terras.
A gente
tem movimento negro, frente negra brasileira, movimento negro que lutou por
ações afirmativas quando foram adotadas no Brasil - a primeira universidade a
adotar cotas foi UERJ em 2001, a segunda foi a UnB em 2004 e depois teve a lei
federal de cotas em 2012. Essas conquistas são reivindicações históricas dos
movimentos negros.
A
própria questão de hoje ter aumentando o número de pessoas que se declaram
negras no Brasil é luta dos movimentos negros. A gente vive num país que foi
fundado sob esse mito da democracia racial, de que aqui não existiria racismo e
quanto isso dificultou a construção de uma identidade negra, o fato de a gente
não ter acesso aos nossos ancestrais, no sentido de que documentos referentes à
escravidão foram destruídos, então eu não sei, por exemplo, se meus ancestrais
vieram da Nigéria ou de Guiné Bissau. Isso gera um abismo, uma lacuna na
construção da nossa identidade. O descendente de italiano sabe de onde o
tataravô veio, a cidade na Itália. A gente não sabe.
Essas
construções todas — e não foram a toa, são deliberadas —, essa ideia de que no
Brasil somos todos mestiços, de que não tem como saber quem é negro, mas na
hora de discriminar todo mundo sabe quem é, dificultou uma construção de
identidade negra e os movimentos negros vêm denunciando isso, e isso também é
forma de resistência.
E
vieram conscientizando a população negra a respeito da nossa ancestralidade. As
próprias religiões de matriz africana no Brasil, historicamente criminalizadas.
Houve época em que as pessoas negras não podiam cultuar seus orixás — e aí vem
o sincretismo, que muitas pessoas veem como negativo, mas pelo sincretismo
conseguiram continuar cultuando seus orixás.
Se hoje
ainda existem terreiros das diversas denominações de religiões de matriz
africana, isso é uma prova de resistência também. É importante a gente
visibilizar isso pra gente não resvalar nessa visão de que não existe luta. Se
a gente olhar quantos líderes quilombolas foram assassinados nos últimos anos,
lutando pelo direito à terra, quantos líderes indígenas, em regiões do Brasil
que muitas vezes a gente não noticia porque não é Sudeste, não é Sul.
Então,
existem várias formas de resistência, de lutas políticas de diversas
organizações do movimento negro, que é importante ressaltar: se estamos ainda
hoje no Brasil e somos maioria, é porque o povo negro vem resistindo, mesmo com
tantas ações que visam o extermínio desse povo.
BBC
News Brasil - No mesmo momento em que a violência policial ganha destaque no
debate público, vimos viralizar um vídeo de um homem branco, morador de
condomínio de luxo de São Paulo e suspeito de violência doméstica, dizer que
ganha 300 mil reais, xingar o policial de 'lixo', dizer que ele poderia ser
macho na periferia e que 'Aqui é Alphaville, mano'. O que esse episódio diz
sobre a política de segurança pública do nosso país? E quem são os policiais no
Brasil?
Ribeiro
- Muitas pessoas ficaram chocadas com esse vídeo, mas pra nós, pessoas negras,
é o retrato do privilégio branco no Brasil. Ele sabia muito bem que nada ia
acontecer com ele. Ele sabe muito bem como a polícia age nas periferias, mas
ele sabia que ali a polícia não ia fazer nada, tanto que ele fala para o
policial 'vem aqui se você é macho' e o policial não vai. Então, ele sabe que o
lugar social dele, pessoas como ele, não vão sofrer esse tipo de violência, ele
reconhece o privilégio dele. Aquele vídeo é a síntese do privilégio branco no
Brasil.
Nós,
como pessoas negras, jamais falaríamos assim com a polícia. Eu tenho dois
irmãos e desde muito cedo meus pais falavam pros meus irmãos: 'saiam sempre com
seus documentos, se a polícia parar, abaixa a cabeça e não responda'. Isso faz
parte da educação de crianças negras no Brasil: como lidar com a polícia se a
polícia te parar. Nossos pais e nossas mães têm medo da abordagem.
Meus
irmãos já foram parados várias vezes voltando do trabalho, por exemplo. Isso
faz parte da educação de pessoas negras. As pessoas brancas se surpreendem com
isso, mas a gente sabe que não pode sair sem documento de forma alguma e se a
polícia para, a gente tem que responder 'sim, senhor' e 'não, senhor'. E mesmo
fazendo isso a gente não sabe o que acontece.
É
importante dizer: se o Brasil é um dos países em que mais mata, também é o país
em que mais morrem policiais nesse confronto. Então, é o Estado financiando
esse confronto de pessoas pobres, de territórios periféricos, contra outras
pessoas de territórios periféricos. Esses policiais na maioria das vezes saíram
desses mesmos lugares periféricos, muitos deles são negros, e são esse braço
armado do Estado e o Estado financiando essa guerra às drogas que nada mais é
do que guerra à população negra.
É
necessário pensar uma outra forma de segurança pública no brasil, que não seja
de criminalização dos espaços periféricos, uma política de descriminalização
das drogas no Brasil, porque a gente sabe a quem serve essa criminalização —
serve ao encarceramento em massa de pessoas negras e ao extermínio de pessoas
negras, como se nos territórios ricos as pessoas não consumissem drogas.
Se a
gente for pra qualquer festa de universidade, a gente sabe que as pessoas
consomem, mas onde vão dizer que esse combate será feito? Então, é necessário
pensar, como muitos países têm discutido, em descriminalizar algumas drogas,
porque isso impacta diretamente nessa guerra dessas pessoas que vêm dos mesmos
espaços e territórios enquanto beneficia a estrutura branca, rica e patriarcal
no Brasil.
Djamila
RibeiroCRÉDITO,DIVULGAÇÃO/MAARTEN VAN HAAFF
Legenda
da foto,
'Não
tem como discutir antirracismo se a gente apoia projetos que visam o
sucateamento de políticas públicas importantes para populações historicamente
discriminadas'
BBC
News Brasil - No Pequeno Manual Antirracista, você aponta que 'é impossível não
ser racista tendo sido criado numa sociedade racista. É algo que está em nós e
contra o que devemos lutar sempre'. Você poderia explicar por que é tão
prejudicial que a gente tente focar a discussão do racismo como algo
individual, com frases como 'eu não sou racista'?
Ribeiro
- Esse é comportamento do brasileiro. Todo mundo sabe que o racismo existe, mas
ninguém é racista. Tem uma pesquisa histórica da década de 1990, da Folha de
S.Paulo, de que 90% das pessoas diziam conhecer pessoas racistas e diziam que o
racismo existia, mas quando perguntavam se elas eram racistas, elas diziam que
não.
Tem no
Brasil uma discussão de achar que o racismo é só uma questão individual, só
quando alguém destrata uma pessoa negra ou a discrimina. E falta um
entendimento do racismo como sistema de opressão, e aí passa por a gente
conhecer nossa história como povo brasileiro.
Muitos
brasileiros desconhecem que o Brasil foi o último dos países das Américas a
abolir a escravidão, o impacto disso na construção da nossa sociedade, os fatos
históricos que construíram essas desigualdades, a própria constituição do
Império de 1824, de que só os cidadãos livres podiam estudar — e quem eram os
cidadãos livres em 1824 —, a própria lei de terras de 1850, que a partir
daquele momento, pra ter terra, só comprando terra do Estado—- e quem podia
comprar terra em 1850 —, foram várias ações que criaram essas desigualdades.
As
pessoas têm dificuldade de entender que durante três séculos, quase quatro séculos,
as pessoas negras foram tratadas como mercadoria, e construíram as riquezas
desse país sem ter acesso a essas riquezas. E a partir daí essas desigualdades
foram sendo construídas, então se pessoas negras hoje não ocupam espaços de
poder, eles partem de um lugar social que suas oportunidades são restringidas
por causa do racismo.
Então,
às vezes é esse entendimento que falta às pessoas — e de não discutir o lugar
social da branquitude também. De chegar em um espaço em um país de maioria
negra e só ter pessoas brancas nesse espaço e isso ser naturalizado e não ser
questionado. Se pessoas brancas estão ocupando esses espaços, será que é por
que elas são mais inteligentes e geniais ou por que tiveram condições concretas
para estar naqueles espaços?
O grande
problema do brasileiro é naturalizar o lugar do privilégio como se ele tivesse
sido providencialmente fixado e não construído à base da opressão de outros
grupos, então isso faz com que as pessoas achem que basta o indivíduo querer —
'é só ele se esforçar' — negando toda essa estrutura que impossibilita
condições concretas para que as populações negras tenham mobilidade social,
consiga acessar lugar de dignidade e cidadania no Brasil.
O
primeiro passo é desnaturalizar esse olhar e conhecer a nossa história enquanto
povo brasileiro. Para discutir diversidade, a gente precisa discutir
desigualdade. Quando a gente conhece a origem social das desigualdades, a gente
vai entender as reivindicações históricas dos movimentos negros e as pessoas
brancas vão entender a importância de discutir a partir do seu lugar social e
como ele foi construído historicamente.
Manifestantes
protestam contra declarações que minimizam o racismo no Brasil proferidas pelo
presidente da Fundação Palmares em 28 de novembro de 2019.CRÉDITO,REUTERS
Legenda
da foto,
Manifestantes
protestam contra declarações que minimizam o racismo no Brasil proferidas pelo
presidente da Fundação Palmares (2019)
BBC
News Brasil - Você mostra que ser antirracista passa por uma série de ações,
que vão desde se informar sobre negritude e reconhecer os privilégios das
pessoas brancas… Você pode dar alguns exemplos de atitudes antirracistas que as
pessoas podem tomar no dia a dia? No momento atual, o que é mais urgente?
Ribeiro
- No livro Pequeno Manual Antirracista, eu trago dez capítulos — na educação,
no trabalho, no afeto. Na educação, se a gente é educador, tem que questionar a
nossa bibliografia. Será que na nossa bibliografia tem autores e autoras negros
e negras? Se nós elaboramos o mundo, por que nossas elaborações de mundo não
estão presentes nessas bibliografias?
Se é
empregador, está empregando pessoas negras, criando de fato programas com metas
de diversidade para que pessoas negras tenham acesso? Se você coloca em uma
vaga que tem que ter inglês fluente, você já está delimitando ali que tipo de
pessoas vão se candidatar. Se você só coloca anúncios em universidades ditas de
ponta, você também já está escolhendo que pessoas você quer que trabalhem ali.
É
preciso ter uma consciência, de fato, de como combater isso. O primeiro passo é
se informar. No livro, eu quis trazer essas ações propositivas — ler autores
negros, refletir sobre projetos de governo que você apoia — geralmente as
pessoas não leem programas de governo, elas vão no calor da emoção, no calor do
que está sendo dito no momento e não tem como discutir antirracismo se a gente
apoia projetos que visam o sucateamento de políticas públicas importantes para
populações historicamente discriminadas, se são governos autoritários, o que
significa que movimentos sociais vão sofrer muito mais repressão naquele
momento… Então, para além das ações do dia a dia que podemos tomar, precisamos
pensar no macro os projetos que estamos apoiando.
BBC
News Brasil - Você escreve que as pessoas negras são levadas desde cedo a
refletir sobre sua condição racial e dizque aos seis anos entendeu que ser
negra era um problema para a sociedade, enquanto seus colegas brancos não
precisavam pensar qual era o espaço deles. Qual é o papel dos pais na formação
de crianças (e depois adultos) antirracistas?
Ribeiro
- É um papel fundamental. Muitos desses pais vieram da mesma escola que eu vim,
que conta aquela história de que negros foram escravos e ponto e que a princesa
Isabel foi a grande redentora. Aí temos a Lei 10.639, de 2003, que alterou a
lei de diretrizes e bases da educação, incluindo a obrigação do estudo da
história africana e afro-brasileira nas escolas, uma lei muito importante, que
ainda sofremos com os desafios da implementação dela. Em alguns lugares foi implementada,
mas a depender da vontade política de quem está no poder acaba não sendo.
Essa
lei é fundamental não só para crianças negras, mas para as brancas entenderem
que o mundo é constituído por pessoas negras, porque elas terão outra visão e
construção das pessoas negras. Os pais podem, na escola que vão matricular o
filho, saber se essa lei está sendo implementada, se não, cobrar da escola que
seja, olhar o material didático para ver se contempla a multiplicidade do povo
brasileiro e das narrativas múltiplas que temos, apresentar aos filhos
referência de pessoas negras — seja em livros, em brinquedos, e buscar conhecer
de fato pessoas negras, que as crianças convivam com espaço diverso.
Muitas
vezes o convívio que essas crianças têm com pessoas negras são as empregadas e
as babás, e simplesmente não entendem a importância de trazer outras
referências para o convívio. Os pais precisam se conscientizar da educação que
estão oferecendo aos seus filhos, quais são as possibilidades, porque a partir
delas as crianças vão criar suas visões de mundo - que podem ser limitadas e
empobrecidas, que só contempla um grupo social, ou pode ser uma visão muito
mais ampla, em que essas crianças tenham possibilidade de reconhecer as
humanidades dos diferentes grupos.
E
também entender que não basta só a educação dentro de casa. Essa criança vai
para a escola, ela encontra os amigos. É um desafio. Eu tenho uma filha de 15
anos, uma menina negra, que desde cedo foi apresentado a ela as referências de
pessoas negras, imagens positivas de pessoas negras, e ela foi para a escola e
sofreu racismo. As instituições são racistas. Então eu entendi que não bastava
só eu fazer ali e não estar atenta aos espaços que minha filha frequentava. É
importantíssimo eu estar atenta a isso para que eu vá nesses espaços também,
cobrar que fossem espaços que de fato a respeitassem. Fora isso, tem televisão,
a mídia, internet. É necessário ter essa atenção a esses outros espaços que as
crianças têm acesso.
BBC
News Brasil - Ponto crucial desse debate é que negros, que são mais da metade
da população brasileira, ocupem posições de poder e visibilidade. Nesta semana,
ouvimos o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, chamar o movimento
negro de 'escória maldita'. Como você viu esse comentário? O que ele
representa?
Ribeiro
- Eu tenho até evitado falar sobre esse senhor porque para mim a questão é o
governo que ele representa. Independente de ele estar lá, esse governo tem
muito claro quais são suas políticas em relação à população negra e aí usa de
bode expiatório um homem negro para dizer que não é racista, pra se esquivar
dessa responsabilidade e dizer 'olha, é um de vocês que está dizendo isso, não
sou eu'.
Então,
essa é uma artimanha muito utilizada por pessoas conservadoras para se esquivar
da responsabilidade de ter um governo extremamente violento para com a
população negra. Ali ele não está como um indivíduo, mas como representante de
um governo. Claro que vamos combater o discurso dele politicamente, porque é um
discurso extremamente violento e vejo até como criminoso, sem dúvida. Mas não
podemos tirar o foco do governo que ele representa.
E é
interessante que não temos a mesma fúria com a Damares, que é uma mulher,
ministra das mulheres, e fala coisas absurdas em relação às mulheres. Mas em
relação às pessoas negras a gente pesa mais a mão, como se automaticamente, por
ser negra, ela deveria ser militante. E pessoas negras são diversas, como todas
as outras.
Algumas
têm perspectivas emancipatórias e outras infelizmente vão legitimar discursos
do status quo. Assim como você tem pessoas brancas da esquerda, da direita, da
extrema direita. Mas quando uma pessoa branca é conservadora, ou como a
Damares, por exemplo, que vai contra as reivindicações do movimento feminista,
não se tem tanta cobrança em relação a isso, mas com as pessoas negras se tem.
É
importante entender que nós, enquanto pessoas negras conscientes das questões
raciais do Brasil, não temos que dar respostas em relação ao que esse senhor
fala. A sociedade tem que cobrar do governo que autoriza esse tipo de discurso,
esse tipo de cidadão ocupando esse espaço.
Tenho
muito receio de que isso se torne uma briga de negros contra negros, que é isso
que esse governo que aconteça, e a gente deixe de ver o que está por trás desse
bode expiatório que é colocado ali pra falar esse tipo de absurdo que na
verdade é o que o governo Bolsonaro representa. Então, a gente tem sim que
combater a fala desse senhor, mas não podemos esquecer que nosso alvo é o
governo Bolsonaro utilizando homem negro de uma maneira a atingir pessoas
negras conscientes no Brasil.
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